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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Entrevista

De manhã à noite a “pagar promessa” na Pousadinha…para prestígio da doçaria conventual

O segredo do conhecido Pastel de Tentúgal continua guardado a “sete chaves” na “Pousadinha”. Cacilda Correia, 46 anos, explica como é que o negócio da doçaria conventual de Tentúgal, Montemor-o-Velho, se tornou tão famoso.

por Ana Carolina Sérvolo

Como se chama?
Cacilda Correia.

Que idade tem?
46 anos.

Como é que nasceu esta paixão pela doçaria?
Para já porque fui criada no meio dos doces. Em Tentúgal muita casa fazia doces e eu em miúda ia para casa das vizinhas, uma fazia isto, outra fazia aquilo, portanto fui criada… Logo comecei a sentir aquele gostinho de fazer e estava sempre a experimentar. Depois a minha mãe tinha restaurante, eu fui crescendo e fui tentando fazer e vi que tinha jeito… Depois a partir daí foi sempre a fazer coisas novas.

E como é que surgiu esta oportunidade de criar um negócio por conta própria?
A oportunidade… Eu trabalhava em casa dos meus pais e entretanto esta casa [estabelecimento] era de duas senhoras sócias, que os filhos eram médicos, elas também gostavam muito disto. Entretanto começaram a ficar com uma certa idade, uma delas faleceu, depois a outra a seguir também, e estava aqui uma funcionária que não fez a justiça que merecia a casa. Os herdeiros colocaram a casa à venda e eu como vizinha deles e como uma pessoa que até gostava disto arrisquei, comprei e cá estou… há 25 anos.

Porque é que escolheu o nome “Pousadinha” para o estabelecimento?
Já era o nome da casa.

Qual é o doce mais procurado aqui?
É o pastel de Tentúgal e a queijada, claro. Se bem que há outros, já criados por mim, que também se vendem muito bem, mas o pastel e a queijada têm fama. Principalmente o pastel que tem fama mundial já. É conhecido em todo o lado e as pessoas, quando ele é bom, correm ao sítio onde ele é melhor, onde gostam mais.

E qual é o segredo do pastel?
O pastel, quanto a mim, não tem segredo. É fazê-lo bem feito e claro que é a maneira como se faz, que não é fácil. A receita não é pesada, por pesagem, é a olho; logo aí tem que ser uma coisa aprendida com o tempo. Depois a fase do doce de ovos tem que ser também a ver e, pronto, tem lá uns senãos não é… Tem o seu segredo, mas isso não se revela [risos]. Mas que é um doce que não é… Tem que se ter muito gosto, muito empenho, tem que se ter vocação para… Porque é um doce que também é muito difícil, principalmente a massa. Nós temos que andar de joelhos, portanto não é fácil. Tem que se gostar mesmo para se andar de manhã à noite tipo a pagar uma promessa, não é? Temos que andar ali de joelhos a apanhar a massa e tal... É um doce ainda feito muito tradicionalmente. Nem máquinas há para o fazer, temos que o fazer assim, de maneira que tem que se gostar mesmo.


Que criações suas estão à disposição dos clientes?
As criações, temos várias. Temos a barquinha do Mourão primeiro, com doce de ovos e amêndoa; temos o mourisco, que tem duas qualidades de abóbora, tem especiarias e tem doce de ovos; a pousadinha, que é com chila, amêndoa e doce de ovos; o moreno, com um bocadinho de chocolate e noz e ovos moles; a queijada do céu, com chila e ovos moles; a queijada de noz, que é com ovos moles e noz. Mas cada doce com os seus ingredientes. Uns têm amêndoa, outros têm noz, outros têm canela…

Mas a base é sempre doce de ovos?
A base é sempre doce de ovos, porque a base conventual é doce de ovos, mas cada um com os seus ingredientes. Tenho também o abade, que tem chila, doce de ovos e amêndoa, e mais uns pozinhos “pirilimpimpim”; o beijo de frade, com pinhão e doce de ovos; os conventos, que é uma mistura de amêndoa e noz; as natividades, com ovos moles; os lacinhos, com fios de ovos, ovos moles e uma massa feita só com amêndoa, que não leva farinha; queijadas de amêndoa; os pudinzinhos de queijo, feitos com queijo fresco…

Quantas variedades já criou?
Já vou em 20 ou mais criações minhas. E nós, como o espaço é pouco, também vamos alternando. Um dia temos umas coisas, outro dia temos outras, vamos alternando.

Muitas pessoas de fora procuram a sua pastelaria. Como é que se sente ao saber disto?
Sinto-me bem, é sinal que avaliam o nosso trabalho, que prestigiam. É sempre bom nós sabermos que aquilo que estamos a fazer agrada às pessoas. Eu acho que é importantíssimo e é isso que nos faz andar, que nos move e que nos faz fazer qualquer coisa de diferente no dia-a-dia, fazer sempre algo mais.

Que pessoas importantes é que já passaram pela Pousadinha?
Tantas… Tivemos cá um actor dos “Morangos com Açúcar” e estava tudo aqui a pedir autógrafos. Mas tivemos cá vários… O Padre Feitor Pinto, uma pessoa muito prestigiada, o José Saramago. Já fiz doces para a rainha da Noruega, que gostou muito e mandou pedir mais ao Dr. Jorge Sampaio; tivemos que mandar mais porque ela adorou. Também com a Maria José Rita e com o Jorge Sampaio já tive oportunidade de estar mais do que uma vez. Por acaso não calhou ser aqui [na Pousadinha], mas estive e já comeram dos meus pastéis e já estive com eles. Eu pertenço a uma Confraria, que é a “Panela ao Lume”, onde fui entronizada no mesmo dia do Dr. Jorge Sampaio. Depois ele até era para vir aqui mas não se proporcionou porque esta gente de vez em quando recebe uns telefonemas e muda tudo. Mas tive muitas mais pessoas. O Eusébio, o Fernando Mendes, o Hérman José, o Santana Lopes… Muita gente, actores então…

Já teve oportunidade de demonstrar esta arte fora de Portugal?
Já, muita vez. A França já fui duas vezes, a Espanha já fui duas ou três vezes também, ao Brasil umas sete, Inglaterra… A Macau fui convidada mas não fui, não podia ir.

Onde foi a melhor experiência?
No Brasil, sem dúvida. Adorei. Eles lá são fantásticos, adorei, adorei, adorei.

Recebe portanto muitos convites para eventos de doçaria conventual…
Recebo, só que não posso ir a todos. A vida que tenho não me permite estar sempre presente em todos os lados, mas há um [evento] que eu faço e, enquanto puder, faço sempre, que é o Festival de Gastronomia de Santarém. Precisamente porque foi o primeiro no país e é o único que para mim tem algo mesmo de especial e eu gosto muito. De resto não posso, porque também não tenho vida para isso. Faço um de vez em quando aqui ou ali, mas é muito raro.

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