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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Jornalistas e profissão - "Só é jornalista quem gosta de histórias. Quem gosta de ir meter o nariz."


Sónia Morais Santos
(foto retirada do Google images)
DNA, Diário de Notícias e Time Out Lisboa são algumas das publicações pelas quais Sónia Morais Santos passou. Teve,também, alguns programas na Antena 1. 
Actualmente, a par da rádio, é jornalista freelancer e colabora com várias revistas. Mantém, desde 2008, o blogue "Cocó na Fralda" (http://coconafralda.blogspot.com/), no qual nos relata "a esquizofrenia da maternidade"


Patrícia Azevedo (P.A.) - Como surgiu o gosto pelo jornalismo?
Sónia Morais Santos (S.M.S.) - O gosto pelo jornalismo surgiu desde cedo. Quando tinha uns 10 anos fazia jornais e vendia-os na minha rua.
Em casa, fazia emissões de rádio, a fingir. Depois, fui para a faculdade. Andei enamorada da publicidade, adorava anúncios (confesso que ainda adoro) e comecei a achar que ia para publicidade. Felizmente, fiz alguns trabalhos de rádio e de televisão que correram muito bem. E o professor Mário Figueiredo disse que eu SÓ podia ser jornalista. Aquela voz ficou a bailar-me no meu cérebro e achei que ele tinha toda a razão. Fui.

