[Reportagem]
"Cidade do Alto Alentejo, cercada de serras, ventos, penhascos,
oliveiras e sobreiros", assim a caracteriza o poeta José Régio, na Toada que dedicou à terra que o acolheu por mais de 30 anos. Portalegre é as muralhas e os castelos que D.
Dinis mandou fortificar, é a cal branca que cobre as paredes das casas e que as
protege dos dias escaldantes de Verão. Portalegre é o plátano mais
célebre do país com 160 anos, é a manufactura
de tapeçarias que, pela originalidade e valor artístico, são um
ex-líbris da cidade. Portalegre é as igrejas e as catedrais. Portalegre
é a gente que preza o passado e o reconstrói no presente, mesmo quando o país
se esquece de tudo o que a cidade já foi e a isola de tudo o que ainda poderá ser.
Portalegre
já viu centenas de habitantes trocar as planícies pelo litoral, já assistiu ao
encerramento de fábricas que outrora movimentavam a cidade, já esteve ligada às
principais artérias da Península Ibérica e, actualmente, prepara-se para mais
uma perda...a desactivação
da única linha ferroviária existente.
Em 1834 a cidade tornou-se capital de distrito; hoje, está cada vez mais
longe de o ser. Daniel de Jesus, portalegrense a residir em Lisboa,
argumenta que "A serra está para Portalegre assim como o rio está para Lisboa, ou
seja: esquecida. Não aproveitam o potencial da serra para actividades. Há falta
de emprego, há falta de iniciativas. Agora que estou em Lisboa apercebo-me de que Portalegre está numa apatia extrema, tem um ar doentio, existe uma tensão vivida pelas pessoas".
Espera-se que com a passagem do tempo as condições evoluam, que aconteçam
mais investimentos, que mais postos de trabalho sejam criados, mais meios de
transportes sejam facultados, que mais pessoas queiram conhecer a região, se
queiram fixar, que mais conterrâneos achem que vale a pena regressar. Esta
seria a ordem natural dos acontecimentos. Mas toda esta sequência lógica de
evolução se perde quando os sucessivos governos, ao invés de apostar, cortam
nas despesas e suprimem meios. E assim, vão silenciando uma terra que outrora
viveu tempos prósperos.
Se hoje Portalegre e toda a zona do Alentejo são vistas como um mundo à
parte, outrora houve quem visse qualidade de vida e rendimento ao investir na
região. Foi o caso de George
Robinson, um britânico que, decorria 1900, foi a figura mais
marcante da história da fábrica de cortiça de Portalegre. A Fábrica
Robinson, ou "fábrica da Rolha", como ficou conhecida,
chegou a reunir 2000 trabalhadores e teve a capacidade de integrar novas
metodologias produtivas e alterações tecnológicas, como a máquina a vapor e o
gerador eléctrico, trazidos de Inglaterra. Com períodos de trabalho intensivo e
outros de evidente baixa na produção, a fábrica Robinson esteve no activo
durante mais de um século. Manuel Candeias, reformado de 84 anos, foi trabalhador fabril durante 42. Foi versátil e percorreu várias secções da fábrica Robinson durante o período em que esteve empregado. "Fui broquista, que consistia em fazer as rolhas, estive na secção de prensas, onde se cozia a cortiça a vapor, passei pela fase de secagem, pela secção do isolamento e também regulava a temperatura das caldeiras", conta, ainda com entusiasmo. Nessa altura, a "fábrica da rolha" recebia encomendas do Japão, da Filadélfia e de Macau.
A unidade fabril que esteve na origem do primeiro sindicato
operário da história da actividade corticeira e que tinha como prioridade a
segurança dos seus trabalhadores, encerrou funções, mas nem por isso deixou de fazer história.
A Fundação Robinson consiste numa entidade jurídica de direito privado que nasceu do entendimento entre a Sociedade Corticeira Robinson e a Câmara Municipal de Portalegre sobre o potencial patrimonial da fábrica. A Fundação assegura a continuidade do espaço da fábrica que até há uns anos estava sem qualquer utilização. Deste modo, como forma de aproveitar o espaço da "fábrica da rolha", nas periferias do edifício construiu-se a Escola de Hotelaria e Turismo de Portalegre, inaugurada em 2008, fruto de um projecto de requalificação, assinado pelo Arquitecto Eduardo Souto Moura.
Quando Portugal fecha os olhos às potencialidades de uma região, o resto do mundo parece debruçar-se sobre elas e reconhecê-las! O jornal Público de 28 de Setembro de 2011 escreve que "O Espaço Robinson (...) recebeu uma menção honrosa nos prémios Philippe Rothier European Prize for Architecture e foi escolhido para integrar o catálogo que ilustra a exposição da edição 2011 e que estará patente no Museu de Arquitectura La Loge, em Bruxelas." Face à distinção do projecto, José Manuel Barradas, Presidente do Conselho de Administração da Fundação Robinson afirma que "é a confirmação de que o trabalho que estamos a desenvolver em Portalegre, no Espaço Robinson, é de facto um projecto urbanístico de dimensão internacional com um enorme potencial e vai, não só influenciar a vida da cidade de Portalegre como também projectar o seu nome além-fronteiras”.
Há uns anos, os trabalhadores viram-se forçados a abandonar o emprego de uma vida, mas
as lembranças e o legado centenário da Robinson, através de novas formas,
mantêm-se vivos na cidade.
Manuel Candeias, que começou a trabalhar na Robinson numa fase de crescimento exponencial de encomendas, recorda hoje, com saudade, "o apito da fábrica que tocava às 7h30 da manhã para chamar os trabalhadores e, depois, às 17h, para anunciar o recolher e o final de mais um dia de trabalho".
Manuel Candeias, que começou a trabalhar na Robinson numa fase de crescimento exponencial de encomendas, recorda hoje, com saudade, "o apito da fábrica que tocava às 7h30 da manhã para chamar os trabalhadores e, depois, às 17h, para anunciar o recolher e o final de mais um dia de trabalho".
Este é um exemplo de que Portalegre tem a capacidade de
fazer renascer! Cada final pode ser um novo começo. E assim como se começa,
assim se acaba, com as palavras de José Régio, poeta-amante da cidade.
"E a cada raminho
novo/
Que a tenra acácia deitava,/
Será loucura!..., mas era/
Uma alegria/
Na longa e negra apatia/
Daquela miséria extrema/
Em que vivia,/ E vivera (...)".
Que a tenra acácia deitava,/
Será loucura!..., mas era/
Uma alegria/
Na longa e negra apatia/
Daquela miséria extrema/
Em que vivia,/ E vivera (...)".
Paula Cabaço
Redacção 2
"Tão grande era de membros, que bem posso Certificar-te, que este era o segundo De Rodes estranhíssimo Colosso (...)"
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