“Olha
a pesquinha é a mais barata…a sardinha!”. Foi assim o mote da
conversa com o senhor Amândio. Entre bancas de peixe fresco e
congelado é logo o que encontramos na porta de entrada lateral do
Mercado D. Pedro V, há disposição de quem quer comprar produtos.
Há 30 anos a trabalhar neste espaço, revela-nos que “a vida de
vendedor de peixe é de escravo”. Afirma que têm “que trabalhar
de noite e de dia…é para arrumar, é pôr, é trabalhar, é ir à
lota, olhe é… vida de escravo”. O dia começa cedo, por volta
das sete
da manhã, para todos aqueles que na sua vida profissional optaram
por incluir o mercado como o seu ganha pão.
Em
contrapartida, apelidada de Laurinha, a senhora de 78 anos engrandece
a paixão que detém por aquilo que faz desde os seus 22 anos “ é
um vício que se cria no corpo. É um vício que se eu não venho
parece que é uma paixão”. E acrescenta que o gosto de lá
trabalhar diariamente também se desvanece em parte pelas vendas
agora estarem mais fracas “não era como antigamente, que a praça
era cheínha”.
Já
na banca da fruta, na passagem da porta que divide duas secções de
vendedores, os de peixe e os da fruta, legumes, carne, pão, roupa e
flores, estavam a D. Maria do Céu e a D. Olívia Jesus com a sua boa
disposição para a venda dos produtos que defendem acerrimamente
que os produtos por ali vendidos “ são melhores, são coisas de
casa, melhor que aquelas coisas que compram, cheias de produtos” e
experiência não lhes falta. Desde há 69 anos que têm notado as
transformações que o tempo tem refletido no mercado. A perda de
clientes é evidente para a D. Maria céu, que se lamentou do facto
de agora se vender menos
“O
nosso dia a dia agora é mau, não querem coisas naturais e
fresquinhas. Tenho cinco
filhos criei-os daqui ,se fosse hoje já não os criava”.
Quem
por lá passa logo pela manhã ou escolhe o mercado para as suas
compras com alguma pressa ou aproveitam apenas este espaço de boa
disposição para beber o seu café matinal. As senhoras mais idosas
fazem-se acompanhar pelos seus trolls, que lhe facilitam o transporte
do que compram. De passo lento, lá vão dizendo bom dia aqui, bom
dia além e chegam-se às bancas e dão uma espreitadela nos produtos
expostos. Há quem seja gentil e leve até à paragem um senhor que
pouca capacidade têm para carregar os sacos das suas compras. Num
tom tipicamente popular, a D. Maria do Céu diz-nos que relativamente
às clientes “têm um bom contacto, elas é que querem tudo de
graça. Querem tudo de graça, mas não vou comprar aos continentes
coisas importantes como estas!”.
O
mercado repercute-se nas marcas do tempo que passou. Quem corre
aqueles longos corredores ladeados de bancas e de vendedores
atraiçoados pelos já longos anos por eles carregados, as marcas da
vida e principalmente da sabedoria que lhes permite afirmar, que o
mercado que era em tempos, jamais voltará a ser o mesmo. A simpática
vendedora de peixe, Júlia Trincão é mais drástica e afirma “quem
é que quer vir para aqui? Quem é quer ter as mãos engadanhadas de
peixe como eu?”. O tempo traduziu-se nos que deixaram de ir,
“fizeram-se velhos como eu, não podem vir e mudaram de vida, os
filhos deixaram de estudar e regressaram às suas terras, outros
reformaram-se, a vida modificou-se. Os jovens têm outros rumos, têm
outros conhecimentos”. A vida modificou-se de facto, a mudança
tem-se sentido em grande escala. “Antigamente, há uns bons anos
atrás, vinha muita juventude ao mercado. Desde que começaram, há
20 anos, a abrir os shoppings cá em Coimbra, deixaram de vir ao
mercado porque vão aos shoppings, aos grandes centros. Agora só
temos pessoas de meia idade a comprar aqui connosco”, desabafo o
senhor Rui Ferreira, vendedor de roupa. E quem lá vai, apercebe-se
exatamente disso, poucos são os jovens que tomam como opção ter um
contacto mais próximo na compra dos bens que necessitam, preferem
antes passar pelo supermercado mais perto. Já as pessoas mais
velhas, continuam a preferir deslocar-se até lá e tudo porque aos
seus olhos o mercado continua-lhes a oferecer o contacto direto com
os produtores dos alimentos, trocar dois dedos de conversa, partilhar
momentos de boa disposição e gargalhadas no meio de um mercado
repleto de cores vivas, argumento que o torna convidativo para quem o
quer visitar. Privilegia-se não só a venda, mas sobretudo a
estabilidade dos clientes, já muitos conhecidos por quem já lá
vende há anos.
E
é este o mar de histórias e de vivências que estão por de trás
daquelas que gentilmente lutam por a sobrevivência do seu negócio e
pela vivacidade do mercado D. Pedro V. Um mercado de século e meio
ou praça como é conhecida entre os Conimbricenses, é o principal
mercado da cidade de Coimbra e que resulta da convergência num mesmo
local de três mercados que na primeira
metade do século XIX se realizavam em Coimbra.
A proximidade. O
contacto direto. A simpatia. A atenção que é dada aos compradores
é notória. O ambiente familiar que por se lá sente também. Mas a
população envelhecida também é que mais vagueia seja durante a
semana, ou ao fim de semana, o que nos leva a questionar que futuro
será o do mercado? Como é que será daqui a 20 anos? Será que a
lotação daqueles corredores será a mesma? Ou será que a opção
passará por transformar o mercado também em mais um shopping?
Segundo a vendedora
de peixe, Júlia Trincão “Isto é uma grande superfície, só que
não tem o movimento de uma grande superfície”.
Grupo 5
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