As latas, as chupetas e os penicos saíram mais uma vez à rua. Agitaram-se tão desenfreadamente que não escaparam à atenção de quem passava e se deliciava com tanta alegria, euforia e novidade. Coimbra esteve novamente repleta de uma cor colorida em conjunto com uma cor escura, que segundo os estudantes é a mais clara e brilhante de todas.
Outubro finalmente
chegou e com ele veio mais um evento estudantil conimbricense, onde o som das
latas a baterem umas nas outras contornou a cidade, enquanto os
estudantes se encheram de orgulho por poderem estar em Coimbra, uma cidade que
segundo muitos, deixa a saudade nos corações de quem por ela passa.
O
cortejo já vai a meio e o ambiente continua exuberante, com o cheiro a um
Outono que se prepara para iniciar a sua caminhada. O som do chocalho de latas
ouve-se por toda a parte, por entre risos, abraços e muito álcool. Os penicos
dos caloiros já estão molhados de tanto álcool que lá tem vindo a ser colocado.
Com um olhar curioso, reparam impressionados na quantidade de pessoas que os
rodeia, que por sinal se apresentam com uma euforia característica de um
estudante de Coimbra em época de festa.
Latas com um lado pintado de preto
A latada veio para ficar, mas desta
vez com mais cortes financeiros por parte dos estudantes. “Só fui uma vez ao
recinto da latada e poupei muito dinheiro com isso”, afirma Mónica Ribau,
estudante de 2º ano na Escola Superior de Educação de Coimbra e acrescenta “a
latada só mete piada quando somos caloiros, porque agora que já não o sou, o
meu entusiasmo quase que se perdeu”.
Mónica acompanha a afilhada académica no
cortejo, enquanto por entre outros caloiros, lá pede para lhe trincarem mais um
bocadinho do nabo que guarda , rigorosamente, dentro da pasta académica em
conjunto com o grelo. Por entre risos e uma expressão de naturalidade por aquilo que se está a
passar, a estudante caminha por entre a confusão sempre atenta à afilhada
académica que vai vestida com as cores da escola, por entre uma aparência de avó
pata, tal como foi da ideia da madrinha. Ambas divertem-se, mas a caloira olha
mais em redor do que Mónica, por ser tudo uma novidade e uma quantidade de
pessoas eufóricas em seu redor.
Os novos estudantes caminham com um ar
apreensivo, sempre com os olhos postos na enorme confusão de pessoas, enquanto
lá vão tropeçando numa lata ou outra que ficou caída no chão. As ambulâncias descem a Praça da República
quase de meia em meia hora, enquanto um estudante ou outro fica estendido no
chão sem reacção e outros em seu redor o tentam reanimar. Ambulâncias não
faltam, mas o álcool também não deixa de marcar a sua rigorosa presença.
Vários
são os caloiros que caminham com uma capa caída nos ombros, devido ao frio que
sentem, depois do baptismo nas fontes. Reza a tradição académica que os
caloiros antes de serem baptizados no rio Mondego são baptizados nas fontes que se
seguem à Praça da República.
Por entre o frio e o som de gritos, os
estudantes continuam com um olhar impressionado em seu redor, como se
assistissem a uma peça de teatro totalmente exuberante. O ambiente torna-se
incontrolável. Muitos caminham dentro de carrinhos de compras e outros já nem
caminhar conseguem.
Marcelo
Ribau é novo na cidade do estudante, mas não foi por isso que a latada o marcou
pela positiva como esperava. “As pessoas não sabem medir os limites de quando
devem ou não beber álcool. É um exagero ir no cortejo bêbedo e ser baptizado
sem depois poder ter a recordação. Não se sabe distinguir os momentos de quando
se deve beber álcool e quando não se deve. Fiquei desiludido”, afirma
Marcelo com um olhar cabisbaixo, enquanto reflecte no novo mundo que observou e
viveu. “Não entendo qual é o interesse de se estar a ser baptizado e não se viver
o momento como se deve viver, por se estar com o efeito de álcool. O baptismo é
importante, por isso não deve ser assim banalizado”, acrescenta Marcelo,
decepcionado, mas outrora curioso com a nova festa académica que se avizinha no mês
de Maio.
Som do
chocalho de latas…o som da saudade
As latas fazem-se sentir a quem caminha por
entre a multidão e o ambiente de emoção para os estudantes finalistas também se
enche de um brilhozinho recheado de muita saudade pelos tempos de caloiro e
pelas amizades que fizeram ao longo do seu percurso académico. Aproveitam os
últimos momentos com orgulho na capa e nos caloiros que baptizam a vida
académica.
Por entre penicos cheios de água para os baptismos e
grelos lançados ao rio Mondego que levam cravados em si sonhos escondidos, os
estudantes lá se vão preparando para mais uma noite no parque da canção, que se
avizinha ser de grande agitação, com mais formiguinhas e formiguinhas a
invadirem todo o espaço.
Ana Veiga, estudante de 3º ano em Coimbra, só
faltou a uma noite no Parque da Canção e aproveitou os últimos bocadinhos que a
latada teve para lhe oferecer, já que o estágio curricular e a conclusão da
licenciatura se avizinham tão proximamente.
Latas
perdidas…momentos guardados
No Parque da canção o ambiente assume-se
comparável ao cortejo, onde a euforia reina noite após noite e a multidão de
madrugada contorna o rio Mondego de uma cor diferente. A cor dos novos
estudantes e a cor antiga e brilhante dos doutores.
Às seis da
manha o chão do recinto tem um recheio típico a garrafas partidas, latas e
copos por toda a parte. No entanto, o recinto também conta com o cheiro a um
rio que acordara para a manha.
O rio
Mondego quase que parece sorrir com o brilho que transporta em si em pleno nascer
da aurora. A paisagem é de vislumbramento para os estudantes e já ao longe,
quem passa a portagem, pode ainda ouvir a música que vem das tendas do recinto,
ainda em bombeamento constante para quem ainda tem energia para mais um pezinho
de dança.
Latas,
capas…cores gravadas na memória…
Mais uma vez a latada de Coimbra foi marcada por multidões e multidões de
pessoas que invadiram a emblemática cidade do estudante para se divertirem e
vislumbrarem o recorte preto e branco de uma cidade que se encheu de vida e
encanto para a maioria dos estudantes.
De capa
traçada ou de capa aos ombros os doutores regressaram mais uma vez a casa,
assim como os caloiros que com o frio lá se vão embrulhando na capa dos padrinhos.
Embrulhados num enorme cansaço, os estores dos
estudantes só se ouviram, novamente, à tardinha. Agora, os seguintes estores
fechados ao amanhecer só se farão ouvir numa outra festa académica, em que uns
se despedirão de Coimbra com lágrimas bem gravadas na memória e outros serão
novatos a viverem as emoções de uma cidade rica em tradição e ciclos que,
segundo muitos, lhes trará muita saudade.
Ana Pombo, R2
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