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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Entrevista a Bruno Nunes, treinador de equipa amadora de futebol

“Muitos pensam que liderar é mandar, mas uma liderança em que a equipa se sinta voluntariamente comprometida e envolvida na luta por um mesmo objectivo é muito mais trabalhosa, mas também mais interessante, do que uma liderança autoritária.”


Bruno Nunes, de 23 anos, é licenciado em Gestão e treina, nos tempos-livres, os Rangers F.C., equipa amadora de futebol que pede nome emprestado aos escoceses.

O Posts de Pescada entrevistou, numa conversa informal, o treinador por recreação, que relata a sua paixão por futebol e nos conta como se tornou responsável por este grupo de jogadores, prestes a iniciar a sua segunda liga.


Posts de Pescada - Treinar uma equipa de futebol foi algo que sempre ambicionaste fazer? Nunca te imaginaste como jogador em campo?
Bruno Nunes - Futebol é um desporto que sempre gostei de ver e jogar e depois de treinar. Acontece que estou a cargo de uma equipa de pessoas cujas idades se encontram perto da minha, no geral, e pode surgir a questão do porquê de estar a treinar e não a jogar. A resposta é simples: o gosto por jogar tem de ser acompanhado pela capacidade de o praticar a um bom nível e, apesar de gostar de jogar, o jeito para este desporto em concreto é algo que não possuo. Mas, se tivesse de escolher entre jogar ou treinar, provavelmente escolheria, numa primeira fase, ser jogador e, um dia, eventualmente, ser treinador. Adoro treinar e estou certo de que, nos jogos, tenho tanto prazer como os jogadores que estão em campo.

PP - O que mais te fascina no treino de uma equipa?
BN - O fascínio de treinar uma equipa é conhecer as capacidades e as características de cada jogador e propiciar as condições necessárias para que essas possam ser potencializadas ao máximo, de modo a que, individualmente e como um todo, se possa registar o melhor contributo possível para o desempenho da equipa. É o desafio de, paralelamente, atender às especificidades de cada jogador e colocá-los a jogarem como uma equipa coesa, dinâmica, objectiva e eficaz.

PP - Como surgiu a oportunidade de assumires este compromisso?
BN - Alguns dos meus amigos que fundaram a equipa e com quem, ao longo dos anos da minha juventude, joguei regularmente “à bola”, cedo se aperceberam não apenas do meu gosto pelo futebol, como também um conhecimento táctico fora do vulgar, por conversas informais que tínhamos. Por sugestão de um desses amigos à equipa, que, na altura, iria participar num torneio de Futsal, decidiram convidar-me para ser o seu treinador. Tinha 18 anos, se bem me recordo, quando aceitei o desafio e participámos num torneio em Coimbra, perdendo 7-6 logo na primeira eliminatória com a equipa que acabaria por ser vencedora na final. Considerando que era a nossa primeira participação, estivemos bem e, não satisfeitos com a derrota, fomos disputar o mesmo torneio, mas desta vez na cidade da Figueira da Foz. Aí, tivemos uma excelente participação, sendo que apenas fomos parados na final, através do desempate por grandes penalidades. Nessa altura, acabei por deixar o comando técnico da equipa fruto de uma discórdia com um ou dois jogadores que continuaram o seu trajecto na modalidade. Dois anos mais tarde, a mesma equipa decidiu passar do Futsal para o Futebol de 7 e voltei a receber o convite para assumir o comando técnico da equipa. Aceitei, conheci novos jogadores, revi alguns dos iniciais da equipa e estou a preparar a equipa para o breve início da segunda liga em que vamos participar.

PP - Actualmente, trata-se de algo que fazes por recreação. Caso surgisse a oportunidade, serias capaz de abraçar uma carreira profissional?
BN - O meu objectivo é trabalhar em algo completamente diferente do futebol, logo, embora gostasse imenso de aproveitar a oportunidade, teria de declinar. É um sonho, mas não o meu sonho primordial.

PP - A preparação técnica de cada jogo é algo que te obriga a despender muito tempo? De que forma procedes a esse “estudo” prévio?
BN - Nós temos dois tipos de jogos: os de preparação e os que contam para a competição. No caso dos jogos de preparação, após tomar conhecimento dos jogadores da equipa que estarão presentes no jogo, traço um plano que permita que todos possam jogar sensivelmente o mesmo tempo, assim, terão iguais oportunidades de mostrarem o que valem e treinarem as suas aptidões. Procuro também fazer com que, em campo, esteja sempre uma equipa equilibrada e faço por mudar regularmente a equipa inicial para que ninguém se desmoralize, pois na pré-época não há titulares. Em fase de competição, vou ver, por vezes, um jogo do próximo adversário antes do nosso, caso ainda não tenha referências quanto à equipa deles, ou, pelo menos, procuro saber por outras pessoas que os conheçam como é o seu modo de jogar. Depois, basta construir a melhor equipa com os jogadores disponíveis para enfrentar o adversário e geri-la ao longo da partida.

