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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Retrato de uma cidade enlatada

     
              As latas, as chupetas e os penicos saíram mais uma vez à rua. Agitaram-se tão desenfreadamente que não escaparam à atenção de quem passava e se deliciava com tanta alegria, euforia e novidade. Coimbra esteve novamente repleta de uma cor colorida em conjunto com uma cor escura, que segundo os estudantes é a mais clara e brilhante de todas.


   Outubro finalmente chegou e com ele veio mais um evento estudantil conimbricense, onde o som das latas a baterem umas nas outras contornou a cidade, enquanto os estudantes se encheram de orgulho por poderem estar em Coimbra, uma cidade que segundo muitos, deixa a saudade nos corações de quem por ela passa.
  O cortejo já vai a meio e o ambiente continua exuberante, com o cheiro a um Outono que se prepara para iniciar a sua caminhada. O som do chocalho de latas ouve-se por toda a parte, por entre risos, abraços e muito álcool. Os penicos dos caloiros já estão molhados de tanto álcool que lá tem vindo a ser colocado. Com um olhar curioso, reparam impressionados na quantidade de pessoas que os rodeia, que por sinal se apresentam com uma euforia característica de um estudante de Coimbra em época de festa.

Latas com um lado pintado de preto
A latada veio para ficar, mas desta vez com mais cortes financeiros por parte dos estudantes. “Só fui uma vez ao recinto da latada e poupei muito dinheiro com isso”, afirma Mónica Ribau, estudante de 2º ano na Escola Superior de Educação de Coimbra e acrescenta “a latada só mete piada quando somos caloiros, porque agora que já não o sou, o meu entusiasmo quase que se perdeu”.
Mónica acompanha a afilhada académica no cortejo, enquanto por entre outros caloiros, lá pede para lhe trincarem mais um bocadinho do nabo que guarda , rigorosamente, dentro da pasta académica em conjunto com o grelo. Por entre risos e uma expressão de naturalidade por aquilo que se está a passar, a estudante caminha por entre a confusão sempre atenta à afilhada académica que vai vestida com as cores da escola, por entre uma aparência de avó pata, tal como foi da ideia da madrinha. Ambas divertem-se, mas a caloira olha mais em redor do que Mónica, por ser tudo uma novidade e uma quantidade de pessoas eufóricas em seu redor. 
Os novos estudantes caminham com um ar apreensivo, sempre com os olhos postos na enorme confusão de pessoas, enquanto lá vão tropeçando numa lata ou outra que ficou caída no chão. As ambulâncias descem a Praça da República quase de meia em meia hora, enquanto um estudante ou outro fica estendido no chão sem reacção e outros em seu redor o tentam reanimar. Ambulâncias não faltam, mas o álcool também não deixa de marcar a sua rigorosa presença.
  Vários são os caloiros que caminham com uma capa caída nos ombros, devido ao frio que sentem, depois do baptismo nas fontes. Reza a tradição académica que os caloiros antes de serem baptizados no rio Mondego são baptizados nas fontes que se seguem à Praça da República.
Por entre o frio e o som de gritos, os estudantes continuam com um olhar impressionado em seu redor, como se assistissem a uma peça de teatro totalmente exuberante. O ambiente torna-se incontrolável. Muitos caminham dentro de carrinhos de compras e outros já nem caminhar conseguem.
    Marcelo Ribau é novo na cidade do estudante, mas não foi por isso que a latada o marcou pela positiva como esperava. “As pessoas não sabem medir os limites de quando devem ou não beber álcool. É um exagero ir no cortejo bêbedo e ser baptizado sem depois poder ter a recordação. Não se sabe distinguir os momentos de quando se deve beber álcool e quando não se deve. Fiquei desiludido”, afirma Marcelo com um olhar cabisbaixo, enquanto reflecte no novo mundo que observou e viveu. “Não entendo qual é o interesse de se estar a ser baptizado e não se viver o momento como se deve viver, por se estar com o efeito de álcool. O baptismo é importante, por isso não deve ser assim banalizado”, acrescenta Marcelo, decepcionado, mas outrora curioso com a nova festa académica que se avizinha no mês de Maio.
Som do chocalho de latas…o som da saudade
    As latas fazem-se sentir a quem caminha por entre a multidão e o ambiente de emoção para os estudantes finalistas também se enche de um brilhozinho recheado de muita saudade pelos tempos de caloiro e pelas amizades que fizeram ao longo do seu percurso académico. Aproveitam os últimos momentos com orgulho na capa e nos caloiros que baptizam a vida académica.
  Por entre penicos cheios de água para os baptismos e grelos lançados ao rio Mondego que levam cravados em si sonhos escondidos, os estudantes lá se vão preparando para mais uma noite no parque da canção, que se avizinha ser de grande agitação, com mais formiguinhas e formiguinhas a invadirem todo o espaço.
Ana Veiga, estudante de 3º ano em Coimbra, só faltou a uma noite no Parque da Canção e aproveitou os últimos bocadinhos que a latada teve para lhe oferecer, já que o estágio curricular e a conclusão da licenciatura se avizinham tão proximamente.
Latas perdidas…momentos guardados
No Parque da canção o ambiente assume-se comparável ao cortejo, onde a euforia reina noite após noite e a multidão de madrugada contorna o rio Mondego de uma cor diferente. A cor dos novos estudantes e a cor antiga e brilhante dos doutores.
     Às seis da manha o chão do recinto tem um recheio típico a garrafas partidas, latas e copos por toda a parte. No entanto, o recinto também conta com o cheiro a um rio que acordara para a manha.
 O rio Mondego quase que parece sorrir com o brilho que transporta em si em pleno nascer da aurora. A paisagem é de vislumbramento para os estudantes e já ao longe, quem passa a portagem, pode ainda ouvir a música que vem das tendas do recinto, ainda em bombeamento constante para quem ainda tem energia para mais um pezinho de dança.
Latas, capas…cores gravadas na memória…
    Mais uma vez a latada de Coimbra foi marcada por multidões e multidões de pessoas que invadiram a emblemática cidade do estudante para se divertirem e vislumbrarem o recorte preto e branco de uma cidade que se encheu de vida e encanto para a maioria dos estudantes.
  De capa traçada ou de capa aos ombros os doutores regressaram mais uma vez a casa, assim como os caloiros que com o frio lá se vão embrulhando na capa dos padrinhos.
  Embrulhados num enorme cansaço, os estores dos estudantes só se ouviram, novamente, à tardinha. Agora, os seguintes estores fechados ao amanhecer só se farão ouvir numa outra festa académica, em que uns se despedirão de Coimbra com lágrimas bem gravadas na memória e outros serão novatos a viverem as emoções de uma cidade rica em tradição e ciclos que, segundo muitos, lhes trará muita saudade.
   

                                                                                Ana Pombo, R2


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