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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

"De curta memória se tapam os caminhos da água"






Baixa de Albufeira inundada, 1 de Novembro de 2015.
Albufeira, paredes meias com o mar, cresceu nas margens de uma ribeira que foi, ao longo dos últimos 100 anos, progressivamente canalizada em conduta.

A ocupação do vale ribeirinho e do leito da cheia despontou nas décadas de 40 e 50 do século XX. A essa época correspondem, naturalmente, os primeiros registos de inundações violentas – na sua causa estaria a pluviosidade intensa, que havia engrossado o caudal da ribeira e invadido a cidade.



Quando a Natureza retoma o seu curso natural.

A 01/12/1949 lia-se, no jornal O Século, «Em Albufeira, na noite passada e todo o dia de hoje, também choveu torrencialmente. As águas da ribeira sobrepuseram-se aos dois diques e fizeram levantar alguns cascões da canalização para o mar. A parte baixa da vila voltou a ser inundada pela cheia da ribeira, registando-se prejuízos materiais em diversas casas.».

O Diário de Notícias, da mesma data, noticiava «Duramente experimentada pelas inundações de 25 de Outubro e 23 de Dezembro de 1948, esta vila está de novo inundada». E, na sua edição de 03/12/1949, acrescentava que «em Albufeira apareceu abandonada uma embarcação e avistou-se no mar o cadáver dum homem que se supõe um dos tripulantes. Durante todo o dia de ontem, por quatro vezes toda a parte baixa da vila ficou coberta de água. Todos os pavimentos das ruas estão revoltos e estragados.».

Antes disso, já as inundações de 25 de Outubro e de 22 de Dezembro de 1948 e, posteriormente, as de 15 de Janeiro de 1956 tinham assombrado Albufeira com consequências nefastas. A manchete do jornal O Século de 26/10/1948 dava conta que «as águas das chuvas transbordaram um dique alagando as ruas, largos e quintais, desmoronando prédios e enchendo de pânico a população de Albufeira».

A primeira página do Diário de Notícias de 23/12/1948 contava «Temporal no Algarve – na vila de Albufeira a água das chuvas atingiu cerca de 7 metros de altura (…) É tal a violência do temporal na costa que muitas embarcações têm sido arrastadas para o mar e estão-se a partir na ressaca contra as rochas da praia. Estabelecimentos comerciais onde a água não tinha entrado em inundações anteriores tiveram agora prejuízos quase totais. Em muitos sítios a água atingiu os primeiros andares, cobrindo completamente as árvores.».

«Nalguns locais, como por exemplo no largo Duarte Pacheco, as águas atingiram o nível de sete metros! Na Avenida da Ribeira, a água escavou o solo numa profundidade de 4 a 5 metros, pondo a descoberto o antigo leito da ribeira, que àquela artéria deu o nome (…). Em suma, Albufeira viveu horas de indescritível horror» (DN, 24/12/1948). Sete anos depois, Albufeira volta a ser notícia - «Temporal no país – Em Albufeira a água da cheia atingiu 3 metros de altura! Os prejuízos são grandes e uma mulher desaparece na enxurrada» (DN, 16/01/1956).



Cheias das décadas de 40 e 50 durante o século passado, em Albufeira. Fotografias de Fausto Napier.


Cíclicas e características do clima mediterrâneo, as cheias, obedecem ao seu tempo natural de retorno. 
Em Albufeira, a ocorrência de cheias fluviais é um fenómeno tão antigo quanto a ocupação do vale ribeirinho. A função dos cursos de água é, única e exclusivamente, assegurar o seu transporte. Por conseguinte, o abuso humano e a usurpação destas áreas conduz a calamidades como a que se verificou no passado dia 1 de Novembro de 2015.

No café Marmota, por exemplo, a água atingiu dois metros de altura e o proprietário José Vieira esteve, até ao último momento, na companhia de um funcionário. Quando já nada podia fazer, e a água continuava a subir, teve de ser resgatado pelos bombeiros e pela GNR. «Estávamos aqui e ficámos retidos, tivemos que trepar e, nessa altura, os bombeiros já aqui estavam e fomos puxados por eles», lembra.