P.A. - O DNA foi a sua "rampa de lançamento"? Que caminhos seguiu depois?
S.M.S. - Sim, o DNA foi a minha rampa de lançamento, a minha casa, a minha família, o meu descobrir do mundo e de mim, o meu desabrochar, a minha maternidade. Foi ali que nasci, verdadeiramente. Antes do DNA, já colaborava com o Pedro Rolo Duarte. Ele tinha uma micro empresa de comunicação social e precisava de um estagiário remunerado. Pôs um anúncio no jornal, eu e mais 600 pessoas respondemos. A selecção foi apertando, com entrevistas e pequenas provas. Fiquei eu. Participei num programa que ele tinha na Rádio Comercial, colaborei nos seus programas de televisão e em pequenos projectos que tinha na imprensa. Depois ele foi convidado para fazer um suplemento de sábado do DN, inventou o DNA e eu estive lá desde as primeiras ideias. Depois... fiz muita coisa.Fui integrada na secção Sociedade do Diário de Notícias, fiz grandes reportagens. Já tinha ganho  vários prémios de jornalismo no DNA, continuei a ganhar no DN. Estive lá dois anos. Depois saí, para fundar a Time Out Lisboa. Fui editora executiva desde que a Time Out começou até ao ano passado, altura em que decidi tornar-me freelancer. Sentia muitas saudades de fazer reportagem, que é aquilo que mais gosto de fazer. Pelo meio tive vários programas de rádio, na Antena 1: O Melhor do Mundo (com o psicólogo Eduardo Sá), A Viagem da Cegonha, Portugal dos Pequeninos. Agora estou à beira de estrear um novo programa, sobre pessoas vencedoras. Actualmente, além da rádio, escrevo para as revistas Notícias Magazine e Notícias de Sábado (que saem com o DN e o JN), tenho uma rubrica mensal na revista Selecções do Readers Digest e uma crónica fixa na revista Pais & Filhos. E colaboro pontualmente com a revista Egoísta e com a Time Out.
P.A. - Qual a sua paixão: jornalismo televisivo, radiofónica ou escrito? Porquê?
S.M.S. - A minha paixão é o jornalismo escrito. Porque foi por onde enveredei, porque amo escrever, porque gosto de descrever o que vejo e o que oiço e o que cheiro. Gosto da escassez de sentidos que existe no jornalismo escrito e que nós, escribas, podemos transmitir. Porém, também já fiz reportagem em rádio (para além dos programas de que falei) e adorei. A rádio permite que imaginemos o que estamos a ouvir. É belíssimo colocar sons na reportagem, que nos levam para um cenário. Por exemplo, fiz uma reportagem sobre uma viagem de crianças com doenças terminais e/ou crónicas à Lapónia e foi maravilhoso pôr o microfone encostado à neve para gravar os miúdos a escorregarem e depois colocar esses sons na reportagem. É outra paixão. Se calhar, se fizesse televisão ia ficar rendida... não sei. Só fiz em estágio, na SIC. E na altura também adorei. Mas como conheço menos, a prioridade é mesmo: imprensa, rádio, televisão.
P.A. - O "bem escrever" é inato ou pode aprender-se?
S.M.S. - É uma boa pergunta. Eu creio que é inato, sinceramente. Acho que uma pessoa que não tem jeito pode tirar mil cursos que continuará sem talento. Claro que se fôr alguém com algum jeito pode aperfeiçoar-se em cursos de escrita criativa ou de jornalismo, etc. Mas creio que é algo que vem de dentro e que começa a revelar-se cedo. Mas atenção: há bons jornalistas que não são grandes espingardas a escrever! Mas têm outros talentos imprescindíveis ao jornalismo: são furões, curiosos, investigam, perguntam, têm fontes, buscam, não desistem. Depois... não escrevem maravilhosamente. Paciência. Mas descobrem boas histórias, boas notícias. O ideal, claro, é ter as duas coisas: a curiosidade e o talento para contar.
P.A. - Num dos posts do seu blog afirma " (...) bisbilhotei de forma consentida,porque é essa a minha profissão (...) E é de perto que se conhece, é olhando nos olhos, tocando no outro." Acha que,com o aumento do denominado "jornalismo de secretária", corre-se o risco de perder esta pessoalidade/proximidade com as pessoas?Acredita que isso possa colocar em causa a qualidade do jornalismo?
S.M.S. - Tenho a certeza absoluta que a qualidade do jornalismo se perde com esse jornalismo de secretária. O economicismo cada vez maior impede que os jornalistas saiam mais, vão aos sítios, falem com as pessoas. Isso e alguma preguiça de muitos jornalistas. Que não estão para se mexer. Vi muito disso. Vejo todos os dias. E acho lamentável. É claro que há coisas que se podem fazer a partir da secretária, mas qualquer história ganha muito quando se vai ao sítio, quando se fala, olhos nos olhos, com as pessoas. Quando se sente o pulso, quando se sente o cheiro, quando se toca com as mãos. Muitas vezes saímos da redacção com uma ideia daquilo que vamos encontrar e, quando chegamos ao sítio, é tudo diametralmente diferente. Quem não vai nunca perceberá a diferença. É uma pena.
P.A. - Com o aparecimento de novas tecnologias como,por exemplo,o Ipad,muitos são aqueles que aplicam uma sentença de morte ao jornal de papel.Concorda?
S.M.S. - Não sei. Já se diz isso há tanto tempo. Quando a televisão apareceu estimou-se que a rádio morreria. ´Quando o vídeo apareceu, supôs-se que o cinema desaparecia... não sei. Acho que os jornais têm de mudar muito. Vão desaparecer muitos. Creio que os diários serão quem mais vai sofrer. As pessoas estão cansadas de tanta notícia: têm notícias na rádio, na televisão (canais de notícias e tudo), têm a internet, têm jornais gratuitos... é uma overdose. Creio que sobrará espaço para bons jornais semanais, excelentes revistas generalistas e outras especializadas. E pouco mais.
P.A. - A tecnologia criou,também,uma nova figura: o "cidadão jornalista".Isso faz de qualquer pessoa um jornalista ou falamos em fontes de informação?
S.M.S. - Não me parece que se possa falar de jornalistas mas de pessoas informadas, próximas de uma certa realidade e com acesso a canais de divulgação dessa realidade. Um jornalista é algo diferente, porque tem uma regra de deontologia, de imparcialidade, que deve procurar seguir. Um bom jornalista mede-se, pesa-se, tem cuidados que um cidadão comum não tem. Um cidadão comum opina ao mesmo tempo que informa. Um jornalista não o deve fazer. E tem uma forma de contar, com vários pontos de vista, com acesso a fontes e a especialistas, com o exercício do contraditório... tudo isso faz da sua informação uma informação muito mais credível do que a do cidadão comum, que apresenta o seu olhar e mais nada.
P.A. - Jornalista,blogger,casada e mãe de três filhos.Como se concilia tudo isto?
S.M.S. - Com uma dose de loucura e com muita organização. Tudo é feito ao mesmo tempo: marco entrevistas para o programa de rádio e a seguir escrevo um texto para a Pais & Filhos e uma hora depois vou entrevistar alguém para as Selecções e nesse mesmo dia à tarde vou fazer uma reportagem para a Notícias Magazine. Pelo meio, o blogue. Ao fim do dia e à noite, os filhos. Tudo acontece em catadupa, a ponto de ter de escrever tudo para não me esquecer de nada. É louco, mas é muito mais animado do que um só empregozinho onde tudo é certo e monótono e chatinho. Não sou a super mulher, mas às vezes sinto-me como tal. 
P.A. - Que conselho daria aos futuros jovens jornalistas?
S.M.S. - Que não queiram ir para a televisão para serem famosos. Que queiram ir para jornalismo para contar histórias. Sejam elas factos bombásticos, da actualidade, sejam elas histórias de pessoas, que de outro modo nunca conheceriam nem os seus leitores poderiam conhecer. Só é jornalista quem gosta de histórias. Quem gosta de ir meter o nariz. Quem tem curiosidade. Por isso, o meu conselho é esse: manter a curiosidade, ler muitos jornais e revistas e fazer um trabalho digno e inteligente. E ter ideias. Puxar pela cabeça, estar sempre a olhar o mundo com ar perguntador. Querer saber como são feitas as coisas, de que são feitas, por quem, como, quando, porquê?
E um outro conselho, que me deu um velho jornalista, quando o DNA acabou e eu achava que ia morrer de tristeza no DN, a fazer conferências de imprensa e outras coisas (no DNA fazia essencialmente grandes reportagens). Ele disse-me: «Conferências de imprensa? Só faz isso se não for inteligente. Se for esperta, tem sempre a sua agenda. Se tiver boas ideias e propuser reportagens interessantes nunca vai ser enviada para os trabalhos chatos. Porque está a fazer as suas propostas que são boas e uma mais-valia para o jornal. E, depois de propôr uma ideia e de a terminar, tenha logo outras em carteira. Assim, fará sempre o que quer e não o que os outros querem». Foi um dos melhores conselhos que já me deram na vida. Foi assim que consegui ser feliz, no DN, apesar da tristeza do fim do DNA.



Patrícia Azevedo - Grupo 1

1 comentário:

  1. Adoro o blogue da Sónia e acho que é realmente uma super mulher!
    O meu sonho é fazer rádio e ela é um exemplo a seguir!

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