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terça-feira, 23 de novembro de 2010

Entrevista - “Um desenho por dia, não sabe o bem que lhe fazia!”

The Amazing Freelancer,
 ilustração publicada na Göoo Magazine. 

André Caetano nasceu em Coimbra, em 1983 onde se licenciou em Design de Comunicação pela Escola Universitária de Artes de Coimbra em Julho de 2006. No mesmo ano entra como bolseiro no Instituto Pedro Nunes onde trabalhou como designer e, em 2007, torna-se freelancer. Mantém, desde 2005, um blogue com todo o seu trabalho (http://boredomsketch.com/).


Patrícia Azevedo (P.A.) - De onde vem essa vontade de desenhar?
André Caetano (A.C.) - Acredito que nasceu comigo, pois não tenho memória de não desenhar. Desde criança rabiscava e sempre tive o incentivo da minha mãe, que também pinta, e que me comprava materiais e me mostrava como se faziam as coisas. Penso que sempre tive no desenho a minha forma de expressão.

P.A.- Acha que o talento é inato, um dom ou algo que se pode aprender?
A.C.- A pessoa pode nascer com uma aptidão para o desenho, para a pintura ou outra forma de arte mas, se não for trabalhado e não houver uma dedicação séria, não passará de alguém que tem “jeito”. É necessário aprender, trabalhar e investigar de uma forma contínua. Como disse Picasso, “quando a inspiração chegar, vai-me apanhar a trabalhar” ou seja, é preciso empenhar-se para que o talento não fique adormecido.

P.A.- Fale-me da iniciativa People´s Pets..
A.C.- Fiz uma exposição na Casa dos Açores, no Porto, onde expus os originais do livro Cães Letrados, o qual conta histórias de cães. Na noite da inauguração, as pessoas levavam fotografias dos seus animais de estimação e eu desenhava-os, sendo para a Associação dos Amigos dos Animais de Santo Tirso (escolhida pela Casa dos Açores) uma percentagem do valor cobrado. Alguns dos desenhos fiz na hora e, lembro-me de um senhor que me mostrou a fotografia do seu gato que já tinha falecido. Quando terminei o desenho, disse-me que sentia que o gato estava vivo de novo.

P.A.- Para além das ilustrações nos livros “Cães Letrados” e “Versos de Respirar”, fez também as do livro “O abade João”. Como se formou a cooperação com a escritora Lurdes Breda?
A.C.- Este livro é muito especial porque foi uma grande aprendizagem em vários aspectos: na ilustração, no desenho, no “story telling”. No início, não sabia nada e foram dois anos de trabalho intenso. Investiguei a Idade Média a fundo desde roupas, penteados e armas, fui a feiras medievais (incluindo a que houve no castelo de Montemor) onde vi as lutas e as malhas que os soldados usavam e procurei opiniões de outros ilustradores. O convite para o livro surgiu quando eu e a Lurdes estávamos na feira de artesanato de Montemor O- Velho e ela manifestou o interesse em trabalhar comigo. Uns tempos mais tarde, enviou-me o texto, eu gostei e assim nasceu o meu primeiro grande projecto, o qual até agora só me tem dado bons frutos.

P.A.- Foi o autor dos cartazes, flyers, logótipo e blogue do grupo de teatro O Celeiro assim como dos posters do festival de teatro EmCena. Como surgiu esta ligação ao teatro?
A.C.- É uma ligação familiar. O meu tio é o director, o meu primo e o meu irmão são actores, o meu pai ajuda nos cenários e a minha mãe trata da maquilhagem. O grupo existe há um tempo mas era amador. Quando o meu primo terminou a sua formação em Teatro na Escola Superior de Educação de Coimbra, trouxe uma formação mais séria assim como os conhecimentos adquiridos no curso e fez workshops. Também o espaço foi remodelado, estando agora preparado para teatro contemporâneo. Tudo isto permitiu passar do amadorismo para algo mais profissional, o que se reflecte na sala cada vez mais cheia. É um trabalho que me agrada bastante, pois tenho liberdade quase total. Não é um cliente difícil.

P.A.- Para além destes trabalhos gráficos para o teatro é também o responsável por um outro, um pouco diferente.
A.C.- Sim. A Câmara de Montemor já conhecia o meu trabalho e decidiu convidar-me para desenhar um troféu para homenagear os actores mais velhos do concelho. Em conjunto com um amigo meu de Escultura foi criada uma medalha. Foi um trabalho bastante interessante, um pouco fora da minha área de formação e sinto-me honrado com o seu objectivo.

P.A.- Onde vai buscar a inspiração?
A.C.- Pode vir de qualquer lado. Desde conhecer pessoas novas, à maneira como se comportam e vestem, a músicas, relações e amizades. Na minha profissão não há como despir a pele de ilustrador, não consigo desligar.

P.A.- Que influências foram vitais para o seu trabalho?
A.C.- Logo de início, o Astérix do Uderzo e o Lucky Luke do Morris, depois, o Dragonball e o Evangelion, animação japonesa. Como não havia internet em casa naquela altura e era muito difícil arranjar os livros, gravava as séries, pausava o vídeo e copiava os desenhos. No secundário, conheci a banda desenhada francesa, com um humor mais mordaz, o Lanfeust De Trois. Outras grandes influências foram o James Jean e o Dave Mckean, com um traço mais negro, o qual também tenho, pelo que sinto uma grande ligação a estes artistas. Por fim, dois autores brasileiros, Fábio Moon e Gabriel Bá, os quais tive o privilégio de conhecer no Festival Internacional de BD de Beja. A nível nacional, aprecio muito o trabalho do João Fazenda e do colectivo The Lisbon Studio.

P.A.- O que é o Illustration Friday?
A.C.- É um outlet criativo para qualquer pessoa que se sinta tentada a participar. Todas as sextas-feiras surge um tópico aleatório sugerido por alguém e temos uma semana para fazer e terminar a imagem. Quando terminei o curso, senti-me um pouco perdido e o Illustration Friday ajudou-me a desenvolver a rapidez entre ter uma ideia e executá-la assim como a pensar um pouco “outside the box” para que o meu trabalho fosse diferente do dos outros.

P.A.- Qual o objectivo final? A ilustração, a banda desenhada, o desenho gráfico ou unir todas estas áreas?
C.A.- De momento, é fazer uma banda desenhada longa. Sinto que já tenho alguma bagagem para enfrentar esse desafio e, desde que entrei para a faculdade, é esse o meu objectivo. No Festival Internacional de BD de Beja tive uma mini banda desenhada publicada, de duas páginas, num livro colectivo a qual é, basicamente, um anúncio ao desenho com a máxima “um desenho por dia não sabe o bem que lhe fazia”.

P.A.- Que opinião tem em relação à ilustração em Portugal?
A.C.- Acho que é uma área ainda um pouco desprezada. O ilustrador é visto como o “gajo dos bonecos” e algo que se faz num instante, não se tem a real noção do trabalho que todo o processo implica. Muitas vezes o próprio trabalho não é reconhecido, havendo livros onde o nome do ilustrador nem consta. Felizmente, nota-se um crescimento em relação à ilustração infantil.

P.A.- Uma imagem vale por mil palavras?
A.C.- Sim. Acredito que uma imagem pode provocar mil palavras, pode contar muitas histórias e, se as minhas imagens fizerem isso, serei uma pessoa realizada.

Patrícia Azevedo - Grupo 1


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