Em pleno século XXI há quem não
saiba o que é a paralisia cerebral e que, apesar desta incapacidade motora, os
portadores desta doença podem tornar-se campeões paraolímpicos e fazer muito
mais coisas. Para conhecer um pouco mais deste mundo desconhecido fomos
entrevistar o Professor Pedro Saraiva – Técnico da Paralisia Cerebral
Associação Nacional de Desporto (PCAND), para nos ajudar a conhecer este mundo
e perceber qual é a posição de portadores com deficiências se sentem em relação
à sociedade.
Posts de Pescada: Há quanto tempo
trabalha na PCAND?
Pedro Saraiva:
Acerca de quatro anos que trabalho na PCAND. Comecei com poucas funções e
poucas competências mas neste momento já tenho competências que sobrem às
vezes. É
um trabalho muito gratificante.
PP:
É um elemento efetivo na Associação?
PS: Não,
não sou efetivo. A minha profissão de origem é professor de Educação Física da
qual exerço sempre que este governo me deixa. Para além de ser professor de
E.F., faço uma “espécie” de part-time na PCAND como técnico mas, como já te
disse, é uma coisa muito gratificante tanto em termos profissionais como em
termos pessoais.
Quando
nos organizamos e somos responsáveis por uma competição, quer seja nacional
quer seja internacional, principalmente na área de Boccia (que é a área onde eu
estou mais ligado) é extremamente gratificante chegar ao fim e ver os atletas
satisfeitos, ver todo um conjunto de funcionários, de atletas, de treinadores,
monitores satisfeitos isso deixa-me extremamente bem comigo mesmo e para a PCAND
é um louvor porque se as coisas correm bem é porque está tudo a andar bem.
PP:
Que tipo de formação é necessária para interagir com estas pessoas especiais,
mais especificamente nesta Associação?
PS:
Em Portugal existe a Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes, essa
federação tem à sua tutela várias Associações, da qual a PCAND é uma delas, que
regem, determinados tipos de deficiências o nosso tipo de deficiência é
paralisia cerebral é com esses atletas que trabalhamos é parta eles que fazemos
toda uma rede, vá, de competição nacional e que preparamos para as competições
internacionais também.
Quanto
ao tipo de formação, nós é assim temos treinadores, de alta competição, que por
exemplo não chegam a ter o 6º ano e a 4ª classe por isso não é preciso ter uma
grande formação para trabalhar com estes atletas.
Eu
comecei a trabalhar na PCAND enquanto estava a fazer o mestrado de Exercício e
Saúde em Populações especiais e fui de certa forma convidado para trabalhar
para a associação que me deixou extremamente grato e comecei a trabalhar
imediatamente com pessoas com muita experiência como o Professor Joaquim
Viegas, que é o Presidente da PCAND, a professora Helena Bastos que é a
professora que é treinadora profissional de Boccia já há muitos anos e eles é
que me deram uma verdadeira formação no desporto para deficientes porque eles
já estão neste campo há anos. O Professor Joaquim Viegas já trabalha com pessoas
com deficiência desde 1981/82 já viste os anos que ele está ligado e eu há três
ou quatro anos. De qualquer forma a interação que ouve entre ambos foi muito
boa, eu ganhei imenso, ele também aprendeu algumas coisas comigo, mas às vezes
não é uma questão de formação de competência técnica é mais uma questão de
competência pessoal.
PP:
No seu ponto de vista, de que forma a sociedade trata as pessoas com
deficiência?
PS:
Normalmente as pessoas têm muito receio do desporto para deficientes, aliás
normalmente muitas pessoas têm um ponto de vista, que é, existe um modelo
padrão de pessoa, aquela pessoa que tem os olhos no mesmo sítio, nariz no mesmo
sítio que é perfeitamente normal tem um modo de locomoção normal. Tudo o que
foge a esse padrão as pessoas tem receio. Basta tu ires a um supermercado e se
tu vês alguém a entrar de cadeira de rodas a puxar o seu próprio carrinho, tu
pensas bem aquela pessoa vai ter imensas dificuldades a fazer compras, não
chega se calhar à manteiga que está na primeira prateleira, não chega aos Corn
flakes que estão na última prateleira, percebes? Isto é um exemplo.
