OS MEUS SAPATOS
Tenho um pequeno armário atafulhado com sapatos e botas. Conservo religiosamente uns quantos pares que não me lembro de alguma vez ter usado. Nem sequer percebo a razão porque os comprei. Talvez nem tenha de havê-la! Comprei e aqui estão a mofar.
Todavia, constato que uso quase diariamente um par de botas praticamente gastas.
Aparentemente esta opção não faz sentido. Nem tampouco é racional ou pragmática…tanto calçado a mumificar no armário e só uso estas botas! Ainda por cima um modelo tão clássico e vulgar.
Pressinto, no entanto, que há uma motivação objectiva e irresistível para a sua escolha - calço-as há tanto tempo que se ajustam perfeitamente aos pés.
Com elas sinto-me confortável e absolutamente segura, mesmo que tenha de empreender uma caminhada inesperada. Também sei, por experiência, como combiná-las com a roupa e conheço a impressão que causam.
De vez em quanto apetece-me mudar, comprar um par de sapatos ou de botas mais moderno, talvez até mais juvenil. Aprecio sobretudo os modelos importados, talvez seja preconceito, mas falta-me coragem para a mudança. Estes modelos, inovadores e ousados, por vezes de aspecto algo rude e agressivo, parecem desenhados para dar biqueiradas.
Gosto sobretudo de vê-los no escaparate. Assim, arrumadinhos e quietos na montra, até se revelam apelativos. Não arrisco...
Para quê trocar o certo pelo desconhecido?
Pois se é assim com os sapatos, também assim é no trabalho, na política e na vida em geral.
Para quê arriscar uma ideia nova se as velhas ainda parecem funcionar? Para quê correr o risco de alterar paradigmas se aqueles que o podem fazer usam sapatos feitos à medida do próprio pé?
O que mudou na velha Europa após a tão propalada crise financeira? Quase nada. Aparentemente os sapatos já não serviam, tanto a ocidente como para lá do muro que ruiu. Porém continua a preferir-se os modelos tradicionais, construídos com os mesmos materiais, em ambos os lados.
E aqui em baixo, no norte de África? Especialmente o senhor Mubarak? Dir-se-ia que possui uma colecção infindável de sapatos, todos iguais, pois, já lá vão mais de trinta anos a usar o mesmo modelo! Talvez seja preciso dar uma sapatada na situação.
Em Portugal - parece já ter sido há tanto tempo! – usou-se a bota da tropa. No Egipto talvez seja com a sola dos próprios pés porque o calçado parece não abundar naquelas paragens.
Outros que o tentem, eu já não estou para isso! Para quê novos hábitos se aportam sempre tantas angústias?
Por mim, mantenho-me fiel às botas gastas. Estou velha demais para mudar…
Trabalho de: Cidália Casal
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