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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Tema livre - Reportagem sobre o Centro de Alto Rendimento de Montemor-o-Velho

Montemor-o-Velho: novo centro, nova vida

por Ana Carolina Sérvolo

O centro não é o centro de uma cidade. Quando pensamos no centro de Montemor-o-Velho, pensamos no vale do Mondego, nos campos verdes e cheios de vida que, ao longo dos anos, foram esmorecendo, assim como os agricultores iludidos em não deixar cair o seu ganha-pão. Hoje já não temos agricultores. Hoje temos atletas!
Foi esta a forma que o concelho arranjou para salvar o centro histórico que não passa apenas por conservar o velho castelo. Os fundos não bastam para evitar a desertificação. É necessário motivar as pessoas a cuidarem daquilo que gostam e a gostarem daquilo que cuidam. A construção do centro náutico passou pela motivação de ser recuperado o centro histórico e reavivar as memórias mais antigas. «Muda-se o artefacto, mas recupera-se o movimento», afirma o arquitecto Miguel Figueira – responsável pelo projecto do centro náutico de Montemor-o-Velho. O lazer traz a Montemor outra vida, outra alma e outra alegria. A grande visão do concelho passou a ser o Centro de Alto Rendimento (CAR), um «centro low-cost» segundo o arquitecto por via de circunstâncias. Para a construção de um centro com estas dimensões, a equipa de Miguel Figueira temeu a desvantagem da falta de fundo para viabilizar o projecto, com candidatura aprovada na Alemanha. Nada que a força de vontade e de vencer não mudassem: rapidamente tudo o que parecia difícil e desvantajoso se converteu em pontos a favor do novo CAR. Cada desvantagem se tornou numa inovação, facto elogiado pela Federação Internacional de Remo (FISA). Podemos falar do CAR como um projecto, não só do concelho, mas da cidade de Coimbra. O melhor a par do centro náutico de Munique e com condições de excelência para receber uma prova como a que se realizou em 2010, o campeonato europeu de remo. Foi um passo de gigante para Montemor, foi a devolução do antigo dinamismo aos tempos de agora. A importância desta prova não se deveu só ao facto de se ter realizado em Portugal, mas também por ter sido a primeira vez que o campeonato europeu foi disputado no centro da Europa, pois tem sido sempre organizado pelo país de sul. Montemor-o-Velho é um concelho relativamente pequeno, no entanto o arquitecto dirigente do projecto defende que a principal mais valia da construção do centro náutico nesta zona foi precisamente a sua localização: «Para ser construído um projecto destes precisamos de um raio limite de 50 quilómetros em que garantamos condições de hotelaria e não só aos atletas – hospitais, centros de saúde, restauração, entre outros. A sensivelmente metade da distância temos as cidades da Figueira da Foz ou de Coimbra. A partir daqui, problema resolvido». Neste momento, cerca de 30 atletas frequentam o centro regularmente, «vieram viver em permanência para cá ou arredores e continuam aqui o seu percurso académico. Este é o primeiro grande salto na evolução do centro histórico, é de extrema importância que esta gente esteja a viver aqui». O único CAR do país está preparado para receber cerca de 90 atletas, a quantidade prevista para uma prova com as dimensões do campeonato europeu. Todavia, um campeonato do mundo pode contar com a participação de 900 atletas aproximadamente – já que o centro tem ligação com quatro federações olímpicas (remo, canoagem, triatlo e natação de águas abertas), algo que não assusta Miguel Figueira: «Uma das grandes inovações são as estruturas não permanentes do centro. Os portões que limitam todo o espaço interior podem desaparecer, ser rebatidos, e facilmente se faz um alargamento do espaço, permitindo desta forma que a estrutura consiga suportar um maior número de atletas». A equipa não se deixou intimidar pela dimensão da obra e continuou a “chuva” de inovações, tendo em conta – e apesar de sair já uma obra muito cara – a falta de fundos. Geralmente, como grandes espectáculos esperam a adesão de um elevado número de público, há bancadas nestes locais. No entanto, como nem todas as provas necessitam delas, a opção passou por alugar bancadas. A justificação é simples - «manter bancadas sai caro, e como na maior parte das vezes não são precisas porque os espectadores tem um grande relvado de onde podem ver a prova à vontade, optámos por alugar e poupar muito dinheiro nesse aspecto. Quando forem precisas facilmente se montam e desmontam. Se precisar de mais 2000 lugares de um dia para o outro, por exemplo, não tenho problema porque facilmente monto lugares suficientes e deste modo não é a Câmara que paga mas sim o orçamento». O centro tem um único piso, o que segundo o arquitecto se torna vantajoso para o desporto adaptado, principalmente. «O espaço era muito mais do que suficiente para construir a estrutura num único piso e isso tornava muito mais prático e mais rápido o acesso dos atletas a todas as infra-estruturas, para além de se tornar um espaço mais agradável e com muito mais iluminação, proveniente das clarabóias no tecto». Mas nada se fica por aqui, e como o entusiasmo e a vontade de êxito desta equipa eram enormes, as inovações não pararam. Nas competições de canoagem, a pista é diferente de todas as que existem no mundo: a zona de aquecimento, arrefecimento e retorno está concebida à parte da pista onde as provas decorrem, de modo a evitar acidentes frequentes nestas fases da prova. Nem o facto de Montemor-o-Velho ser uma zona mais ventosa impediu que este projecto surpreendesse. Em parceria com a Universidade de Coimbra (UC), foi elaborado um estudo para medir o impacto do vento em todas as zonas da pista. A princípio suponha-se haver necessidade de 20 ou 30 metros de densa vegetação para proteger a pista do vento. O resultado do estudo foi extraordinário - não seriam precisos nem 20 nem 30 metros de vegetação, mas apenas um metro de bamboo impediria que o vento afectasse a prova dos atletas. «O dinheiro dispendido no estudo com a UC saiu-nos barato! Como a folha do bamboo cresce logo desde a zona inferior da planta, ao contrário da maioria da vegetação, é uma boa opção».
Outra componente muito importante das provas é a comunicação social - «constitui uma fonte de financiamento muito importante. Precisávamos, devido às circunstâncias, de conseguir boas imagens com poucas câmaras. O que acontece frequentemente é que, ao passarem por cima das pontes, os jornalistas não conseguem controlar a elevação que vão sofrer e isso afecta a captação das imagens com qualidade. O que fizemos foi construir uma ponte permanente mais alta. Depois, para as filmagens, criámos um pontão amovível mais baixo, em linha com a zona onde passam as câmaras. Assim, quando for necessário os atletas passarem nessa zona a organização remove o pontão, uma vez que e demasiado baixo e pode pô-los em perigo». Este é o grande centro que veio renovar o concelho de Montemor-o-Velho, bem visível através da torre de 56 metros, a mais alta do mundo, de onde se terá visibilidade de todo o empreendimento e que marcará o território, pois será bem avistada de muito longe.

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