Óscar Ferreira, investigador da Universidade do Algarve, em declarações à Lusa, esclareceu que «Não há, neste momento, espaço de circulação para a própria água naquilo que era antes a sua linha de percurso natural. Hoje, está substituído por estradas e por casas. Acabou por extravasar para além daquilo que é a rede de drenagem existente, não dimensionada para cheias com uma dimensão tão elevada, e acabou por fazer o seu percurso natural saindo na praia dos pescadores: como sairia naturalmente há umas décadas atrás.»

A força das águas.
As redes de escoamento não evoluíram em consonância com o crescimento da densidade de construção da cidade e da alta impermeabilização que este terreno, de declive acentuado, sofreu com as intervenções do Programa Polis.                                  

Luís Alexandre, presidente da Associação de Comerciantes de Albufeira, admitiu à agência Lusa que «[as cheias] se devem, em parte, ao mau planeamento na construção da baixa da cidade», conta que «a questão não é nova e foi levantada aquando das cheias de 2008, e o Bloco de Esquerda, na altura, chegou a questionar o ministro do Ambiente sobre a relação entre as cheias e o Programa Polis.». O Bloco recordava então que, em 2007, um ex-vereador da autarquia e arquiteto, havia confirmado, num congresso público, que os esgotos da cidade teriam sido substituídos por «minúsculas condutas e escoantes erradas» que agravam o risco de inundação. Para além disso, aponta-se, também, a construção de paredes nas caixas de água para evitar que a mesma escorresse para a praia.

Assim, qualquer solução apontada será radical e acarretará elevados custos, avança Óscar Ferreira ao apontar as duas possíveis correções estruturais. A primeira, com severas implicações económicas devido à relevância turística do espaço, passaria pela remoção da ocupação do leito da cheia; a segunda, com grandes custos de construção associados, visa a substituição das redes de drenagem por outras com diâmetro suficiente.

As soluções de minimização dos impactos de cheia já foram apresentadas à câmara municipal de albufeira em 2009 pela, à data, Administração da Região Hidrográfica do Algarve – hoje, Agência Portuguesa do Ambiente. As obras ilegais de encanamento da ribeira que atravessa a cidade foram, na época, embargadas mas nunca se seguiram as indicações de melhoramento feitas pela mesma agência.

Carlos Silva e Sousa, presidente da autarquia, em declarações à agência Lusa, admitiu que as cheias causaram prejuízos na escala dos milhares de euros, obrigaram ao realojamento de várias famílias e conduziram à morte de um idoso de 80 anos. Tendo em conta o cenário de horror, avançou, no dia 2 de Novembro, com o pedido de calamidade pública a fim de regularizar a situação de Albufeira e ressarcir todos os lesados.

Milhares de albufeirenses munidos de poucos recursos mas com muita vontade de reerguer a sua cidade têm sido incansáveis na limpeza e escoamento das ruas afetadas, bem como na recuperação das casas de habitação e dos espaços comerciais, de restauração e bares. Com o apoio das corporações dos Bombeiros Voluntários de Albufeira, de Silves e de Loulé em articulação com diversas associações desportivas da região e dos Escuteiros da Paróquia de Albufeira, a cidade renasce, agora, da lama a cada dia que passa.

A Câmara Municipal de Albufeira criou uma bolsa de voluntários, que reúne já centenas de cidadãos, e uma conta bancária oficial – Albufeira Unida e Solidária - para centralizar donativos que surgem de todo o país e do estrangeiro.

É o caso de John McCabe, um britânico com residência em Albufeira, que, perante o cenário, veio ajudar a cidade que o acolhe já há muitos anos. «Vim ajudar, eu conheço estas pessoas. Venho para aqui há muitos anos, quando chego dizem-me “bem-vindo a casa Sr. McCabe” e nunca vi nada assim, tudo destruído», conta.

No Facebook, gerou-se uma onda de entreajuda ímpar. Movimentos de doação em géneros e palavras de alento dirigidas aos afetados pelas cheias invadiram, desde o difícil Domingo de 1 de Novembro, os newsfeed.

Fustigada pelas chuvas torrenciais, Albufeira não se dá por vencida e acredita que, até à Passagem de Ano, estará completamente restabelecida. Comprometendo-se a manter o nível de excelência a que habituou o Mundo inteiro, não cancela o cartaz de festividades anunciado para o final de Dezembro e assevera que se mantém a grande anfitriã dos bons momentos.





  Albufeirenses juntam-se para reerguer a cidade.


Por: Fábio Mendes, Jonny Xavier, Leonor Gonçalves, Márcio Pereira [Grupo 2] 

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