Numa sociedade em que o materialismo é algo que, por vezes, ultrapassa os valores morais ainda existem pessoas que fazem questão de viver à margem disso.
João é uma dessas pessoas. Músico de rua “é assim que a sociedade me vê, mas o que eu faço é interpretar músicas de outras pessoas, vivo da música e uso isso para me exprimir” .
Trabalhava com música, uma espécie de musicoterapia, com crianças e adultos incapacitados por várias doenças como o autismo e a trissomia 21. Era um trabalho que lhe dava muito prazer. Contudo, aos 27 anos, uma série de factores, incluindo o suicídio do seu pai, ajudou-o a perceber que também ele necessitava de uma mudança, uma limpeza de espírito. Nesta fase da sua vida estava cansado do consumismo que o rodeava: tinha a sua própria casa com piscina, jardim, carro, mota. “Vivia dentro um grande conforto físico mas não mental. Vendi e ofereci grande parte das coisas que tinha a pessoas que precisavam. troquei a minha mota preferida por esta carrinha, foi troca por troca”. Assim sendo, como deixou a casa, ficou sem espaço para viver. Foi aí que, ao adquirir uma carrinha, surgiu a ideia de começar uma jornada pelo mundo fora. Como o próprio diz, “a música é algo transportável que não ocupa espaço. Deu-me a oportunidade de viajar por vários sítios e sempre que precisava de dinheiro fazia música”. Procurou obter respostas nela e durante muito tempo sustentou-se com o dinheiro que fora guardando; quando o dinheiro começou a escassear, passou a tocar aquilo que as pessoas queriam ouvir, entrou numa onda mais comercial. Contudo, o facto de morar sozinho na carrinha levou-o a mudar de registo musical - da última vez que precisou de dinheiro recorreu ao didgeridoo, um instrumento musical exótico que capta a atenção das pessoas por ser algo desconhecido. Começou, então, a interessar-se por micro-tons e harmónicas e foi aí que desenvolveu uma grande ligação com a música. “Rapidamente me apercebi que tocar aquilo que realmente gosto me fazia sentir muito melhor e isso reflectia-se nas minhas “exibições”. Tenho feito mais dinheiro a fazer aquilo de que gosto”.
Há uns anos, Lara, a actual namorada, juntou-se a João nesta jornada e com ela trouxe Luco, um cachorrinho que é uma grande companhia para João. Só se separaram 13 dias desde que entrou na sua vida. É um animal muito calmo, que requer muito carinho, mas que logo se tornou o alarme e guardião da carrinha.
Quando questionado acerca da dificuldade de viver desta forma disse-nos que a sua vida era igual à de qualquer outra pessoa. Os problemas surgem na mesma, encontra pessoas boas e pessoas más, as únicas diferenças de morar dentro de uma carrinha é que a paisagem está sempre a mudar e na cidade tem menos privacidade do que se vivesse numa casa normal. É como um passeio constante - “Normalmente diz-se que o que custa mais nas viagens é deixar a casa, nós não sentimos isso porque viajamos com a casa.”
Já esteve em muitos sítios, foi viajando com a namorada e o Luco, mas vê nos caminhos que percorre tudo como terra. É uma crença que seguem: não existem países, fronteiras - se imaginarmos que existem fronteiras estamos a limitar-nos e a criá-las psicologicamente. Viajam por estradas nacionais, onde vão encontrando coisas fascinantes. Quando não viajam pela costa, vão de barragem em barragem mantendo contacto com a Natureza, a terra e a água. Quando falamos em peripécias João relembra o dia, no país basco, em que decidiu fazer uma fogueira: “entram a matar! Deitaram-nos no chão e apontaram-nos armas. Nesse momento não consegui deixar de rir interiormente e exteriormente, só pedia para não me deixarem fugir o cão.”
Actualmente, “Identifique-se” é um projecto que está a desenvolver juntamente com dois músicos. Juntos procuram dar voz e não deixar cair no esquecimento Zeca Afonso, usando instrumentos completamente distintos. Esperam dentro em breve iniciar uma tour, em salas de teatro, para proporcionar um espectáculo mais intimista e direccionado para um tipo de público mais específico, pois é algo para se assistir sentado, onde se excluem os cafés ou bares.
“Dou graças a tudo por isto, não agradeço a Deus, porque não conheço esse senhor.”
(mais fotografias em http://naoseitantosobretantacoisa.tumblr.com/post/2927946583/cibercultura)
Inês Henriques
Joana Santos Leite
Sofia Fernandes
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