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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Crónica: A crise dos Portugueses

Crónica:     A CRISE DOS PORTUGUESES 

O cenário de crise económica ocupa literalmente todo o palco em que Portugal se representa (fingindo ser país desenvolvido!) retirando o espaço à autonomia criativa em que os seus actores, especialmente os políticos, são reputados.
Com efeito, a crise do sistema financeiro, naturalmente importada, como aliás quase tudo na nossa economia veio, por assim dizer, arrancar a toalhita de bidé com que o país tentava desesperadamente tapar as suas misérias dos olhares desconfiados dos seus dadores e credores internacionais.  Ressalvam-se as honrosas excepções do BPN e do BCP que, para além do inestimável contributo para o agravamento da coisa, deram prova inequvívoca que os nossos banqueiros também surfam as melhores ondas.
Naturalmente seguiu-se a quebra do investimento privado, a retracção da economia, a onda de falências – diz-se que muitas delas meramente oportunistas, o que muito abona em benefício da cultura portuguesa e traduz as suas melhores práticas; o desemprego crescente e consequentemente as dificuldades das famílias e, logo mais, as declarações de insolvência, algumas por certo também muito convenientes.
O governo, que até aqui nos vinha a todos sossegando com a teimosa afirmação de que os problemas estavam lá fora, viu-se obrigado a reconhecer – pudera!... tais eram as evidências – que afinal seria preciso apertar o cinto para equilibrar as contas públicas.
Acentuam-se os protestos populares, as televisões passam a integrar obrgatoriamente nos seus noticiários relatos pungentes de familias que não conseguem sobreviver sem ajudas (de quem? ... do Estado, naturalmente), vislumbra-se agora o espectro da miséria. Prepara-se a greve geral, derradeiro trunfo da malta dita trabalhadora.
Cumprida esta derradeira obrigação, de forma pacífica, como aliás determinam os nossos brandos costumes, o povo retoma as suas rotinas, que não somos gente para grandes novidades nem talhados para as incertezas e angústias consequentes da mudança.
Pois é, com as lamechices antes descritas, fica assegurada a credibilidade necessária à proposta de orçamento de estado para inglês ver (que o mesmo é dizer, com mais actualidade, para sossêgo dos de Bruxelas) e, louvado seja, Sócrates já poderá apelar à caridade europeia sem grandes constrangimentos nem compromissos de honra.
Entretanto, por cá, o povinho cansado de lutas regressa em força aos centros comerciais e ao consumismo desmesurado e irracional. Vá lá saber-se como, num vislumbre de clarividência colectiva pouco comum entre nós, a malta intuiu, do edificante exemplo do governo, que a recuperação económica passaria pelo aumento do consumo. Percebeu também o povo, sobretudo aquela parcela (considerável, diria) que vive da caridade do estado e das câmaras municipais que não vale a pena poupar porque a fonte afigura-se potencialmente inesgotável. Por outro lado, gastando-se mais do que se ganha ou, com mais precisão, do que se recebe, adquire-se a suposta legitimidade para exigir mais ajudas do estado afirmando indigência ou insolvência, como agora também se ouve.
Lá se diz que tristezas não pagam dívidas e o governo, demonstrando uma vez mais profundo conhecimento da matriz cultural lusitana, sempre anunciou desde o início destas confusões que o pior inimigo, aquele a que não se podia conceder tréguas, era a dimensão psicológica da crise, ou seja, mais grave do que a realidade do défice ou do desemprego seria a convicção colectiva de que eles existiriam.
Aliás, merece registo o empenhado esforço – pelos vistos, merecidamente compensado – que o governo fez para debelar a crise psicológica e induzir, através do exemplo, a propensão gastadora no povinho. O TGV, o novo aeroporto de Lisboa e a adaptação do de Beja, os motoristas e os carros da presidência do conselho de ministros, o computador “magalhães”, caso Tagus park e tantos outros, o balanço do programa “novas oportunidades”, etc., são disso ilustrativos. Contra a crise gastar, gastar...

28-11-2010
Trabalho elaborado por Cidália Casal

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