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segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

"Memórias de guerra"



"Memórias de Guerra”
Mário Mesquita, 70 anos ex. Major nos Exército Português e ex. combatente na guerra Colonial Portuguesa. Prestou serviço em Santa Margarida e a 15-11-69 chegou a Bissau para combater pelo Estado Novo. A tatuagem que trouxe de África continua gravada na pele e é um símbolo da sua história de vida.

            Quando e como surgiu a ideia de tatuagem nos campos Africanos?
Durante o tempo que estive em Bissau, tive a oportunidade de visitar um amigo meu paraquedista que na altura estava a fazer uma tatuagem e eu comentei que também gostava de ter uma e logo me surgiu a proposta, esse mesmo amigo registou a minha chegada a Bissau na minha própria pele. Fiz apenas uma enquanto estava em África, pois as condições também não eram muitas, no entanto, ainda cheguei a tatuar alguns dos meus camaradas, era uma troca de tatuagens, fazíamos uns aos outros como se fossa a coisa mais natural do mundo.

Como é que fizeram as tatuagens naquele meio?
As tatuagens eram feitas com agulhas normais de coser molhadas num tubo de tinta da china e espetadas na pele. Não havendo muita perícia nesse manusear de agulha, por vezes entrava pela carne dentro e fazia sangrar. Era uma forma de passarmos algum tempo livre que tínhamos de modo que se tornou uma espécie de passatempo pois, para fazer uma dessas tatuagens minimalistas demorava muito tempo e tinham de ser feitas aos poucos.

O que simbolizavam?
Estas pequenas tatuagens simbolizavam na maioria a nossa passagem pelo continente Africano e pela guerra colonial, normalmente, tal como eu, tatuávamos o nosso dia de chegada e o local, Guiné 15-11-1969 é a minha. Funcionaram quase como um selo de marcação praticamente, caíram em moda e quase todos os soldados tinham a sua lembrança da guerra colonial inscrita na pele.
Quando regressou e quis continuar a sua vida pessoal e profissional, as tatuagens tiveram algum impacto?
Como na altura era só uma, não teve impacto nenhum na minha vida até porque continuei a vida militar, a nível pessoal era a meu constante lembrete de tudo o que já tinha passado e tudo o que já tinha feito, já era parte de mim e da minha história de vida, foi a maior lembrança que trouxe daquele continente, mantém as minhas memórias vivas enquanto ainda posso desfrutar delas.

Alguma vez teve um episódio em que a tatuagem foi importante?
Já tive vários episódios, um deles foi numa das mais recentes reuniões (jantar), onde se juntam os antigos soldados combatentes da guerra colonial, começamos a comparar todas as nossas tatuagens de guerra e a comparar as alturas em que cada um de nós tinha chegado a África. Outro episódio foi quando o meu neto mais velho, na altura dos seus nove, dez anos e viu a tatuagem já com uns olhos de curiosidade e perguntou o que era aquilo no meu braço, foi quando percebi que ele estava pronto para ouvir um pouco da história do avô.

Fez mais alguma tatuagem depois dessa altura?
Sim, tenho mais 2 tatuagens que fiz depois de voltar, apesar de esta ter ficado um pouco mal feita, o grafismo mal desenhado, com poucas picadas de tinta da china e por duas das picadas terem infetado na altura, achei que não seria um motivo para não fazer outra claramente em meios mais apropriados.


Todas elas tem algum significado ou são meramente estéticas?
Todas elas foram feitas para me lembrar de algo, ou para contar mais um pouco da minha história, ou seja, todas elas tem um significado, a segunda que fiz depois da tatuagem que fiz na Guiné foi o nome da minha esposa e dos meus dois filhos também no braço.

Sente-se descriminado pelo facto de na sua idade ser tatuado?
Não de todo, os meus netos até acham “fixe” ter um avô tatuado, e sabem que elas contam um pouco da minha história.


Realizado por:
Cristiana Barreto 20140088