As
escolas têm de ter elevador para transportar crianças com deficiências, mas
isso não se vê, as escolas continuam a construir pavilhões com essas
limitações.
Os
atletas de desporto de deficientes são vistos como uns coitadinhos, “vamos
fazer uma competição de futebol para cegos! “ – “Futebol para cegos? Coitados
eles nem vêem a bola “ é a primeira coisa que vem a cabeça é coitados, e isso
deixa-os extremamente revoltados, porque eles lutam diariamente contra as suas
caraterísticas, sejam elas muito graves ou ligeiras, mas são as suas carateristicas
e eles ficam revoltados quando vêem pessoas ditas “normais, a pô-los
constantemente à prova sobre o que eles conseguem ou não conseguem fazer, já
não basta eles próprios perguntarem-se a eles o que conseguem ou não conseguem
fazer, o que que têm de trabalhar para superar as dificuldades deles, ainda têm
de levar como fardo com outras pessoas a perguntarem -lhes isso, é muito duro!
PP:
Atualmente, acredita que existe algum avanço na relação da sociedade com as
pessoas com deficiência?
PS:
Existe, existe um avanço porque as pessoas começam a conhecer, repara, eu desde
há quatro anos que estou com a PCAND, e felizmente há autarquias que já fazem
competições há muitos anos, a nove ou dez anos a mesma competição todos os
anos, e já conseguiram estabelecer relações muito boas com os atletas, e essa
relação alem de gratificante para os atletas também é muito gratificante para
essas pessoas, porque as pessoas começam a pensar que é uma mais-valia,
conhecer pessoas que não são desse dito padrão da normalidade
PP:
Considera que o desporto para estas pessoas é uma forma de luta pela
valorização de si mesmas?
PS:
Sem sombra de dúvida. Por exemplo: numa investigação que foi feita, fizeram uma
investigação sobre hábitos desportivos dos atletas com paralisia cerebral e
havia um conjunto de questões muito grande e havia duas questões fantásticas
que eram: 1.º questão era qual era o objetivo desportivo do atleta, ou seja,
ele praticava (neste caso era Boccia) com que finalidade? Para quê? A segunda
questão era qual era o objetivo desportivo de competição? Ou seja, ele treinava
praticamente todos os dias ou dia sim, dia não, mediante o atleta, mas qual era
o propósito dele, ser campeão nacional? Campeão do mundo? Ser campeão de quê? E
80% dos atletas, ou seja, uma grande percentagem, respondeu que o objetivo
desportivo era ser campeão do mundo ou campeão Para-olímpico mas o objectivo
desportivo era simplesmente participar e estar com os amigos.
PP:
Cada tipo de deficiência exige um determinado tipo de desporto?
PS:
Não. Não é bem. O que existe é existem modalidades que são características de
um determinado tipo de deficiência, por exemplo: o Boccia. Por exemplo, pessoas
que têm a visibilidade reduzida, mas não estão ainda cegos, pessoas que têm
problemas de visão querem jogar Goalbal, não há problema nenhum. Coloca-se uns
óculos adaptados e eles podem jogar perfeitamente. Atletismo por exemplo, é uma
modalidade que todos podem praticar. Nós na PCAND temos condições em que eles
podem praticar com cadeira de rodas num determinado circuito.
Se pesquisarmos no site da
Federação Nacional estão lá resultados, dignos de registo, medalhas, graças a
um trabalho muito exigente do treinador que muitas vezes não são apoiados por
clubes, mas os clubes têm um papel fundamental em todo o enquadramento. A
Federação e a associação colaboram com todos esses clubes e é la que eles
treinam, é la que eles desenvolvem todo o trabalho. É necessário um vasto
conjunto de recursos humanos e financeiros. Por exemplo, na deslocação de uma
pessoa com deficiência acarretam muitos mais custos que uma pessoa normal. É
preciso um grande leque de voluntários e estruturas para conseguir realizar
este tipo de iniciativas. A PCAND, por exemplo, tem conseguido voluntários
muito bons para este tipo de trabalho. E isso deixa-nos muito satisfeitos. Por
exemplo, os nossos árbitros são simples voluntários e há uma interação muito
boa entre nós direção da associação e esses voluntários. Deixam-nos muito
gratos ver a interação que eles têm com os atletas.
por: Soraia Pinheiro
*Artigo escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
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