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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Artigo de Opinião (em atraso) - A Porta dos Infernos, Laurent Gaudé

A Porta dos Infernos, Laurent Gaudé


Mais do que um livro sobre a Morte, esta é uma obra para a Morte. Laurent Gaudé, autor francês e vencedor do Prémio Goncourt em 2004, dedica aos seus mortos esta viagem de descida ao Inferno, numa aventura onde o Fantástico e o real caminham de mãos dadas sob o olhar atento do Destino, da dor da perda, do desespero. Esta é a história de Matteo e Pippo De Nittis, pai e filho, que percorriam apressadamente as ruas de Nápoles na ânsia de chegarem à escola do pequeno sem atraso quando a sua curta vida em conjunto é brutalmente interrompida por uma bala perdida durante um tiroteio entre famílias da Máfia italiana, culminando na morte da pequena criança. Pippo morre nos braços do pai, que em vão o tentara proteger. Com o desaparecimento do filho, some também o laço entre os pais da criança, tomados por um vazio abismal que os aparta de dia para dia. Matteo passa as noites fora de casa, conduzindo sem destino, perdido no lento consumo da alma de quem perdeu o seu bem mais precioso, e Giulianna, a mãe de Pippo, descobrindo que o marido não teve a coragem necessária para se vingar do autor do disparo fatal, amaldiçoa toda a sua vida e a morte que levou o seu menino e parte para a sua terra natal, deixando para trás o marido e a memória do seu querido filho, que recusa levar consigo numa inútil tentativa de proteger o seu coração de mais dor.
Tendo visto os alicerces da sua família desmoronar por completo, e no seio do seu destino errante e em perpétuo desespero, Matteo encontra um estranho grupo de amigos – um travesti chamada Grace, o dono de um café aberto até de madrugada, Garibaldo, um padre praticamente excomungado pela Igreja, don Mazerotti, e o professore Provolone, um masoquista especialista em matéria exotérica e cujas longas discussões sobre a Morte o levam a revelar a localização de uma das várias entradas para o Inferno.
A narrativa alterna entre dois relatos, o de Matteo e de como empreendeu essa insólita viagem ao Inferno com o objectivo de resgatar a alma do seu filho, e o de Pippo que, vinte anos mais tarde, encontra o autor do disparo que o vitimou e vinga a própria morte, dedicando-a ao seu pai. Qual relato dantesco, as descrições sobre o Inferno e os vários locais onde as almas perdidas gemem, sofrem, são forçadas a seguir em frente por sombras indistintas na direcção do centro do Inferno e apinhadas entre si, chorando, sem memórias do que realmente foram as suas vidas, são o momento forte deste livro. Autor e leitor perseguem juntos uma demanda que mostra não só como a morte é aterradora para os que ficam e para os que deixam para trás a sua vida, muitas vezes interrompida num breve instante e sem aviso prévio, obrigados a percorrer as profundezas de um Inferno opressor, asfixiante, aterrador e desesperante, mas também como ela pode estar presente entre os vivos que por ela se deixam apanhar muito antes do seu corpo soltar o último suspiro.
A mensagem é, contudo, muito clara: o corpo pode desaparecer, mas só quem é esquecido morre verdadeiramente, pois a lembrança dos nossos entes queridos mantém as suas almas iluminadas, mesmo num local tão longínquo e sombrio como o mais profundo e sufocante dos Infernos.    



Sofia Fernandes
grupo 3

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