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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Entrevista: “O curso existe não para fazer de ti um comunicólogo ou professor de comunicação, mas para fazer de ti um jornalista”

É na biblioteca da escola que frequentou que João Oliveira, jornalista do “Record”, nos fala deste novo ano escolar que para ele vai ser diferente. Tratamo-nos por tu. Numa conversa amigável o jornalista vai expondo detalhes da sua nova vida. Falamos sobre o passado, o presente e o futuro que virá. A Escola Superior de Educação acolhe-o mais uma vez, no entanto, João Oliveira não vem para ficar.
Por Elisa David. R2


POSTS DE PESCADA - Este ano o teu regresso às aulas vai ser diferente. Ao fim de um ano conseguiste o teu primeiro emprego. O que é que este trouxe de novo à tua vida?
JOÃO OLIVEIRA -Não me trouxe estabilidade financeira, porque um jornalista ganha mal, mas trouxe-me auto-realização porque estou finalmente a fazer aquilo que gosto, que sinto que nasci para fazer. E estou a receber, não justamente, mas estou a receber pelo trabalho que faço. Estou num mundo novo. Estive sempre por Coimbra - só fui para Lisboa por períodos pequenos para fazer estágios curriculares - e dediquei-me a assimilar tudo aquilo que não consegues aprender numa sala de aula (rotinas diárias, rotinas produtivas, como se escreve, como não se escreve) … Por muitos ateliês que possas ter, chegas a um jornal e esse jornal tem um estilo muito próprio, que é completamente diferente do teu ou daqueles em que já tinhas trabalhado antes, e tens de estar sempre apto para enfrentar essa realidade.

PP - Actualmente trabalhas numa publicação desportiva - o jornal “Record”. Era este o teu “emprego de sonho”? Foi com ele que sonhaste durante a tua licenciatura?
JO - Não. Queria seguir jornalismo de guerra, mas na conjuntura em que vivemos não nos podemos dar ao luxo de escolher. Comecei a trabalhar como repórter de imagem, a gravar e editar vídeo. Depois fui transferido para o jornal impresso, para a secção de futebol nacional, embora continue a fazer vídeo sempre que necessário. No entanto espero um dia chegar ao meu objectivo, que é ser jornalista de guerra.

PP -  Porquê o jornalismo online? Tens algum tipo de fascínio por esta área?
JO - O jornalismo online e multimédia não é o futuro, mas passa por aí, daí que todos os estágios que fiz foram sempre nessa senda (“IOL” em 2009, “Expresso” em 2010 e agora, em 2011, no “Record”). Eu gosto de escrever, não gosto de aparecer em frente a uma câmara e a minha voz não tem o timbre radiofónico necessário, por isso optei pelo online, não só porque há uma maior rapidez no fluxo informativo, como as minhas acções são mais deliberadas.

PP -  A faculdade não é um passado distante. Achas que esta proporciona aos alunos a melhor preparação para o mercado de trabalho?
JO - Não. Na faculdade dão-te um trabalho em que tens uma semana para escrever um noticiário. Isso não se passa na realidade. Há ocasiões em que tens meia hora para escrever uma peça e as universidades e os politécnicos não te preparam para isto. Há ritmos que não são os adequados, o que faz com que o choque entre a universidade e o mercado de trabalho seja avassalador. Os programas da estrutura de Comunicação Social e Jornalismo são muito teóricos. Existe uma má preparação para a realidade. As pessoas não saberem escrever. Entram numa licenciatura sem saber escrever e saem da licenciatura, três anos depois, a continuarem sem saber escrever.

PP - Uma das coisas que nos dizem quando ingressamos em cursos como Jornalismo e Comunicação Social é que nem sempre quem escreve bem dá um bom jornalista… Concordas com esta afirmação?
JO - Sim. Eu sinto essa dificuldade porque a minha escrita é um bocado prosática e tenho o hábito de adjectivar muito. Quando rediges um artigo tens de ter cuidado com palavras com sílabas muito parecidas (porque isso resulta na chamada cacofonia), não podes rimar e, muitas vezes, não podes escrever aquilo que te soa bem porque existe sempre um número limitado de caracteres. Tens de ter cuidado com a escrita - o jornalismo é económico. Resumindo, podes escrever bem mas isso não quer dizer que sejas um bom jornalista.

PP -  Lembras-te do teu primeiro dia de trabalho?
JO- Qual deles?

PP - O último…
JO - Ah! Foi tranquilo. As pessoas com quem ia trabalhar sabiam daquilo que eu era capaz e eu sabia aquilo que eles esperavam de mim. Estava lá para fazer o que sei fazer, portanto foi tudo muito calmo. É óbvio que existe sempre aquele período de ambientação em que tens sempre que te habituar a regras de estilo, de escrita… Por exemplo, o “Record” adoptou o novo acordo ortográfico e, com todas as alterações que existem, é complicado. Muitas vezes nós discutimos sobre isso, como é, como não é, mas isso é normal.

