Baixa de Albufeira inundada, 1 de Novembro de 2015. |
Albufeira, paredes
meias com o mar, cresceu nas margens de uma ribeira que foi, ao longo dos
últimos 100 anos, progressivamente canalizada em conduta.
A
ocupação do vale ribeirinho e do leito da cheia despontou nas décadas de 40 e
50 do século XX. A essa época correspondem, naturalmente, os primeiros registos
de inundações violentas – na sua causa estaria a pluviosidade intensa, que
havia engrossado o caudal da ribeira e invadido a cidade.
Quando a Natureza retoma o seu curso natural.
A
01/12/1949 lia-se, no jornal O Século,
«Em Albufeira, na noite passada e todo o dia de hoje, também choveu
torrencialmente. As águas da ribeira sobrepuseram-se aos dois diques e fizeram
levantar alguns cascões da canalização para o mar. A parte baixa da vila voltou
a ser inundada pela cheia da ribeira, registando-se prejuízos materiais em
diversas casas.».
O Diário de Notícias, da mesma data,
noticiava «Duramente experimentada pelas inundações de 25 de Outubro e 23 de
Dezembro de 1948, esta vila está de novo inundada». E, na sua edição de 03/12/1949,
acrescentava que «em Albufeira apareceu abandonada uma embarcação e avistou-se
no mar o cadáver dum homem que se supõe um dos tripulantes. Durante todo o dia
de ontem, por quatro vezes toda a parte baixa da vila ficou coberta de água.
Todos os pavimentos das ruas estão revoltos e estragados.».
Antes
disso, já as inundações de 25 de Outubro e de 22 de Dezembro de 1948 e, posteriormente,
as de 15 de Janeiro de 1956 tinham assombrado Albufeira com consequências
nefastas. A manchete do jornal O Século de
26/10/1948 dava conta que «as águas das chuvas transbordaram um dique alagando
as ruas, largos e quintais, desmoronando prédios e enchendo de pânico a
população de Albufeira».
A
primeira página do Diário de Notícias
de 23/12/1948 contava «Temporal no Algarve – na vila de Albufeira a água das
chuvas atingiu cerca de 7 metros de altura (…) É tal a violência do temporal na
costa que muitas embarcações têm sido arrastadas para o mar e estão-se a partir
na ressaca contra as rochas da praia. Estabelecimentos comerciais onde a água
não tinha entrado em inundações anteriores tiveram agora prejuízos quase
totais. Em muitos sítios a água atingiu os primeiros andares, cobrindo
completamente as árvores.».
«Nalguns
locais, como por exemplo no largo Duarte Pacheco, as águas atingiram o nível de
sete metros! Na Avenida da Ribeira, a água escavou o solo numa profundidade de
4 a 5 metros, pondo a descoberto o antigo leito da ribeira, que àquela artéria
deu o nome (…). Em suma, Albufeira viveu horas de indescritível horror» (DN, 24/12/1948). Sete anos depois,
Albufeira volta a ser notícia - «Temporal no país – Em Albufeira a água da
cheia atingiu 3 metros de altura! Os prejuízos são grandes e uma mulher
desaparece na enxurrada» (DN,
16/01/1956).
Cheias das décadas de 40 e 50 durante
o século passado, em Albufeira. Fotografias de Fausto Napier.
Cíclicas e características do clima
mediterrâneo, as cheias, obedecem ao seu tempo natural de retorno.
Em
Albufeira, a ocorrência de cheias fluviais é um fenómeno tão antigo quanto a
ocupação do vale ribeirinho. A função dos cursos de água é, única e
exclusivamente, assegurar o seu transporte. Por conseguinte, o abuso humano e a
usurpação destas áreas conduz a calamidades como a que se verificou no passado
dia 1 de Novembro de 2015.
No
café Marmota, por exemplo, a água
atingiu dois metros de altura e o proprietário José Vieira esteve, até ao
último momento, na companhia de um funcionário. Quando já nada podia
fazer, e a água continuava a subir, teve de ser resgatado pelos bombeiros e
pela GNR. «Estávamos aqui e ficámos retidos, tivemos que trepar e, nessa
altura, os bombeiros já aqui estavam e fomos puxados por eles», lembra.
Óscar Ferreira,
investigador da Universidade do Algarve, em declarações à Lusa, esclareceu que «Não há, neste momento,
espaço de circulação para a própria água naquilo que era antes a sua linha de
percurso natural. Hoje, está substituído por estradas e por casas. Acabou por
extravasar para além daquilo que é a rede de drenagem existente, não
dimensionada para cheias com uma dimensão tão elevada, e acabou por fazer o seu
percurso natural saindo na praia dos pescadores: como sairia naturalmente há
umas décadas atrás.»
