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terça-feira, 2 de novembro de 2010

Crónica - Quando os vampiros românticos se tornam na nova febre da Literatura


Foto - David Monteiro Pimenta

Em todas as livrarias portuguesas existe sempre uma estante reservada para a paixão dos leitores, um amor inquestionável por uma criatura sobrenatural que provocou todo o tipo de sentimento nos seres humanos ao longo dos tempos. O vampiro, criatura tão mortalmente odiada por diversas gerações graças à conotação negativa que lhe era aplicada em quase todas as histórias, é o novo alvo da paixão dos leitores não só em Portugal mas por todo o Mundo. A criatura assombrosa, predadora e sem qualquer espécie de humanismo que se podia ver nos filmes de terror de antigamente desapareceu para dar lugar ao ser sobrenatural romântico, dotado de uma beleza desumana mas humanizado de tal forma que opta por matar animais para se alimentar ao invés de assassinar seres humanos friamente. O estereótipo de verdadeiro amor é alimentado através destes vampiros contemporâneos em cada vez mais livros, lançados destemidamente para o mercado.
                Toda a febre no coração dos adolescentes teve origem na colecção de livros “Twilight”, ou “Crepúsculo” na tradução portuguesa, da escritora Stephenie Meyer. A fórmula mágica de juntar uma rapariga humana e um vampiro com aparência de dezassete mas quase duzentos anos de idade num romance recheado de acontecimentos sobrenaturais e tão humanos foi o quanto bastou para surgirem centenas de livros do mesmo calibre, que são lançados ferozmente para um mercado tão saturado destas histórias. Com personagens principais no papel de humanas ou de vampiras a irem para academias ou escolas vampíricas, a fugirem de vampiros maus ou a apaixonaram-se por outras criaturas sobrenaturais definem uma nova linha de género literário destinado a uma determinada faixa etária, que acaba também por apaixonar algumas pessoas com mais experiência de vida.
Foto - facebook.com/annericefanpage
                Mas no meio de tanto amor, onde foram parar as grandes obras-primas vampíricas? Onde foram parar os vampiros supostamente sem qualquer tipo de humanidade, caçadores de presas humanas que assustavam os jovens durante os seus pesadelos? Tive oportunidade de pegar no tão famoso livro “Entrevista com o Vampiro” da escritora Anne Rice e lê-lo de uma ponta à outra e não consigo compreender onde foram parar os grandes livros com personagens vampiras. Simplesmente estão no lixo por não se encaixarem no modelo de busca do grande amor. Este primeiro livro, a grande estreia de Rice nas Crónicas Vampíricas, não contém nenhum herói destinado a apaixonar-se pela sua amada, não existe uma busca pelo amor estereotipado. A “Entrevista com o Vampiro” contém uma personagem principal confusa, que parte em busca da sua verdadeira identidade e de compreensão para explicar a sua natureza vampírica. Revoltado com o que se transformou, a nova condição como assassino, são diversas as reflexões que vamos encontrando ao longo do livro. O lixo é o lugar actual para este tipo de obras por serem demasiado complexas, chocantes e até mesmo terroríficas para adolescentes ou pré-adolescentes. Enquanto o “Twilight” de Stephenie Meyer contém uma leve atmosfera sexual no decorrer da história, o livro de Anne Rice não tem pudores sobre qualquer tipo de sexualidade que possa aparecer com o virar das páginas. E como todos sabemos, os pais não querem colocar os filhos expostos a conteúdos sexuais em tão tenra idade.
                Todos os vampiros retratados por Rice não passam de uma metáfora de almas perdidas que buscam o perdão de Deus, uma referência brilhante à religião com grandes questões sobre Deus, a existência do Diabo, do Céu ou de um Inferno. E as metáforas dos vampiros presentes nos romances contemporâneos? Não passam de um jovem que pode viver ao nosso lado, no andar de baixo ou até mesmo na casa da frente em que o objectivo principal é a busca pelo amor verdadeiro e a protecção da amada dos perigos sobrenaturais, uma simples máscara para os riscos a que estamos sujeitos no dia-a-dia. Homossexualidade, pedofilia, eternas questões sobre a morte e sobre Deus às quais não é possível obter respostas estão presentes fortemente nas obras-primas caídas no esquecimento.
                Sem dúvida que estes novos vampiros, recheados em demasia nas livrarias portuguesas são um fenómeno literário para as grandes massas. Mas qual o seu significado? Não estaremos tão preocupados em encontrar o verdadeiro amor, viver uma paixão intensa que nos esquecemos de nos conhecer a nós próprios? Se tantas pessoas se esquecem dos livros com as questões profundamente complexa isso quer dizer que preferem os temas meramente românticos e sem conteúdo para fazer um sumo delicioso. Pobres vítimas dos vampiros actuais, que são tão pobres na sua humanidade. Os monstros continuam a fazer perguntas repletas de complexidade e a procurar as respostas tão mais difíceis do que os vampiros galantes, em que só falta o cavalo branco (talvez para morder o pescoço).

David Monteiro Pimenta (grupo 1)

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