PP - Já agora, qual é a tua posição em relação ao acordo ortográfico?
JO - Sou contra.

PP – E isso causa-te dificuldades na escrita?
JO - Não. Sou contra, mas gosto de escrever sob o novo acordo porque é um desafio. É claro que, muitas vezes, ainda escrevo os meses com caixa alta e tem de ser com caixa baixa, há palavras que ainda levam o “c”, outras que já não, o mesmo se passa com o “p”, o que me faz recorrer ao livro de estilo do jornal… Só tenho de estar atento.

PP – Uma redacção tem um ritmo tão frenético como aquele que lhe costumamos atribuir?
JO - Depende da redacção. Tens o online - em que de 5 em 5 minutos tens que produzir notícias -, tens a redacção escrita, que tem um ritmo muito menos acelerado (a não ser que haja algum acontecimento de última hora!). Num semanário é tudo mais calmo, tens uma semana para preparar o jornal, mas depende muito de redacção para redacção.
Eu tirei um curso na Rádio Universidade de Coimbra. Lembro-me que, certa vez, uma formadora colocou as colunas todas no máximo e, com tudo a fazer barulho e pessoas aos gritos, nos disse “habituem-se que é assim que vai ser”. E, acredita, não há melhor maneira de te preparares para uma redacção. O segredo não é seguir o teu próprio ritmo, mas sim o da redacção e, principalmente, o das fontes.

PP - Ainda há pouco falámos sobre uma novidade no mundo jornalístico: o acordo ortográfico. Achas que o jornalista alguma vez deixa de aprender?
JO - Não. Nem um jornalista nem ninguém deixa de aprender. Eu sigo o lema de que estamos sempre a aprender. Aprender é um meio de nos enriquecermos.

PP - Pedia-te que fizesses um exercício de memória… Diz-me uma frase que marcou o teu percurso enquanto jornalista e da qual nunca te esqueceste.
JO - Fácil. A professora Dina Cristo dizia a redundância é o caminho para a eficácia comunicativa - e é verdade, é mesmo verdade.

PP - Tencionas regressar às aulas?
JO - Tenciono, assim que conseguir pagar essa formação. Quero alargar a minha formação. Não tenho ideia em que área, mas estou inclinado a seguir a multimédia ou seguir gestão e marketing, ou então internet e novas tecnologias, algo completamente diferente de Comunicação Social.

PP - Para além do teu trabalho no “Record” estás envolvido num outro projecto. Fala-me, por favor, do teu blogue “Critica Por Favor o Meu Elevado Ego”.
JO - É um projecto pessoal que nasceu antes de ter entrado para a ESEC (por volta de 2004) e tem evoluído bastante. Fala do que passo diariamente, das relações que tenho com outras pessoas - quando correm bem e também quando correm mal.

PP - Podemos dizer que é um género de diário online?
JO - Não gosto de lhe chamar diário, lembra-me aquela ideia de um cadeado… É mais um escape. Espero editá-lo no final de 2012. E já estou a escrever o terceiro. Ainda não escrevi o primeiro, mas já estou a tratar do terceiro! Este último está a ganhar forma mais rapidamente, mas eles são completamente diferentes. O primeiro é uma compilação do blogue, de 7 anos de posts online. O segundo fala da minha experiência no programa Erasmus, é uma coisa completamente fora do “convencional”. E o terceiro é um espelho do meu dia-a-dia.

PP - Trabalhas para um jornal desportivo, já trabalhaste em outras publicações (como o Expresso) e ainda escreves num blogue. Qual o estilo em que te sentes mais à vontade?
JO - São registos diferentes. Tenho mais liberdade num blogue, uma vez que não tenho limite para escrever. Gosto muito de escrever para um jornal, mas tenho aquele limite de caracteres. Não sei, são estilos e situações diferentes.

PP - No início da entrevista confessaste o teu interesse em ser correspondente de guerra, no entanto, actualmente, dedicas-te à escrita desportiva. Como é que se escreve sobre algo que não nos interessa particularmente?
JO - Pois, sou homem mas o desporto não é bem a minha praia. Tenho de recorrer à investigação. Para escrever sobre um assunto tenho que ler tudo o que foi feito até então, só depois fico à vontade para trabalhar o assunto. É isso que faz um jornalista. Aliás, tenho muito cuidado com o que escrevo. É claro que quando cometemos um equívoco o jornal ocupa-se de o corrigir criando uma nota em que diz “o Record errou...”, mas eu tenho o cuidado de fazer uma boa investigação, rever tudo e não tenho problemas em falar com o editor caso tenha alguma dúvida.

PP - Se pudesses deixar uma nota final relativamente ao Curso de Comunicação Social que dirias?
JO - Sem dúvida que a aposta em Comunicação Social deveria ser levar os alunos o mais cedo possível para a redacção. Temos toneladas de teoria e pouca prática. O curso existe não para fazer de ti um comunicólogo ou professor de comunicação, mas para fazer de ti um jornalista.

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