A força das águas. |
As
redes de escoamento não evoluíram em consonância com o crescimento da densidade
de construção da cidade e da alta impermeabilização que este terreno, de
declive acentuado, sofreu com as intervenções do Programa Polis.
Luís
Alexandre, presidente da Associação de Comerciantes de Albufeira, admitiu à agência Lusa que
«[as cheias] se devem, em parte, ao mau planeamento na construção da baixa da
cidade», conta que «a questão não é nova e foi levantada aquando das cheias de
2008, e o Bloco de Esquerda, na altura, chegou a questionar o ministro do
Ambiente sobre a relação entre as cheias e o Programa Polis.». O Bloco
recordava então que, em 2007, um ex-vereador da autarquia e arquiteto, havia
confirmado, num congresso público, que os esgotos da cidade teriam sido
substituídos por «minúsculas condutas e escoantes erradas» que agravam o risco
de inundação. Para além disso, aponta-se, também, a construção de paredes nas
caixas de água para evitar que a mesma escorresse para a praia.
Assim,
qualquer solução apontada será radical e acarretará elevados custos, avança
Óscar Ferreira ao apontar as duas possíveis correções estruturais. A primeira,
com severas implicações económicas devido à relevância turística do espaço,
passaria pela remoção da ocupação do leito da cheia; a segunda, com grandes
custos de construção associados, visa a substituição das redes de drenagem por
outras com diâmetro suficiente.
As
soluções de minimização dos impactos de cheia já foram apresentadas à câmara
municipal de albufeira em 2009 pela, à data, Administração da Região Hidrográfica do Algarve – hoje, Agência Portuguesa do Ambiente. As obras
ilegais de encanamento da ribeira que atravessa a cidade foram, na época,
embargadas mas nunca se seguiram as indicações de melhoramento feitas pela
mesma agência.
Carlos
Silva e Sousa, presidente da autarquia, em declarações à agência Lusa, admitiu que as cheias causaram
prejuízos na escala dos milhares de euros, obrigaram ao realojamento de várias
famílias e conduziram à morte de um idoso de 80 anos. Tendo em conta o cenário
de horror, avançou, no dia 2 de Novembro, com o pedido de calamidade pública a
fim de regularizar a situação de Albufeira e ressarcir todos os lesados.
Milhares
de albufeirenses munidos de poucos recursos mas com muita vontade de reerguer a
sua cidade têm sido incansáveis na limpeza e escoamento das ruas afetadas, bem
como na recuperação das casas de habitação e dos espaços comerciais, de
restauração e bares. Com o apoio das corporações dos Bombeiros Voluntários de
Albufeira, de Silves e de Loulé em articulação com diversas associações
desportivas da região e dos Escuteiros da Paróquia de Albufeira, a cidade
renasce, agora, da lama a cada dia que passa.
A
Câmara Municipal de Albufeira criou uma bolsa de voluntários, que reúne já
centenas de cidadãos, e uma conta bancária oficial – Albufeira Unida e Solidária - para centralizar donativos que surgem
de todo o país e do estrangeiro.
É o
caso de John McCabe, um britânico com residência em Albufeira, que, perante o
cenário, veio ajudar a cidade que o acolhe já há muitos anos. «Vim ajudar, eu
conheço estas pessoas. Venho para aqui há muitos anos, quando chego dizem-me
“bem-vindo a casa Sr. McCabe” e nunca vi nada assim, tudo destruído», conta.
No Facebook, gerou-se uma onda de entreajuda ímpar. Movimentos de doação em
géneros e palavras de alento dirigidas aos afetados pelas cheias invadiram,
desde o difícil Domingo de 1 de Novembro, os
newsfeed.
Fustigada
pelas chuvas torrenciais, Albufeira não se dá por vencida e acredita que, até à
Passagem de Ano, estará completamente restabelecida. Comprometendo-se a manter
o nível de excelência a que habituou o Mundo inteiro, não cancela o cartaz de
festividades anunciado para o final de Dezembro e assevera que se mantém a
grande anfitriã dos bons momentos.
Albufeirenses juntam-se para reerguer a cidade.
Por: Fábio Mendes, Jonny Xavier, Leonor Gonçalves, Márcio Pereira [Grupo 2]
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