"Memórias de Guerra”
Mário Mesquita, 70 anos ex. Major nos Exército Português e ex.
combatente na guerra Colonial Portuguesa. Prestou serviço em Santa Margarida e
a 15-11-69 chegou a Bissau para combater pelo Estado Novo. A tatuagem que
trouxe de África continua gravada na pele e é um símbolo da sua história de
vida.
Quando e como
surgiu a ideia de tatuagem nos campos Africanos?
Durante o tempo que estive em
Bissau, tive a oportunidade de visitar um amigo meu paraquedista que na altura
estava a fazer uma tatuagem e eu comentei que também gostava de ter uma e logo
me surgiu a proposta, esse mesmo amigo registou a minha chegada a Bissau na
minha própria pele. Fiz apenas uma enquanto estava em África, pois as condições
também não eram muitas, no entanto, ainda cheguei a tatuar alguns dos meus
camaradas, era uma troca de tatuagens, fazíamos uns aos outros como se fossa a
coisa mais natural do mundo.
Como é que fizeram as tatuagens naquele meio?
As tatuagens eram feitas com agulhas
normais de coser molhadas num tubo de tinta da china e espetadas na pele. Não
havendo muita perícia nesse manusear de agulha, por vezes entrava pela carne
dentro e fazia sangrar. Era uma forma de passarmos algum tempo livre que
tínhamos de modo que se tornou uma espécie de passatempo pois, para fazer uma
dessas tatuagens minimalistas demorava muito tempo e tinham de ser feitas aos
poucos.
O que simbolizavam?
Estas pequenas tatuagens
simbolizavam na maioria a nossa passagem pelo continente Africano e pela guerra
colonial, normalmente, tal como eu, tatuávamos o nosso dia de chegada e o
local, Guiné 15-11-1969 é a minha. Funcionaram quase como um selo de marcação praticamente,
caíram em moda e quase todos os soldados tinham a sua lembrança da guerra colonial
inscrita na pele.
Quando regressou e quis continuar a sua vida pessoal e profissional,
as tatuagens tiveram algum impacto?
Como na altura era só uma, não
teve impacto nenhum na minha vida até porque continuei a vida militar, a nível
pessoal era a meu constante lembrete de tudo o que já tinha passado e tudo o
que já tinha feito, já era parte de mim e da minha história de vida, foi a
maior lembrança que trouxe daquele continente, mantém as minhas memórias vivas
enquanto ainda posso desfrutar delas.
Alguma vez teve um episódio em que a tatuagem foi importante?
Já tive vários episódios, um
deles foi numa das mais recentes reuniões (jantar), onde se juntam os antigos
soldados combatentes da guerra colonial, começamos a comparar todas as nossas
tatuagens de guerra e a comparar as alturas em que cada um de nós tinha chegado
a África. Outro episódio foi quando o meu neto mais velho, na altura dos seus
nove, dez anos e viu a tatuagem já com uns olhos de curiosidade e perguntou o
que era aquilo no meu braço, foi quando percebi que ele estava pronto para
ouvir um pouco da história do avô.
Fez mais alguma tatuagem depois dessa altura?
Sim, tenho mais 2 tatuagens que
fiz depois de voltar, apesar de esta ter ficado um pouco mal feita, o grafismo
mal desenhado, com poucas picadas de tinta da china e por duas das picadas
terem infetado na altura, achei que não seria um motivo para não fazer outra
claramente em meios mais apropriados.
Todas elas tem algum significado ou são meramente estéticas?
Todas elas foram feitas para me
lembrar de algo, ou para contar mais um pouco da minha história, ou seja, todas
elas tem um significado, a segunda que fiz depois da tatuagem que fiz na Guiné
foi o nome da minha esposa e dos meus dois filhos também no braço.
Sente-se descriminado pelo facto de na sua idade ser tatuado?
Não de todo, os meus netos até
acham “fixe” ter um avô tatuado, e sabem que elas contam um pouco da minha
história.
Realizado por:
Cristiana Barreto 20140088
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