Duarte Paiva, dirigente da ACA |
Num mundo onde o diálogo tende a ser
desvalorizado e a preocupação pelo próximo passa, fundamentalmente, pelo apoio
de cariz material, conseguimos encontrar quem ainda dê valor a uma “boa
conversa”.
Com o objectivo de prestar apoio a pessoas
que se encontram em situação de exclusão ou solidão, a Associação Conversa Amiga (ACA) é uma associação de solidariedade social que actua, essencialmente
pelo poder de uma conversa.
Duarte Paiva, dirigente associativo,
formador de voluntariado e coordenador de projectos, dá-nos a oportunidade de
conhecer um pouco sobre a ACA e perceber como uma “simples” conversa pode ter
um impacto tão importante na vida de alguém.
O que levou à fundação da
Associação Conversa Amiga? De onde surgiu essa necessidade?
Duarte Paiva(D.P): Na
altura simplesmente o facto de haver pessoas sozinhas, em solidão, e verificar
que isso lhes causava sofrimento. Cheguei a esta conclusão porque, a meio da
universidade, tive uma experiência de distribuição de alimentos e vestuário a
pessoas em situação de sem abrigo. Curiosamente estas pessoas, dando-lhes
alguma conversa, mostravam-se muito disponíveis a conversar, mostravam-se sobretudo
felizes por ter alguém que as ouvia.
Assim achei,
e dado os poucos recursos que tinha na altura,
que poderia fazer isso mesmo, conversar com pessoas, ouvindo-as e promovendo
momentos de mais humanidade e, de alguma forma, felicidade. E consegui! Comecei
com pessoas em situação de sem-abrigo. A ACA é então fundada para criar a
estrutura necessária para organizar voluntariado e projetos. Como já fazia
voluntariado desde os meus 14 anos, este teve um papel importante nesta
construção.
Têm vários projetos e várias missões a cumprir mas será que me
pode dizer qual é a missão principal da ACA?
D.P.: A ACA destina-se a
pessoas que, pela sua situação, possam estar de alguma forma isoladas e que a
conversa seja uma forma de combater essa solidão. Esta é a missão original da
ACA. Mas também pela conversa, aprender, conhecer e perceber as necessidades
das pessoas, para que se possa então criar novas respostas, mais adequadas e
com inovação. Se podemos combater a solidão ao mesmo tempo que aprendemos,
porque não utilizar isso para aumentar o nosso impacto? Todos os nossos
projetos nascem da conversa, neste movimento de ideias que se estabelece entre
as pessoas porque conversamos e ouvimos.
Porquê a conversa? Porque é que a conversa/diálogo é o veículo
escolhido para chegar às pessoas que ajudam? E de que forma “conversam” com as
pessoas?
D.P.: A conversa é uma
forma de ligação entre as pessoas. Quando conversamos somos mais iguais, somos
mais humanos e, mesmo que estejamos com pessoas que por alguma razão estejam
menos bem, nada disso realmente interessa porque humanamente somos todos e
todas iguais. Portanto, se queremos ajudar alguém, então temos que o fazer
colocando-nos ao mesmo nível, promovendo uma relação de ajuda positiva. Este instrumento é fantástico para aprendemos e percebemos o que
é necessário, o que as pessoas mais valorizam e é, de alguma forma, um meio
democrático de intervir.
São as pessoas
que nos dizem o que precisam e porque precisam nos sítios onde estão. Somos nós
que lá vamos. Além disso, quebram-se barreiras e assim é facilitado todo um
processo de ajuda pois constrói-se uma relação baseada na confiança,
sinceridade e empatia. Conversamos de forma simples, respeitando cada pessoa e
ouvindo ativamente.
Pretendem ser uma “ referência na qualidade e inovação social e uma
referência no voluntariado”. Sente que de alguma forma o voluntariado está
interligado com o sucesso da Associação?
D.P.:O voluntariado está na génese da ACA e,
pessoalmente, na minha.
Sim, o voluntariado tem um papel fundamental na ACA
porque é, dentro da nossa missão, algo que faz muito sentido, pois
estatuariamente a ACA também promove a democracia e cidadania ativa, e o
voluntariado é uma forma de cumprir este ponto. Também temos profissionais, mas
estes estão alocados e desenvolvem funções que pelo voluntariado seria menos
viável. Porém prestamos muita atenção à qualidade de voluntariado que temos, ao
tipo de pessoa que selecionamos e procuramos ter a melhor gestão de
voluntariado possível. Voluntariado, para a ACA, apenas faz sentido com
qualidade.
Têm bastantes projetos, nomeadamente o “Cacifos solidários”. Como
chegaram a essa ideia?
D.P.: Pela conversa. Várias pessoas sem-abrigo
disseram-nos que os seus pertences são
roubados, extraviados, levados pelos serviços ou danificados pela chuva. Além
disso, alguns dizem guardar alguns dos pertences em cacifos de supermercado com
todas as limitações disso.
Assim, foi
proposto este projeto a um grupo de pessoas sem-abrigo que o aceitou de forma
muito positiva. Resumidamente foi isso, embora uma parte forte do projeto seja
também o acompanhamento das pessoas, a autonomia, autoestima e um novo sentido
de dignidade que este projeto promove.
Qualquer pessoa pode recorrer à ACA para pedir ajuda ou para se
voluntariar?
D.P : Na realidade nós
tentamos ir de encontro às pessoas mais do que esperar que venham até nós. Os
projetos já estão estabelecidos e vão crescendo mediante as necessidades
encontradas. Temos também várias parcerias que funcionam como articulações de
necessidades de pessoas. No voluntariado, qualquer pessoa se pode inscrever,
depois terá um processo de seleção e integração. Nem todas as pessoas se tornam
voluntárias ACA.
Para terminar, sente que se
conversarmos mais com quem nos rodeia, independentemente das características ou
circunstâncias de cada um, podemos fazer mais pessoas felizes?
D.P.: Sem dúvida, embora
não baste conversar, é necessário qualidade na conversa e, sobretudo, saber ouvir.
Recentemente uma idosa de 80, que esteve
à conversa connosco, deu-nos um grande abraço e disse que aquele momento era
tudo que precisava.
Um agradecimento especial a Duarte Paiva.
Por Daniela Bulário
Um agradecimento especial a Duarte Paiva.
Fotos retiradas do site oficial da associação.
Por Daniela Bulário
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