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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Reportagem - “Transportar cultura às portas de Bustos”

“Transportar cultura às portas de Bustos”
Por Carolina Guedes

Bustos é uma pequena vila situada no concelho de Oliveira do Bairro que hoje em dia não é grande atracção para os que visitam ou mesmo os que lá habituam. Porém, recuando alguns anos atrás, Bustos possuía um local que era fonte de alvoroço entre todos os residentes e até mesmo um enorme número que se deslocava de fora para visitar o Centro Recreativo de Instrução e Beneficência.

Manuel Ferreira da Silva nasceu no dia 27 de Setembro de 1901 e acabada a sua instrução primária, foi para Lisboa, onde se manteve até rumar pela primeira vez ao Brasil, por volta dos seus 18 ou 19 anos. Regressou, poucos anos depois, para casar, passando o casal a explorar uma loja de mercearias e outros produtos.

Dois anos depois emigrou para os Estados Unidos e fixou-se na cidade de Pert Amboy (New Jersey). Ali foi guarda numa fábrica de cerâmica, durante o tempo que lá permaneceu. Contudo, no final dos anos vinte por consequência de trabalhar por turnos e despender de algum tempo disponível, dedicou-se a uma actividade paralela, fabricava licores na sua casa. Acabou por ser denunciado e preso durante algumas horas. Da denúncia e prisão resultou que os polícias passaram a ser os seus melhores clientes, de tal forma, ganhou dinheiro mais que suficiente para regressar, confortavelmente, a Portugal ao fim de sete anos.

Chegado a Bustos, Ferreira da Silva comprou um terreno onde mandou construir o Centro Recreativo de Instrução e Beneficência.

A construção do Centro Recreativo de Instrução e Beneficência na aldeia (hoje vila) de Bustos foi uma temeridade para a época.

O Bustos Sonoro Cine, transição de filmes mudos para filmes com som, daí fazer-se referência ao “sonoro”, foi inaugurado a 18 de Outubro de 1936 com sessões de cinema e bailes que regularmente ali se realizavam. Ainda em construção, o Centro Recreativo de Instrução e Beneficência recebeu o primeiro baile na noite de 27 de Setembro de 1936. Outra ocasião memorável deu-se no dia 5 de Outubro, primeiro grande momento cívico e politico da sala com a comemoração do 26º Aniversário da Implantação da República, que foi ruidosamente festejado.

Ferreira da Silva declarou nessa noite à numerosa assistência que de futuro, a data da proclamação da República iria todos os anos ser comemorada naquele salão com uma festa de beneficência, como seria de esperar esta atitude foi calorosamente aplaudida.

Alguns dos filmes que mais impacto causaram neste período, destacam-se a 20 de Novembro de 1937, o teatro de revista “Bustos em cuecas”, a 12 de Março de 1939 é exibido o primeiro filme a cores “O Jardim de Allah”, a 19 de Março de 1939 é exibido “Os fidalgos da casa Mourisca”, realizado por Duarte Cruz e ainda a 2 de Março de 1940 “O Rei dos Reis” provoca a maior enchente de que há noticia. Mais de 2 mil pessoas lotaram a sala tendo muitos desistido de assistir à sessão.

Durante o tempo que Ferreira da Silva se manteve em Portugal, tomou várias iniciativas de carácter cultural e participou ainda em diversas actividades em prol de Bustos, sendo assim um dos nomes memoráveis em Bustos até à data. Em Abril de 1981, Ferreira da Silva regressa definitivamente para o Brasil, deixando o Centro Recreativo de Instrução e Beneficência para trás, fracassando o projecto.

O que no momento não se sabia, era que Ferreira da Silva tinha deixado a propriedade a um familiar, Miguel Barbosa, que em 1973 já estava empenhado na modificação do salão, pretendia explorá-lo melhor do que este tinha sido até ao momento. Deste modo, o salão começava agora a adquirir todas as condições para funcionar devidamente, o que era do agrado de todas as pessoas que usufruíam desta zona.

A 4 de Setembro de 1977 ocorreu a inauguração do novo espaço com um enorme sucesso, tendo inclusive direito a cobertura jornalística. Eram exibidos os melhores filmes divulgados em Portugal, maioritariamente sempre esgotados, “as pessoas chegavam a ficar sentadas no chão para ver o filme”, recorda Miguel Barbosa, mesmo quando o cinema tinha lotação de 454 lugares (balcão e plateia) e ainda disponha de ar condicionado, sendo na altura o primeiro cinema de Aveiro a dispor. De tal forma, foi considerado um dos melhores cinemas de Portugal.

O cinema ganhou bastante adesão, o seu nome já era divulgado em todo o país, acarretando pessoas de Coimbra, Estarreja e Oliveira de Azeméis para as várias actividades desenroladas neste espaço. José Cid, Carlos do Carmo, artistas brasileiros e várias orquestras espanholas passaram também por Bustos. Miguel Barbosa ainda refere “nunca houve um baile ou sessão de cinema com pouca gente”, por isso mesmo “ na altura da reconstrução, o salão custou mais 3 vezes do que se esperava mas devido ao lucro que fizemos em 21 anos, ainda me sobrou dinheiro. As distribuidoras de filmes em Lisboa ficavam surpreendidos de como este cinema conseguiu sobreviver durante tantos anos e não percebiam como tínhamos tanto sucesso.”

Hoje em dia nota-se um desagrado geral da população quanto ao cinema estar sem nenhuma função à 3 ou 4 anos. Os mais antigos recordam o tempo de clímax do salão e tem pena de nada ser feito para tirar partido deste local, “ dá pena ver aquele cinema cair aos bocados e ninguém fazer nada”, lamenta Isaura, uma habitante que frequentava quase todos os eventos do salão. Miguel Barbosa adiantou que já não tem interesse em reconstrui-lo.

Mas pelo contrário, um grupo de jovens não se deixa ficar imóvel quanto ao cinema e espera mudar esta realidade. Não tendo ainda nenhum projecto desenvolvido, defendem uma freguesia virada para o futuro e na defesa do seu património. Tem esperança na criação de um centro cultural, a instalar no antigo salão de Bustos, pois assumem que deve ser recuperado.

Salão de baile, clube, cinema, festas de natal, comícios, comemorações populares, encerramento do ano lectivo do colégio de bustos, entre outros nomes e funções, está área cultural está presente na memória de todos os habitantes e nem só. Lembra-se um passado repleto de sucesso, um presente mórbido mas ainda se espera um futuro, um útil e benéfico futuro nas mãos destes jovens para o Centro Recreativo de Instrução e Beneficência.



Grupo 5

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