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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Entrevista a Carlos Cordeiro


 

      Aos 51 anos Carlos Cordeiro fala-nos do seu acidente, que lhe provocou cegueira e de como entrou para o mundo do desporto, dando-nos a conhecer os seus feitos. Carlos Cordeiro nasceu em Angola, onde praticou judo e estudou até aos 18 anos. Em 1975 veio para Portugal, onde começou por ser nadador salvador na praia da Figueira da Foz, cumprindo em 1980 o serviço militar como pára-quedista. Começou cedo a praticar boxe, alcançando a vitória no campeonato nacional da modalidade.

 
Como é que ficou invisual?

      Tive um acidente de carro a 29 de Agosto de 1981, na praia da Tocha (concelho de Cantanhede). Conduzia sem cinto de segurança e quando me despistei contra um muro fui projectado contra o pára-brisas, que me perfurou os globos oculares, o resultado disso foi ter ficado deficiente visual.


Como foi a sua reabilitação?


      Fui para Lisboa para a instituição Nossa Senhora dos Anjos, onde durante 2 anos tive de aprender novamente coisas básicas, como a vestir uma camisa ou umas calças, a andar, a conduzir com a bengala, aprender a ler e a escrever.


Quando é que voltou a praticar desporto?


      Comecei a pouco e pouco a superar a minha deficiência, foi muito difícil provar a mim próprio que era deficiente visual, mas depois de ter superado isso, meti-me no remo na naval 1º de Maio, onde fiz umas regatas e alcancei um terceiro e um quinto lugar. Depois tive oportunidade de experimentar kickboxing com o Carlos Ramjanali, pedi para experimentar, ele disse que sim e aqui estou… Presentemente sou Cinturão negro segundo dan.


Para além do remo e do kickboxing que outros desportos praticou?


      Pratiquei atletismo e natação.


Vitórias conquistadas?


      Na natação ainda hoje tenho o recorde nacional de 50 metros bruços em 49 segundos, no salto em comprimento 4,36m que ainda é o recorde nacional presentemente. Em 2001 no campeonato da Europa de atletismo, fui medalha de bronze, em 2007 na cidade de Munique fomos a campeões do mundo de remo.
      Também fui homenageado na Figueira da Foz com a medalha de mérito desportivo e em Espanha recebi um troféu, com o formato de um ringue entregue pela federação nacional espanhola, foi aí que me senti mesmo feiíssimo, não desvalorizando todos os outros prémios. A verdade é que a nível nacional ainda não o fizeram, em Espanha sou homenageado e em Portugal talvez só se irão lembrar de mim depois de morto, como acontece sempre no nosso país.



Acha que a prática do desporto o ajudou na sua reinserção na “vida dita normal”?


      O desporto ajudou-me muito a ser novamente quem era. Eu nasci para treinar e para fazer desporto, ceguei mas como mantive o contacto com o desporto, foi como se não tivesse perdido a visão, depois de conseguir os títulos que alcancei, verifiquei que percorri o caminho certo e tomei as decisões mais acertadas.


Neste momento está a treinar com algum objectivo?


      Actualmente já não estou na alta competição.


A que se dedica?


      Estou a dar aulas na Ferreira-a-Nova, freguesia do concelho da Figueira da Foz. Tenho atletas a trabalhar comigo que são campeões distritais e nacionais de semi e ligh contact, tal como, a campeã ibérica de light contact, dos últimos anos.


Como mestre, de que modo consegue verificar se os seus alunos estão executar a tarefa que lhes é pedida da melhor forma?


      Isso é um pouco complexo, mas consigo analisar se o atleta está a fazer o que lhe é pedido com vários treinos. No primeiro treino não consigo saber se está a fazer bem ou mal, primeiro tenho de conhecer o atleta e só depois avalio o seu empenho, através da respiração, movimentos, etc, Mas tento transmitir sempre este pensamento “ não sou eu que tenho de demonstrar o meu valor, são vocês que tem de demonstrar aquilo que valem”. Por fim, analiso os atletas um a um e só assim concluo se evoluíram ou não.


Continuando no kickboxing mas na vertente de praticante como é que se apercebia como estava a ser atacado?


      No inicio foi muito difícil, não sabia se estava a apanhar pancada de um punho ou de um pontapé, se vinha da direita ou da esquerda, mas com o tempo, com muita concentração e determinação consegui. Tive treinos em que só levava pontapés, outros em que só recebia golpes de mãos e outros em que recebia golpes de mãos e pés até começar a distinguir se era uma mão ou um pé que me tinha batido. O Facto de ter praticado judo e boxe antes do acidente foi muito importante para uma melhor adaptação.


Sente-se desfavorecido em termo de apoios financeiros por parte do estado?


      Nós deficientes somos desfavorecidos, os ditos normais se ganham uma medalha de bronze, prata ou ouro, o estado oferece uma verba. Eu fui medalha de bronze em 2001 e não recebi nada. Acho que nos deviam dar mais valor, não são só os ditos normais que conseguem grandes feitos, nós os deficientes, conseguimos os mesmo feitos que até são mais difíceis porque não estamos a 100% fisicamente e precisamos de muito mais treinos e concentração, não querendo desprezar os ditos normais, claro. Um deficiente visual para ser um campeão do mundo tem de trabalhar o triplo de uma pessoa que tem visão. Talvez com o tempo se consiga mudar essa mentalidade.


Acha que teria sido diferente se tivesse nascido assim?


      Se tivesse nascido assim, não sei se teria o gosto por desporto, talvez o tenha agora porque quando via gostava de praticar.


Para além do desporto, como é o seu dia-a-dia?


      Gosto ouvir imenso música e ir a karaokes. Tirei um curso de massagem e fisioterapia e tenho umas horas reservadas para os meus utentes, gosto de ir a praia, de passear e estar com a família e amigos.



Alguma mensagem de coragem para os deficientes visuais?


      Para continuarem com coragem e determinação e não desistirem dos seus sonhos, daquilo que gostam, quer seja no desporto ou na vossa vida profissional.



Ana Rute Monteiro
Vitor Frade

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