por Joana Góis, R1
Lembro-me de quando ainda
existiam escolas primárias nas aldeias. Foi lá que eu passei quatro dos meus
dezanove anos, a subir aos troncos e a fazer casas nas árvores. De roupas sujas
e gastas, saía eu todos os dias da escola, ainda com as unhas cobertas de
pedacinhos de lama que a água das casas de banho não tinha conseguido lavar.
Para o fim-de-semana, era esperado que, à vez, todos os alunos saíssem de casa
para ir regar aquilo que chamávamos de “Cemitério dos Pássaros”. Tal como o
nome sugere, era lá que as pequenas aves mortas que encontrávamos no recreio
iam parar.
Naquela pequena aldeia da vila de
Soure, passei eu a minha infância. Não existia centro de saúde, não existiam
bombeiros, não existiam lojas para além da mercearia da “Ti Lúcia”. Existia
também uma Casa do Povo. As letras no topo daquela casa foram inicialmente
pintadas pelo meu avô, António Carvalho Góis, que infelizmente não cheguei a
conhecer. E foi lá, nesta mesma casa, que se iniciou em 1997, por iniciativa da
“Carmita”, um grupo de teatro de crianças que se denominou de “Os Gambozinos”.
Lembro-me de ter surgido a oportunidade de participar e foi como um vício. Toda
a gente da aldeia esperava a festa de Natal dos Gambozinos e passava-se quase
todo o ano em ensaios para a mesma. A aldeia era bastante conhecida na região,
por causa desse grupo de miúdos que se juntam todos os anos, onde antes eu
participava e actualmente ajudo nos ensaios. Para além disto, já antes a minha
aldeia tinha motivos para ser conhecido. Em 1976, um grupo de amigos de Santo Isidro
que faziam parte da “Comissão de Festas Primavera/Verão” organizou a primeira “prova
pirata” de MotoCross, em virtude de não se encontrarem na tutela de qualquer
entidade oficial. E assim foi até 1980 já que em 81 começaram a organizar-se as
provas sob a alçada da Federação Portuguesa de Motociclismo, tendo realizado
inúmeras provas a contar para o Campeonato Nacional dessa modalidade. Em 1991
foi registada no Cartório Notarial de Soure o “Moto Clube de Santo Isidro”. Durante
vários anos, o centro recreativo da minha terra tutelou na sua quase totalidade
o motociclismo nacional nas suas mais diversas modalidades. Foi naquelas provas
que comecei a trabalhar como uma espécie de Barmaid, trocando nas barraquinhas
as senhas que me davam por bebidas de lata.
Não me lembro de uma semana sequer
sem ter a minha avó e a minha tia-avó a tomar conta de mim, excepto essas. Fora
isso, elas estavam sempre lá. Tinha baloiços feitos nas árvores das terras
pertencentes à minha avó. E existia um cão... Ah!, o meu cão. Era o Snoopy. Era
ele que guardava as silveiras de amoras junto à barreira que separava a casa
onde se arrumavam os utensílios do trabalho agrícola e os campos de cultivo. Eu
achava tudo tão grande e agora, quando lá vou, parece que tudo diminuiu. O meu
único trabalho era fazer pinturas nas folhas pautadas que sobravam dos anos
lectivos anteriores e escolher as roupas velhas da minha avó para vestir as
bonecas. O meu pai cantava-me uma canção sempre que eu pedia “Santo Isidro,
terra afamada, terra de encanto, terra de amor. Santo Isidro já foi coroado, ó
meu amado, com tanta flor. Terra onde eu nasci, vivo por ti, tu és meu bem. Ai
que lindo amor-perfeito, ganho respeito à terra mãe…” – e por aí em diante
continuava. Nunca percebi de onde surgiram tais versos, mas lembro-me sempre deles
quando penso naquele lugar.
E quem lê estas palavras repletas de memórias, boas
e más, sobre o lugar onde cresci, pode até julgar que a minha aldeia não tem
muito interesse quando comparada com outras. Ainda assim, é a minha. E apesar
de não viver lá actualmente, é dela que eu mais me orgulho.
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