Fomos em descoberta de ofícios de outros tempos, espaços antigos, pessoas que fazem parte da história e têm histórias para contar. Entre cantos e recantos, ruas e ruelas, encontrámos pessoas disponíveis, com experiência de vida e muita vontade de partilhar connosco os seus ofícios. Desde o dia em que começaram a aprender as diversas artes, passando pela primeira vez que cada “casa” abriu a público, até à história completa dos edifícios onde trabalham, tudo nos foi explicado.
Foi entre várias “portas fechadas” às
nossas questões, que encontrámos, com um sorriso e disponibilidade, os três
testemunhos que nos receberam.
O
Barbeiro:
Ao caminhar pela Praça 8 de Maio, nas
escadas que nos levam à Praça do Comércio, encontra-se uma barbearia, muito
simples e discreta. Lá dentro João Couceiro, o proprietário da barbearia, que
apesar de ocupado com os seus clientes, nos recebeu de forma agradável e
automaticamente se disponibilizou para conversar um pouco.
Uma barbearia, com mais de um século, tem
na sua gerência um antigo funcionário da casa. “Fidelizar o cliente” é o lema
da barbearia desde que abriu. Segundo João Couceiro, é assim que têm
sobrevivido à “pressão de deslocalização, tanto dos serviços, como das pessoas”
que há nesta zona da cidade de Coimbra. Com os “centros comerciais a abafar
tudo” e as poucas pessoas que ainda habitam a Baixa, manter a porta da
barbearia aberta não é mais do que “tentar resistir” às tendências da
sociedade, esclarece.
A trabalhar há mais de 30 anos na casa, o
proprietário, afirma que alguns dos seus clientes já são “fiéis à barbearia há
mais de 50 anos”. Reafirma que, apesar de haver um sistema de fidelização e um
laço que se mantém, entre o barbeiro e os próprios clientes, “eles são menos,
pois a renovação já não é feita de forma tão eficaz como antes”.
João Couceiro conta que, são diversas as
faixas etárias que por lá passam, desde pessoas de 90 anos, até miúdos. Estas
crianças, que inicialmente iam acompanhar os pais, tornaram-se, com o passar do
tempo, clientes assíduos. Também os turistas e alguns estudantes da cidade
frequentam a barbearia, “ora por curiosidade, ora para desenrascar”, esclarece.
“A
Camponeza”:
O dia estava soalheiro e a Baixa de
Coimbra repleta de pessoas. Foi entre ruas e ruelas que chegámos ao Nº 80 da
Rua da Louça. Num canto meio escondido, encontrámos “A Camponeza”, uma
garrafeira e mercearia de produtos gourmet. A loja estava vazia, a montra era
deliciosa e o seu cheiro antigo e aspeto acolhedor convidou-nos a entrar.
Lá dentro fomos recebidas pelo sorriso do
dono da loja, Paulo Bela, que nos contou, de imediato, a história da casa
centenária. Com 105 anos de existência, “A Camponeza”, abriu em 1912 com “o
caráter de mercearia local”. Entre as décadas de 50 e 70, evoluiu para
drogaria. Foi transformado em garrafeira, por volta dos anos 70, e assim
continuou até novembro de 2016, altura em que foi comprada por Paulo Bela.
Esclarece que, ao comprar a garrafeira tem
como principal objetivo transformá-la em mercearia gourmet. Para isto, tem
vindo a introduzir novos produtos “mais direcionados para os turistas”, como
azeite, chocolates, chouriços e biscoitos regionais. É a ideia de tentar ter um
conceito diferente, um conceito que privilegie a qualidade e os produtos
portugueses que faz Paulo Bela continuar as transformações na loja. “Todos os
turistas procuram história, ou seja, procuram coisas antigas”. O proprietário
acrescenta que “centros comerciais, Mc Donald’s e Burger Kings existem em todo
o lado”.
Para além da mercearia gourmet, Paulo Bela
informa que “ há um projeto que envolve o edifício todo”. No primeiro andar vai
haver um restaurante temático, com serviço de esplanada (no rés-do-chão), e os
andares seguintes vão ser transformados em quartos para alugar, elucida o
proprietário.
O
Sapateiro:
Chegámos ao Nº23 da Rua 25 de Maio na
aldeia de Queitide, em Soure, e logo fomos recebidas com simpatia e
hospitalidade. José Sousa foi em tempos sapateiro de profissão. Hoje está
reformado e arranja sapatos como ‘hobbie’. Visto que já não tem a sapataria, levou-nos
a uma sala pequena, mas iluminada por uma grande janela. Na modesta sala,
mantém as máquinas que comprou há 25 anos e que ainda utiliza para reparar
alguns pares de sapatos.
Conta-nos tudo, desde o início da sua
aprendizagem, na arte da sapataria, até aos dias de hoje. Explica que começou a
aprender aos 14 anos com uns senhores da aldeia onde morava. Na altura em que
começou a sua aprendizagem, os sapatos feitos à mão “era o que se usava”.
Juntou a “o que gostava de fazer, ao que era atual” e fez disso vida. “Aprendi
a fazer sapatos à mão, não era com máquinas, hoje é tudo com máquinas. Fazia
tudo de raiz”, acrescenta.
“O negócio teve mais sucesso quando
comecei, há 25 anos, do que quando tinha
14 anos e comei a aprender”. Nesta altura (há 25 anos atrás) as posses das
pessoas também eram outras, havia mais poder de compra, afirma. Explica ainda
que, “há 50 anos a população gastava muito pouco dinheiro em sapatos. As
pessoas das aldeias eram pobres, não tinham recursos”.
José Sousa conta que há cada vez menos
sapateiros porque ninguém quer aprender. “As pessoas parece que têm vergonha”.
Para além disso, os sapateiros, que ele conhece,
falam do pouco trabalho que têm. As pessoas já nem sequer os abordam, nem
querem saber o que fazem, explica. O elevado preço dos sapatos, feitos de forma
manual, “também influencia a escassa procura”. Acrescenta ainda que, “com 10 ou
20 euros já se compram uns sapatos, na feira, ou mesmo em algumas cadeias de
sapatarias”.
Um sapateiro para pôr meias solas cobra
dez euros. Meias solas e uns tacões são 12 euros e meio. “As pessoas preferem
comprar novo”, esclarece.
A parte mais difícil e mais cara de
arranjar num sapato é a gáspea. Esta, abrange a porção que cobre desde os dedos
até ao peito do pé, explica José Sousa. Acrescenta que, pôr gáspeas nos sapatos
e solas corridas vai para uns 30 euros, pelo que “ninguém manda arranjar”.
Numa troca de agradáveis palavras, soubemos
histórias fantásticas de pessoas que lutam diariamente para manter a “casa”
aberta e poder colocar comida em cima da mesa.
Nem sempre é fácil resistir à “pressão de deslocalização, tanto dos serviços, como das pessoas”. Nem sempre é fácil manter uma “porta aberta”. Nem sempre é fácil… Mas com esforço, dedicação e muito “amor à camisola” vai-se conseguindo ultrapassar as adversidades e vingar na vida.
Nem sempre é fácil resistir à “pressão de deslocalização, tanto dos serviços, como das pessoas”. Nem sempre é fácil manter uma “porta aberta”. Nem sempre é fácil… Mas com esforço, dedicação e muito “amor à camisola” vai-se conseguindo ultrapassar as adversidades e vingar na vida.
Andreia Rodrigues
Carolina Ferreira
Cristina Furtado
Joana Beja
Rita Fonseca
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