Páginas

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A arte nas “linhas”

Foi numa habitual ida para Pombal, no comboio regional que liga Coimbra ao Entroncamento, que me apercebi de uma dura realidade que nos passa despercebida.

Era uma sexta-feira como tantas outras em que de mala na mão, eu e uma amiga, entramos no dito comboio.

O sono invadiu-nos e chegadas a Coimbra-B, recostadas no banco, adormecemos. Contudo o sono depressa desapareceu quando, ao passar a estação de Espadaneira, por baixo de nós sentimos um embate forte que fez o comboio balançar, as luzes piscaram e numa brusca travagem (apesar de o comboio ir relativamente devagar), lá conseguiu parar.

Assustadas, uma vez que estávamos a dormir, pensámos que se trata-se de uma pedra, ou que o comboio tivesse descarrilado.

No instante seguinte, disparado da cabine, saiu um dos revisores a falar ao telemóvel. A conversa era calma, e entre dizer a hora a que tínhamos parado e as coordenadas do comboio, algo que não percebi bem, confesso, acabou a conversa a dizer em tom sereno: “Há e chamem o 112, pá… “apanhamos” um indivíduo do sexo masculino”.

Dei por mim em estado de choque a tentar controlar a minha amiga, que entretanto começara a chorar e a ver por terra a minha ideia (que entretanto já me tinha ocorrido) de que não era um animal que tinha passado por baixo da minha cabeça, deitada sobre o banco, mas sim um ser humano!

O nosso ar horrorizado passou totalmente despercebido entre os poucos passageiros que se levantavam apenas para ir ver o aparato, no qual se ouviam frases soltas como: “está ali o corpo debaixo do lençol”, ao que eu ia associando ideias em que estando o corpo praticamente intacto, o pobre homem não tinha escapado por muito pouco. Confesso que o facto de ainda estar de noite, pois viajamos as 7h da manhã, me estava a tranquilizar um pouco. Apesar de ao que parecer o corpo não ter sido muito desfeito a ideia de sem querer poder ver algo pela janela assustava-me um pouco.

Assim ficamos durante 20 minutos, sem uma palavra de consolo, apenas com a voz do maquinista, um pouco arrastada, que disse: “Senhores passageiros tivemos uma avaria, dentro de momentos retomaremos a ligação”. Não consigo precisar se ouve alguma referência ao corpo, pelo que ainda hoje tenho dúvidas de que todos naquele comboio tenham tido conhecimento do sucedido. Provavelmente só soubemos eu e a minha amiga, porque por ironia do destino nos encontrávamos na primeira carruagem, sendo que apenas a nossa e a carruagem seguinte sentiram o embate.

Em Portugal, tem vindo a crescer o número de mortos por acidentes ferroviários. E difícil é precisar quais destes acidentes o são mesmo ou se não se trataram de uma forma de por termo à vida.

A verdade é que sem nos darmos conta muitas das vezes em que ficamos na estação mais do que o tempo que era previsto, não que façamos disto uma desconfiança, mas poderá realmente ter acontecido um destes acidentes, sem que o cheguemos a saber.

No que considerei uma coincidência da vida, na semana seguinte quando já me sentia capaz de voltar a entrar num comboio, dei por mim a ouvir uma senhora, que era guarda de linha e que se queixava da irresponsabilidade das pessoas ao atravessar a linha quando as cancelas estão fechadas. Esta dizia “que se tiver de ir a casa de banho, estou descansada porque tenho as cancelas fechadas, não posso prever que vá alguém atravessar a linha nesta altura”. E com isto disse que naquela manhã se ela não se tivesse apercebido, teria acontecido com duas meninas o que acontecera ao “homem na Espadaneira”.

Na minha opinião, a falta de passagem de nível em todas as estações é uma falha que devia ser colmatada, pois a pressa é amiga do inimigo, mas também é verdade que muitas pessoas têm inevitavelmente que mudar de um comboio para o outro e apressarem-se para irem para os seus locais de trabalho. Fica ao critério de cada um atravessar as linhas mesmo quando existem passagens aéreas e ou subterrâneas, o que é facto é que todas as estacões deveriam ter esta alternativa para que situações como esta não se voltassem a repetir.

Quanto aos que usam este meio de transporte para por termo à vida, da minha parte fica a, desculpem-me, irónica mensagem de que dessa forma, o máximo que terão de destaque será uma pequena notícia no jornal da zona.

Aproveito com isto para deixar aqui a notícia, encontrada pela minha amiga no jornal “Correio de Pombal” de que o indivíduo tinha 45 anos, e que era natural de uma localidade perto de Pombal. E assim, sem mais esclarecimentos, morreu um possível pai de família sem que se possa atribuir as responsabilidades a alguém.


Por Sónia Mendes
2º ano
Comunicação Social

Sem comentários:

Enviar um comentário