O prazer de uma leitura com toque e cheiro
“Quebra de venda de revistas e jornais de papel” é o assunto que está na
ordem do dia há algum tempo. No entanto, na papelaria de Maria João Madruga a situação não se
passa tão dramaticamente como acontece em alguns locais. Por estar localizada
numa zona de muita flutuação de pessoas do Bairro Norton de Matos em Coimbra,
ajuda a que logo de manhã um enorme aglomerado de clientes entre pela papelaria
a dentro em busca da primeira publicação da manhã, com novas notícias para
saber e também o mundo do entretenimento para desvendar.
São onze horas da manhã e Maria João acena com um
ar simpático para os clientes que vão entrando na pequena papelaria e que fazem
fila atrás do balcão. Na maioria são idosos ou pessoas que vão para o trabalho,
mas que não conseguem perder um pedacinho das notícias e do entretenimento que
as revistas ou jornais têm para lhes oferecer logo de manhãzinha cedo.
Verifica-se que a relação de Maria João com alguns
clientes já é uma situação habitual, que faz parte de uma rotina que não cessa,
principalmente para o público mais idoso que não consegue quebrar os seus
hábitos de leitura.
Maria de Lurdes Simões é também proprietária de uma
outra papelaria, mas é cliente habitual
da papelaria de Maria João e afirma “tudo o que é revista e tudo o que é jornal,
eu leio. Quem me dera poder ler tudo. Eu sou cliente habitual aqui da
papelaria” e ainda acrescenta “eu gosto de tudo, tanto de entretenimento, como
de informação. Eu adoro ler e isso é muito importante”. Maria de Lurdes sai da
papelaria envolvida numa rotina que se repete por muito e muito
tempo, agarrada a uma enorme paixão, a leitura.
Na mão leva a revista Luxe, de uma forma alegre e com uma expressão de quem
carrega nas mãos um hábito que não pretende largar.
Os clientes vão entrando cada vez mais dentro da
pequena papelaria e muitos são os que não precisam de fazer o pedido do jornal
ou revista que pretendem, pois para Maria João a preferência de cada cliente
habitual já está muito bem assente.
Chega um cliente mais idoso e pede logo a
Maria João “Ora, é o meu jornal se faz favor” e lá vai ela a uma das
prateleiras recheadas de jornais e retira o Correio da Manhã. O senhor pega no
jornal com muito apego, como se aquele fosse o seu eterno companheiro diário.
Agora mais pessoas fazem fila e olham atentas em redor para as ilustres
prateleiras cheias de revistas e jornais. Uns com brindes, outros com uma capa
de imagem muito apelativa e outros com notícias de primeira página que ilustram
a situação que mais se vive pelo país fora: a crise económica e social.
“Nota-se alguma quebra na compra de jornais e
revistas. As pessoas ficaram com medo de gastar mais dinheiro. No entanto, foi
só um primeiro impacto. Agora já está tudo mais ou menos normal. A nível de
revistas, continuam a vender-se todas, pois as pessoas ao lerem uma revista que
as distraia, não se lembram tanto da crise”, afirma Maria João com um ar
alegre, enquanto vai olhando para a porta da papelaria à espera que entre mais
um dos seus clientes habituais.
“O que se vende mais é a TV 7 dias, a Luxe, a Nova
Gente no que toca a revistas e a nível de jornais é sem dúvida o Correio da
Manhã que é aqui o mais vendido diariamente”, acrescenta. E mais uma cliente idosa entra na papelaria e diz, novamente, a Maria João “É a minha revista se
faz favor” e lá vai ela buscar a revista Caras, como que num ritual constante
de entrada no mundo do entretenimento.
Maria João afirma “De manhã quem cá vem à papelaria são os
idosos, mas à hora do almoço começam a aparecer pessoas mais jovens. Os pais
que vêm trazer os filhos aqui ao centro também aparecem. Vende-se tudo” e ainda
acrescenta “quando saem cadernetas de cromos então é a loucura. Quanto mais
brindes tiverem as publicações mais vendas elas têm, porque puxa mais pelo
público”.
Atrás de um balcão a vender revistas e jornais,
num contentamento intensivo em atender clientes habituais, é o que de Maria
João faz vida. A manhã agora vai avançando e a clientela está a acalmar, pois a
curiosidade pelas novidades já teve o seu grande auge logo cedinho pela manhã.
Após o almoço será o público mais jovem a chegar, a olhar em redor atento, a
sentir o cheiro do papel de uma revista ou de um jornal, acabadinho de ser publicado.
Pessoas com vidas tão diferentes e com objectivos
tão distintos, mas que buscam na leitura de um jornal ou de uma revista o gosto
pela novidade ou mesmo pelo entretenimento. Buscam saber o que se passa em seu
redor e o que a realidade tem agora para lhes oferecer. Uma realidade que é
vista de diversos prismas, por publicações tão distintas e que buscam chamar a
atenção do público das mais diversas formas.
“Fim de revistas e jornais de papel” é o que
tanto se discute nos tempos actuais. No entanto, ainda há quem tenha o gosto
pelo toque do papel, do cheirinho intenso do jornal, de andar com uma revista
na mão e ler um pouco enquanto se toma um café, se almoça ou se espera pelo
autocarro. Com objectivos tão diversos, pessoas jovens ou idosas, ainda
conseguem ter o gosto pela compra de um bom jornal ou de uma boa revista,
conforme os diferentes interesses.
E
assim termina mais uma manhã, na papelaria de Maria João Madruga, por entre o
cheiro e o ambiente a revistas e jornais, que muitos não conseguem deixar de
sentir. Muito menos Maria João que faz disso vida.
A papelaria ganha uma dinâmica inigualável com os clientes, com os jornais,
com o espaço pequenino e aconchegado. Ganha vida, com o gosto dos mais idosos
pela leitura.
O problema é que os mais jovens já alcançaram outros meios de se
entreter e de se informar, que os idosos não alcançaram. Para isso servem os
brindes em algumas publicações, de forma a se tentar pôr cobro à quebra da
compra de revistas e jornais por parte de um público cada vez mais sedentário no que toca aos seus
hábitos de leitura, sem já quase conseguir sentir o prazer de ler uma revista
ou um simples jornal de papel, como que numa forma de se informar sobre a actualidade ou simplesmente de se entreter.
Por Ana Pombo, Redacção 2
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