Maria Adelaide Bello é uma mulher de 72 anos, mãe, esposa, avó,
professora, aluna, cuja experiência faz questionar se realmente podemos
influenciar muito o resultado ou se na prática, são as pessoas que, em si
mesmas, constroem as condições para que as coisas aconteçam.
Uma figura ativa e irreverente que se preocupa em manter-se motivada e envolvida
na vida ativa, contribuindo com a sua experiência e saber. Mesmo aposentada
profissionalmente, Maria Adelaide mantém o seu tempo preenchido com cursos aplicados
às mais diversas áreas, com atividades ligadas ao desporto, com aulas, etc…
Maria Adelaide Bello |
Maria Adelaide, considera que sempre foi uma
pessoa diferente do normal?
Penso que sim. Herdei essa costela da minha mãe, embora
ela, tenha sido muito mais irreverente que eu. Os tempos também eram outros e
as diferenças tornavam-se mais óbvias. No entanto, o ambiente em que me
desenvolvi também não era fácil e as minhas atitudes e princípios sempre se
destacaram pela originalidade e particularidade, é verdade!
Tem algumas situações na sua vida, que queira
partilhar, que caracterizem essa sua diferença?
A primeira
que me ocorre é ter saído à noite durante a minha juventude, sem o meu irmão.
Éramos dois e, supostamente as “meninas” não andavam por aí sozinhas. Eu tinha
um irmão, mas não tinha um guarda-costas, cada um de nós fazia a sua vida.
Depois, em
1960, quando entrei para a faculdade – IST - comprei uma Lambreta- Honda Vespa
- e fiz toda a universidade com ela. Tendo em conta que eu era mulher, a
lambreta foi sem dúvida um sinal único de diferença. Não pela lambreta em si,
mas pela atitude de a comprar e usar. Corri o país, com ela, visitando amigos e
locais que me interessavam ver.
Numa época
em que o mundo não estava acessível a qualquer um, sem grandes posses
económicas, mas com muita vontade, visitei, com amigos, alguns países da europa,
de comboio e sempre em segunda classe.
Quando começou a trabalhar?
Assim que
entrei na faculdade, comecei a dar explicações num externato para ganhar o meu
dinheiro. Como já referi não venho de uma família de grandes posses e a minha
mãe sempre nos educou de forma a lutarmos e trabalharmos por aquilo que era
importante. O dinheiro que tinha para gastar era ganho por mim.
Mal acabei
o curso, em 1967, fui convidada pelo departamento de física para dar aulas.
Qual foi o seu percurso profissional?
Lecionei
diferentes cadeiras de física no IST, fiz investigação em Física molecular
durante dez anos e, porque não vi grande mais-valia para mim, acabei por não
fazer doutoramento. Abandonei a faculdade e fui dar aulas de físico-química no
ensino Secundário.
Pertenci,
durante 5 anos à equipa que elaborou as provas de física do 12º ano e fiz
manuais escolares de física para os 10º, 11º e 12º anos com uma colega,
professora da universidade de Coimbra.
Com que idade e em que condições se reformou?
Reformei-me
aos 65 anos, quando atingi o limite de idade. Não procurei fazê-lo antes nem
depois. Assumi que era altura e reformei-me!
Em que é que esse momento alterou a sua vida?
Fiquei sem
stress nenhum. A correria em que vivia desapareceu e ganhei espaço e disposição
para me dedicar a coisas novas e principalmente, aquilo que me dá gozo fazer.
Como preparou esse momento?
Não investi
grande tempo na preparação. Chegou a altura e assumi que era O Momento e, nessa
altura dediquei-me a pensar fazer coisas bem diferentes daquilo que tinha feito
até então.
Com que se ocupa depois de se ter reformado?
Há 4 anos
que faço teatro, estudo italiano e literatura portuguesa. Frequento aulas de
Cultura Russa. Vou a exposições, feiras, museus, eventos, muito mais
frequentemente do que ia. Ainda no ativo tirei o curso de fotografia no ARCO e,
agora, aproveitei para o completar com um curso de Fotoshop e um curso avançado
de fotografia a cores.
Entretenho-me
também a estudar Matemática de 12º ano para ajudar o filho de uma amiga, fazer
paciências e Sudokus, ler jornais e revistas… A preocupação não é manter a
cabeça a funcionar, mas sim entreter-me. O facto é que tem ajudado a adiar a
visita do Sr Alemão – Alzeimer e a sentir-me intelectualmente ativa.
Adoro comer
bem e cozinhar, por isso devoro os episódios de 24 Kitchen que complementam os
diversos cursos de culinária em que participo e que me ajudam a enriquecer a
imaginação e a alargar o paladar.
Encontro-me,
todas as semanas, em minha casa, com amigas para lanchar, conversar e fazemos
manualidades ( tricot, costura, etc, etc ). Procuro participar em alguns Workshops
de costura, bilros, tricot. Para manter a minha fabulosa forma física –
acrescenta em tom de brincadeira – tenho aulas de pilates com um PT particular.
Qual a grande diferença na sua vida antes e
depois da reforma?
O ritmo e a
liberdade de escolha. A minha vida passou a fazer-se ao ritmo que eu quero e
posso e não ao que tem de ser e, tão ou mais importante que isso, sou eu quem
decido o que quero, não quero, posso ou não posso fazer e isso é fantástico!
Considera que continua a ser uma mulher
diferente do normal?
Não tanto
como antes. No entanto, o meu universo é pequeno e cheio de gente diferente. O
facto de eu ser a decisora daquilo que faço tornou-me também seletiva. O meu
ciclo de amigos e contactos responde às minhas exigências e expetativas e aí
não cabem e não se destacam pessoas vulgares!
Para si, qual foi sempre o motor principal que
a levou a ser sempre diferente?
O ADN.
Leia-se eu própria.
Não me
acomodo. Gosto de aprender e leio muito – sempre fui assim.
Sou
visceralmente contra fanatismos, e seguidismos. Não vou atrás só por ir. Não
gosto de modas nem de imitações. Só posso ser irreverente.
Chama-se a
isto ser diferente? Então sim, sou diferente!
Maria Inês Gomes
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