PP - Enquanto líder, sentes-te na obrigação de ser o principal motivador da equipa?
BN - Sim, quer nas palestras antes da partida e no intervalo, quer durante o decorrer do jogo, recorrendo a instruções e discursos gerais dirigidos à equipa ou de forma individual.

PP - O que significa que, quando necessário, também advertes determinado(s) jogador(es) quando algo de negativo se registou?
BN - Sim, por vezes também é necessário. Procuro sempre fazê-lo em privado e não publicamente, em frente dos outros jogadores, pois entendo que se torna desconfortável e até desmotivador para o jogador em causa.

PP - Essas são tarefas a que dás atenção constante ou que apenas decorrem durante o jogo?
BN - Acontecem antes e durante o jogo. No pós-jogo imediato não gosto muito de chamar a atenção individualmente pois, normalmente, estou de “cabeça quente”, tal como os jogadores, e acho que esse momento não é propício para correcções ou indicações. Aproveito sim para dar uma palavra curta e geral à equipa pelo jogo realizado. Antes dos jogos, no balneário, decorre sempre uma palestra geral em que se informa da equipa titular, se dá indicações específicas e gerais à equipa e uma palavra motivadora. Durante a partida, é crucial corrigir erros que a equipa possa cometer e motivar os jogadores, assim como gerir as substituições. No período de pausa entre os jogos ou já depois de os jogadores terem saído do banho, posso dar uma palavra de apreço pelo bom jogo realizado ou expôr alguma correcção que entenda necessária.

PP - Sentes que o feedback retribuído pela equipa tem sido positivo durante a tua liderança?
BN - Sinto. Tento promover uma boa relação informal entre mim e todos os jogadores, de modo a entenderem que sou apenas mais um membro da equipa que está também a desempenhar o seu papel e que faço o que posso para o melhor desempenho possível da equipa, sendo que eles também entendem que sou o responsável por dirigir e manter a ordem. Mas, por exemplo, estou sempre receptivo a ouvir e analisar alguma sugestão de algum jogador. Certamente que, por vezes, há um ou outro desentendimento com determinado jogador que procuro resolver, mas, de forma geral, recebo um feedback positivo da equipa.

PP - Assim sendo, existe uma relação de confiança mútua…
BN - Sim, claramente.

PP - Consideras ser possível relacionar o cargo de treinador com a área em que te licenciaste?
BN - O curso de Gestão, em que me licenciei, sempre me fascinou pela liderança de grupos de pessoas e penso que treinar o Rangers é uma hipótese real de desenvolver essa minha vocação de líder e crescer nesse sentido. Certamente que se trata de um contributo para, um dia, poder liderar outros grupos com melhor capacidade e experiência neste liderar e lidar com pessoas. Muitos pensam que liderar é mandar, mas uma liderança em que a equipa se sinta voluntariamente comprometida e envolvida na luta por um mesmo objectivo é muito mais trabalhosa, mas também mais interessante, do que uma liderança autoritária. Entendo que é muito mais fácil criar coesão e compromisso numa equipa, liderando-a com um certo nível de humildade, atenção e respeito, do que com um espírito de autoridade que não promove a valorização pessoal dos elementos da equipa, algo que considero fundamental para um bom desempenho colectivo.

PP - Podemos afirmar que procuras, frequentemente, conhecimento em profissionais de renome?
BN - Gosto de ver equipas de qualidade a praticar bom futebol e, certamente, aprender algumas coisas com isso, tal como aprendi ao longo dos anos antes de ser treinador. Actualmente, a principal fonte de inspiração em termos profissionais é, sem dúvida alguma, o F.C. Barcelona.

PP - Sendo que contas já com experiência significativa neste meio, há conselhos que nos possas deixar, com destino a quem procura seguir algo semelhante?
BN - Destinado a alguém que esteja a dar os primeiros passos como treinador de uma equipa deste género, há alguns pontos que considero fundamentais num treinador e, em geral, num líder. É crucial o bom conhecimento táctico do futebol e das características dos jogadores; saber definir uma táctica defensivamente sólida, mas, ao mesmo tempo, dinâmica em termos ofensivos, procurando potencializar os jogadores dentro dessa táctica; promover um espírito de equipa coesa, disciplinada, dinâmica, objectiva e eficaz; criar um relacionamento positivo e informal com todos os jogadores, ainda que limitado, de modo a que, nas horas de decisão, não existam influências ou pressões excessivas; fazer imperar a justiça, nunca tomando partido em discussões de jogadores e dando as mesmas oportunidades a todos nos jogos amigáveis; e, por fim, devemos evitar, sempre que possível, atribuir excesso de tempo a jogadores titulares, limitando a jogabilidade dos suplentes, sem, contudo, comprometer os resultados da equipa.


Tiago Mota
Redacção 1

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