Maria João
Semedo, tem 47 anos, e trabalha nos serviços gerais, do Hospital Distrital da
Figueira da Foz. Nos seus 24 anos de serviço passou pelas mais diversas
unidades hospitalares: medicina, hospital dia/oncologia, imagiologia, e,
atualmente, serviços gerais. Fala-nos, hoje, da sua experiência profissional e
da sua relação com os seus doentes ao longo da sua carreira.
Após ter trabalhado em tantas
unidades hospitalares, em qual delas teve mais contacto com os doentes e como é
que se esse contacto é estabelecido?
- Tanto na
medicina, como no hospital dia, e na imagiologia, tive um contacto mais direto
com os doentes, apesar de serem contactos totalmente diferentes. Na medicina
são doentes de faixas etárias muito elevadas, onde todos os cuidados são
extremamente necessários, tais como a higiene, a alimentação, a mobilização,
etc. Já no hospital dia/oncologia, o contacto é de uma forma direta, com uma
carga emocional muito elevada. Na imagiologia é um contacto mais indireto, em
que apenas se ajuda a preparar o doente para o exame e a tranquilizá-lo para o
mesmo.
Quanto ao
estabelecimento do contacto com o doente, também este é distinto nas três
unidades. Enquanto que na medicina o contacto é quase imposto, no hospital dia
tem de haver uma maior abertura por parte do doente. Na imagiologia, o contacto
apesar de também ser importante, é apenas momentâneo.
Não sendo médica, nem enfermeira,
como é que o doente olha para si?
-
Normalmente, olham para nós, auxiliares, como alguém com quem podem desabafar e
até pedir ajuda. Vêem-nos, talvez, como um elemento menos técnico.
Sendo a medicina um dos sÃtios mais
exigentes para trabalhar, como é que lidava com isso?
- Foi o
sÃtio que mais gostei de trabalhar. Era o sÃtio onde as pessoas mais precisam
de nós, talvez por estarem no fim de vida, e necessitarem de alguém que lhes dê
atenção e conforto. A nÃvel pessoal foi o sÃtio que mais me deu prazer
trabalhar.
É fácil manter um espÃrito alegre,
num local onde emana, grande parte das vezes, tristeza?
- Esse é o
desafio. Manter a boa disposição, a harmonia e a esperança, num sÃtio onde já
tudo isso foi perdido.
Ao trabalhar num hospital, sentia
mais vezes que estava a ajudar ou que era impotente, perante os casos mais
complicados?
- Não, é
sempre um sentimento de ajuda, nem que seja no conforto, no caso da medicina.
Quando são situações complicadas, em que nós profissionais, sabemos que a
pessoa só vai durar mais umas horas ou aquele dia, é a nossa missão torná-lo o
mais alegre, confortável e com o maior ânimo possÃvel. Só assim somos bons
profissionais.
Como é que encarou a transição de um
serviço que exigia de si bastante a nÃvel pessoal, para um serviço mais
administrativo?
- Teve dois
interesses. A nÃvel pessoal porque nestes serviços tinha de trabalhar por
turnos, e queria ficar com os meus filhos, para poder acompanhá-los mais no dia
a dia. A nÃvel profissional, foi a carga emocional que a profissão me exigia
estava a começar a afetar a minha vida pessoal, senti que me tinha de afastar.
Em termos de realização pessoal, qual
lhe agrada mais, o seu trabalho no inÃcio da carreira ou atualmente?
- É um pau
de dois bicos. Gosto imenso do que faço atualmente, no entanto, continuo o
gostar bastante do contacto pessoal com os doentes.
Acha importante que toda e qualquer
pessoa tenha o mesmo contacto com os doentes que a Maria João teve? Como, por
exemplo, os serviços de voluntariando.
- Acho de
extrema importância, para se aprender a valorizar a nossa saúde. E acho que as
escolas deviam fazer mais parcerias com os hospitais, por uma questão de
sensibilização e cuidado com a nossa saúde, que é das coisas mais preciosas que
temos, e muitas vezes damos como garantida.
Qual é a sensação de reencontrar os
seus doentes na rua, já bem e com saúde?
-
Geralmente, é sempre um momento de boa disposição e uma forma de reconhecimento
pelo nosso trabalho. Costumam dizer que estão bem e perguntam por nós, demonstrando uma igual preocupação connosco e com o nosso bem estar. É um
sentimento recÃproco de alegria.
Acha que os trabalhadores na área da
saúde deviam ser mais bem pagos, pelos seus esforços fÃsicos e emocionais, ou
não há preço que pague o devolver a saúde e o sorriso a alguém?
- DevÃamos
ser mais bem pagos, mas não há dinheiro que pague a saúde.
Alguma vez teve uma situação caricata
ou alguém a marcou de uma forma especial?
- Situações
caricatas tive mais que muitas. Uma, há muitos anos, no serviço de medicina,
uma senhora precisava de fazer xixi para ir para análise, e a enfermeira
disse-lhe “Faça aqui um xixizinho para dentro do copo”, deixou-a na casa de
banho, e foi à vida dela. Entretanto, a senhora manteve-se na casa de banho e
não saÃa. Estranhei a demora, fui ter com ela, e disse-lhe “Então já fez o
xixi?”, e ela vira-se para mim e diz-me assim “Ah nina, fazer xixi é cagar ou
mijar”. Até ao dia de hoje esta história está na minha memória, e ainda me faz
rir.
Carolina Mateus
Grupo 10
Sem comentários:
Enviar um comentário