Gustavo Briz; Presidente da Direcção da Rede ex aequo |
Numa
sociedade que ainda compactua com a homofobia e onde o preconceito impõe
barreirastanto psicológicas quanto estruturais, dá-se a importância de perceber
o papel das associações de apoio Lésbico, Gay, Bissexual e Transgénero (LGBT) e
de saber de que forma o seu trabalho contribui para o enrrequecimento social.
Em entrevista a Gustavo Briz, presidente da direcção da Rede Ex aequo, encontra-se
resposta a questões como a origem da associação e quais são as principais
mudanças que ainda precisam de ser feitas quanto ao preconceito sobre a
comunidade LGBT.
O que é a rede ex aequo? De onde surgiu a necessidade da criação desta
associação?
Gustavo Briz
(G.B.): A rede exaequou é uma associação de jovens lésbicas, gays,
bissexuais, trangênero e simpatizantes dos 16 aos 30 anos. A associação nasceu
nos finais do ano 2002. Havia a necessidade de dar apoio à juventude LBGT fora
de Lisboa, que era no fundo onde o trabalho estava a ser desenvolvido pela ILGA
Portugal. Entretanto surgiu um projeto que tinha como ideia criar grupos locais
de apoio pelo país fora. A par desse projeto surgiu também um fórum online, que
ainda hoje existe, e que no fundou criou um momento onde os jovens podem
encontrar informação, apoio, partilhas de experiências de vida. No fundo foram
estes dois projetos que deram origem à rede ex aequo, aos fóruns e aos grupos
locais.
Isso quer
dizer que vocês têm ações por todo o país.
G.B.: Exatamente. Nós somos uma associação de âmbito nacional que
temos uma estrutura mais ou menos organizativa, ou seja há uma direção que
tenta englobar o país inteiro, que coordena todos os projetos da associação,
depois os grupos locais têm alguma autonomia para fazerem atividades e
promoverem a visibilidade dos jovens LBGT da cidade onde estão a trabalhar.
Qual é a vossa principal missão?
G.B.: A missão da rede ex aequo é dar apoio a juventude LGBT e
tocar para a mudança de mentalidades destas questões da orientação sexual.
Identidade e expressão de género.
De que forma o
vosso trabalho chega até a comunidade LGBT? Que projetos têm desenvolvido?
G.B.: Na área do apoio temos os grupos locais e fórum que são os
pontos onde há melhor partilha entre pessoas LBGT. Temos também todos os anos
um acampamento de verão que acontece na última semana de Agosto, para dar a
possibilidade a pessoas que não têm rede local na sua cidade de poderem ter uma
realidade em que não há qualquer discriminação, simplesmente cada um é quem é.
É um momento bastante incrível do nosso ano de trabalho.
Na vertente da educação para a mudança de
mentalidades temos o projeto de Educação LGBT que é uma intervenção nas escolas
para dinamizar de facto sessões de esclarecimento sobre orientação sexual,
identidade e expressão de género. Sempre numaabordagem de educação não formal.
Também o projeto Inclusão que foi uma campanha
para dar visibilidade as questões de bullying homofóbico nas escolas. Consiste
nuns cartazes onde num estão três rapazes e noutro três raparigas onde diz:
“Ele é gay e estamos bem com isso.” e “Ela é lésbica e estamos bem com isso.” É
no fundo para mostrar as pessoas que em primeiro lugar a orientação sexual não
está escrita na testa de ninguém, ou seja não é visível. Não é algo que só as
pessoas que são vitimas têm que fazer, tem que ser um trabalho alargado. Nesse
contexto também damos formação a professores e outros profissionais que
trabalhem com jovens, exatamente para estarem mais sensibilizados para esta
especificidade.
Vão também ter no início de Dezembro os Prémios
Media que é uma cerimónia onde homenageamos figuras das artes dos media e do
espetáculo que tenham abordado a temática LGBT de maneira positiva ao longo do
ano.
Dia 17 de Maio, que é o dia mundial contra a
homofobia e transfobia, temos marcado deste 2011 esta data com ações pública.
Temos marcado para o próximo ano, também para o dia 17 de Maio o 3º Encontro de
Jovens Trans em Coimbra. Acontece em Coimbra porque maior parte das cirurgias
de reatribuição de sexo são feitas e tem havido bastante dificuldade por parte
das pessoas trans em aceder ao acompanhamento médico de qualidade.
Organizamos também os Ciclos de Cinema LGBT que
consiste em disponibilizar gratuitamente filmes de temática LGBT e depois haver
um debate sobre o filme.
Nós tentamos intervir em diferentes áreas e tentamos
também ter uma vertente com mais participação política para trazer para a
agenda as necessidades dos jovens LGBT. Nesse sentido integramos o Concelho
Nacional de Juventude; que é uma plataforma que agrega associações de âmbito
nacional.
Sente que a rede ex aequo tem tido o impacto desejado em toda a sociedade?
