Oriundo do norte da China, o bicho-da-seda
encontra-se hoje espalhado por todo o mundo.
Em Portugal é em Freixo de Espada à
Cinta, uma pequena vila situada no nordeste transmontano, que se encontra
sedeada a Associação para o Estudo, Defesa e Promoção do Artesanato de Freixo
de Espada á Cinta (ADEPA), a única do país a fazer a criação do bicho-da-seda e
todo o processo a ele inerente, desde a extracção do fio até à tecelagem de
várias peças. Tudo isto, através de processos ancestrais e artesanais.
Por Tiago Rentes
O inicio do processo de criação do bicho-da-seda é o seu nascimento.
Durante um ano, a associação conserva
os ovos que contêm os bichos-da-seda, depositados em caixas de papelão (pela
borboleta do ciclo anterior), em salas muito frias e escuras (adegas).
A criação do bicho-da-seda tem inicio
numa altura própria do ano, “Abril, Maio
e Junho são os meses favoráveis à criação, porque é quando começa a haver folha
de amoreira, o único alimento dos bichos. Quando vemos as folhas a crescer
coloca-mos os ovos à temperatura ambiente para eclodirem”, explica Susana Martins,
formadora e membro da administração da ADEPA.
Quando os bichos-da-seda nascem são
muito pequeninos, não medem mais de um milímetro e podem-se comparar à ponta de
um alfinete.
Durante 45 dias são alimentados em
grandes tabuleiros de madeira onde se colocam as folhas de amoreira que eles
comem diariamente.
"Quando os bichos começam a ficar maiores os tabuleiros são ampliados para
não existir uma super população no mesmo espaço.”
Deixar os tabuleiros livres de
excrementos e folhas secas, é um hábito diário das cerca de seis funcionárias
da ADEPA que asseguram assim um crescimento saudável do bicho.
Ao fim de 45 dias, os grandes devoradores de
folhas atingem a fase adulta e deixam de se alimentar. Começam a estar preparados
para construírem os casulos. Mais uma vez, as empregadas realizam um trabalho
muito rigoroso: todos os bichos do mesmo tamanho são seleccionados e
transferidos para um tabuleiro que está armado em toda a volta com arçãs ou
rosmaninho que vão funcionar como suporte para eles começarem a construit a sua obra de arte.
Antes de se enclausurar na sua
própria baba, a lagarta esvazia as entranhas de líquidos e impurezas e começa a
segregar uma substância filamentosa e brilhante (baba) dando inicio à
construção do casulo.Ao finalizar esse
trabalho que demora entre cinco a seis dias, a larva fica encerrada, durante
quinze dias, dentro do casulo que tem paredes isotérmicas e é bastante resistente.
No interior do casulo acontece a mais bela das metamorfoses, o que antes
era larva é agora borboleta.
Após nascerem, as borboletas são
retiradas para uma caixa onde vão acasalar e depositar os ovos, “depois do acasalamento, uma só borboleta
pode depositar entre 400 a 500 ovos por isso só deixamos nascer cerca de 10
borboletas. Os restantes casulos são colocados ao sol para o bicho morrer lá
dentro e não furar o casulo porque se tal acontecer já não dá para produzir
seda de primeira qualidade”, conta Susana Martins.
Os ovos depositados nas caixas de
papelão são transportados para as salas frias e escuras e aí permanecem até ao
ano seguinte.
Com o ciclo da criação do bicho-da-seda concluído, extrair, tratar e trabalhar
a seda são os passos seguintes.
Existem dois tipos de seda, a seda de
primeira qualidade que é proveniente dos casulos não furados (nos quais os
bichos morrem antes de se transformarem em borboletas) e a seda de segunda
qualidade que é proveniente dos casulos furados pela borboleta.
Para se produzir seda de boa
qualidade a borboleta não pode sair do casulo, excepto claro está, quando se
pretende obter ovos para a continuação do ciclo no ano seguinte. Caso a
borboleta saia do casulo a qualidade da seda não vai ser a mesma porque o
casulo fica furado, o que vai fazer com que no processo de extracção do fio,
este não seja contínuo.
O processo da extracção da seda
começa numa máquina manual que se chama sarilho, da qual fazem parte uma
caldeira de cobre cheia de água e uma resistência que a faz chegar a uma
temperatura de 90 graus. Os casulos são mergulhados na caldeira e com a ajuda
de um ramo de carqueja consegue-se extrair de aproximadamente vinte casulos de
cada vez, um fio muito fino de seda.
Os fios são unidos formando um único.
“Como os vinte casulos não acabam todos
ao mesmo tempo, volta-se a mergulhar a carqueja na água e apanham-se mais uns
poucos, junta-se por baixo e cola ao que esta a correr, desta forma vai dando
sempre continuidade ao fio”, explica Susana.
“Este processo demora aproximadamente três horas é muito lento e durante
esse período se tudo correr bem o fio pode não partir”, completa.
O processo seguinte é dobar o fio
numa dobadoura e enrola-lo em pequenos cartões.
Após as duas primeiras operações, o
fio passa para o rodeleiro e juntamente com o cubilho obtém-se um fio mais grosso.
De seguida, a seda vai ao fuso a torcer, passando continuamente para a
aspa, onde é feita a meada que vai a cozer em água e sabão natural, processo
que se designa branquear ou degomar a seda.
É neste ponto que ela vai ganhar a
sua cor natural, a cor pérola.
Depois de se tratar a seda de primeira qualidade passa-se à de segunda.
No processo de tratamento da seda de
segunda qualidade (também designada de maranhos), os casulos (furados pela
borboleta), são cozidos na caldeira durante duas horas com água a ferver. Depois,
unem-se e forma-se uma espécie de manta já com a cor natural da seda. A manta é
escorrida, posta a secar e depois carmeada (ganha o aspecto de uma bola de
algodão) e fiada como a lã de ovelha.
O fio constrói-se pouco a pouco com a
ajuda do fuso e a roca.
“Todo o fio que nos produzimos é para tecer em teares manuais”. Da seda de primeira qualidade
executam-se teias e tramas, a seda de segunda qualidade, cuja base é o algodão,
só é utilizada para executar os relevos das peças”.
Todos os instrumentos utilizados no
fabrico da seda são rudimentares, artesanais e todos em madeira à excepção da
caldeira.
A seda continua a ser um produto que não está acessível a todas as
bolsas…
“As peças são um pouco caras e não têm muita saída”, refere Susana que explicou também
como é que associação tem contornado a situação, “para que tenha-mos mais rentabilidade, além de trabalhos em seda,
fazemos peças em linho e até tapetes de algodão, também investimos em pequenas
lembranças como flores, ganchos para o cabelo, colares, aplicações em quadros,
tudo feito com os casulos”remata com um tom entusiasta.
Com o intuito de promover o artesanato
local, a ADEPA percorre todos os anos algumas feiras de artesanato e
exposições, não só em Portugal mas também no estrangeiro, executando
demonstrações de toda a riqueza do processo de trabalhar a seda.
Nota:
Imagens nº
2/3/4/5/10/12/13/14/15/16/17/18, da minha autoria;