G.B.: É uma boa questão. Por exemplo a nossa intervenção nas
escolas, de há uns anos para cá o impacto tem sido reduzido. Nós entrávamos nas
escolas através da Educação e Introdução à cidadania e Área de projeto. Área de
projeto foi eliminada dos currículos e a Educação para a Cidadania neste
momento é opcional. Portanto, a nossa janela de oportunidades na entrada de
escolas, porque nós vamos sempre por convites das escolas, seja por
professores, seja por grupos de alunos que estão a fazer um trabalho nesta
área, reduziu bastante.Nós usamos muitas redes sociais, mas muitas vezes isso
não é o suficiente para chegar às escolas. Também enviamos a divulgação do
projeto, todos os anos, pela internet e por e-mail, mas as pessoas recebem
e-mails que muitas vezes nem sequer abrem.
Ainda em termos de impactos, nós temos noção que o facto de conseguirmos aceder aos
meios de comunicação social,tem um impacto imenso.Eu conheço pessoas que
conheceram a associação exatamente porque viram alguém da rede ex aequo a falar
na televisão e por vezes é difícil ter esses tempos de antena, chegar a esses
meios com maior difusão.
Como presidente da direção de uma associação LGBT, quais são as principais
barreiras que tem enfrentado?
G.B.: Há todas aquelas dificuldades que qualquer organização que
vive à base do voluntariado há-de sentir: a dificuldade de financiamento, e a de
garantir que os seus voluntários estão motivados e que não desaparecem.
Isto
é um desafio quando nós temos projetos que são contínuos e eventos que têm que
acontecer. Nós temos financiamento público a partir do Instituto Português de
Desporto e Juventude (IPDJ), temos que prestar compras das nossas atividades e
temos que ter um alcance real em saber se a nossa atividade teve impacto real e
palpável na sociedade. Portanto temos sempre essa pressão dequando nos propomos
a fazer um evento, ele tem de acontecer. Não podemos simplesmente chegar a meio
e dizer “não temos a capacidade de o fazer, vamos desistir”.
Obviamente
que as questões de financiamento são um desafio muito grande e constante.
Encontrar fundos de financiamento para uma associação juvenil não é fácil.
Muitas vezes existemcandidaturas que podemos fazer para fundos de
financiamento, seja a nível nacional, seja a nível europeu. Mas o trabalho a
nível das candidaturas é muito exigente e muitas vezes não há tempo para isso,
porque temos que dar resposta a coisas mais imediatas.
Por
outro lado tudo isto é compensado com o espírito de equipa que há e como somos
uma rede que tem um método de trabalho que envolve muito a comunicação online,
o que permite estarmos a trabalhar num documento a que toda a gente tem acesso
e podemos ter o contributo de toda a gente.
Toda
esta gestão de tempo e de foco onde vamos concentrar a nossa energia, a nossa
ação é um grande desafio.Aqui acrescendo à dificuldade de garantir que as
pessoas conseguem contribuir com o seu trabalho e com o seu tempo. Acresce
depois, obviamente, o stress, porque é preciso dar resposta a muitas coisas o
que é difícil fazer.
Uma
das dificuldades que nós sentimos como associação LGBT é encontrar cedências de
espaços, porque muitas vezes é algo que continua a ser alvo de preconceito e
muitas vezes as associações ou as juntas de freguesia não se querem associar a
esta causa.
Símbolos usados no holocausto para identificar gays e lésbicas. |
Para terminar, sente que de alguma forma tem havido uma evolução na
mentalidade portuguesa perante as questões e direitos LGBT?
G.B.: Eu acho que no geral houve, de facto, um avanço imenso. Se
nós pensarmos que em Portugal a homossexualidade era criminalizada até 1982 e o
facto de hoje em dia já termos um conjunto de papéis que reconhecem a igualdade
das pessoas LGBT já é um grande caminho. Em termos de enquadramento legal já
estamos bastante avançados nesse sentido.
Obviamente que muitas
discriminações ainda estão presentes, por exemplo o acesso à parentalidade.
Quando se instituiu a possibilidade de pessoas do mesmo sexo contraírem um
casamento criou-se uma alínea que especifica eu não têm qualquer hipótese se
acesso à parentalidade, ou seja, aqui estamos a criar uma nova discriminação.
Mesmo a lei da identidade de
género que vem facilitar o processo de mudança de nome e de sexo no registo
pressupõe ainda que as pessoas trans, para dar inicio a esse processo, tenham
que ter um diagnóstico de disforia de género. Há sempre esta ideia de colocar
as pessoas trans como sofrendo de uma patologia quando na realidade não sofrem.
Ou seja, ainda há um trabalho muito grande em termos legislativos a fazer.
Depois, obviamente que há também
um grande trabalho a fazer, o mais difícil, que é o da mudança de mentalidades
no dia-a-dia. Uma coisa é sermos leigos outra coisa é termos a sociedade a ser
inclusiva e respeitadora da diferença e esse é um trabalho diário e que envolve
muito a questão da sensibilidade. É preciso que percebam que as pessoas LGBT
estão em todo o lado, que elas próprias têm nas suas famílias, um grupo de
amigos... É esse exercício que ajuda a construir a empatia pelo outro. E isto é
muito difícil de se fazer, porque não se ensina a empatia, não é como a
matemática.E aí sinto que apesar da evolução que se tem vindo a sentir, ainda
temos um longo caminho a percorrer.
Agradecimento especial a Gustavo Briz.
Por: Bruna Dias
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