Quando penso
em cinema, recordo-me imediatamente de um livro que li quando
era mais pequena. Não o percebi muito bem e lembro-me de ter pensado que
aquilo não era para a minha idade. Chamava-se "Papalagui". O livro falava do
cinema e da imprensa de uma forma aterradoramente diferente
daquela a que eu me haviam acostumado. Deu o mote a muitas perguntas lá em
casa... Agora, já consigo dar as minhas respostas e fazer as minhas próprias comparações.
Papalagui…
raça estranha essa que passa a vida enfiada com a cabeça enfiada nos jornais. Pelo
menos é esta a opinião de um chefe de tribo que vive no meio da floresta. Seres
que vivem através de gatafunhos, de informação que enche mas não dá conteúdo,
linhas e mais linhas de dados sobre a vida que não deixam que ela aconteça
realmente. Para este chefe de tribo os papalagui são loucos. Não aproveitam
realmente o que é natural e o que a vida tem para lhes dar. Saltam para uma
realidade paralela preocupados em saber da vida e esquecendo-se que o que lêem
já passou e que enquanto estendem as grandes folhas à sua frente, a vida que
realmente existe está mesmo a passar… e a passar ao lado.
Precisam de
assunto para falar nos poucos momento em que estiverem com os outros papalagui
e de temas que os façam repetir o que outros disseram e assumir o que outros
escreveram. Para isso, continuam a preparar-se e a refugiar-se entre as linhas
vazias dos grandes jornais.
No cinema a
situação não se altera muito. Numa sala escura, fugindo e alheando-se de tudo
quanto se passa lá fora, os papalagui olham desaustinadamente para o ecrã que
reproduz cenas de uma vida que alguém inventou. Cada um, sentado na
assistência, mergulha uma vez mais até à criação de alguém, através de uma vida
que não existe mas dá jeito pensar que sim. Numa realidade irreal, cada um dos
indivíduos imagina e identifica-se com uma personagem que admira, que gostaria
de ser. Lembra-se de quem não gosta assim tanto e, à semelhança do que fez
consigo mesmo, identifica-o e adapta-o a uma das outras personagens do ecrã. O
vilão para aquele chefe que não nos deixa em paz no trabalho, a linda mulher
para aquela rapariguita por quem estamos embeiçados… E vamos sendo assim levados
numa corrente de ideias que não são factos e não existem. Refugiamo-nos na tela
e não reparamos que estamos rodeados por dezenas de pessoas que se acumulam num
mesmo espaço. Pessoas que não falam e não se relacionam. Que estão ali
simplesmente com o objectivo de olhar para uma parede cheia de luz durante
horas e caem no esquecimento de que existe vida lá fora e, que nessa, não
podemos ser quem quisermos e fazermos o que nos apetece. A sala está escura e
deixamo-nos levar pelo sono e pela dormência da tentativa conformista de não
viver o que dá trabalho. Sentados na audiência, como puros espectadores, vamos
deixando a vida passar por nós e adaptamos o que vimos ao que queríamos ser.
Embora sabendo que lá no fundo não será possível, pegamos numa personagem e
mergulhamos fugindo do mundo.
Para o chefe
da tribo não faz sentido. Para quem fala com os outros, aproveita o mundo
natural e vê o que toca, sente o que existe… o mundo do cinema e dos jornais
não passa de um refugio aos loucos que, para não viver a vida, inventam uma
outra.
E embora
perceba a análise que aqui é feita não concordo totalmente. O equilíbrio é algo
fantástico e que não está a ser utilizado nesta abordagem. Para além deste
ponto de vista ser feito por alguém que viveu algumas décadas antes de nós, o
que implica uma abordagem um pouco desactualizada e descontextualizada (e com
isto não digo que não haja quaisquer semelhanças, porque realmente existem), não
é estabelecida qualquer noção de equilíbrio. Como estudante de Comunicação
Social não me parece correcto acreditar que quem lê o jornal se distancia
completamente da vida. Sou apologista da informação e espero vir a fazer dela o
meu instrumento de trabalho. Como em tudo, é necessário que a balança fique com
os dois pratos ao mesmo nível e, se por um lado, é bem possível que as pessoas
se refugiem em algo que já aconteceu e não vivam o que está a acontecer, por
outro, é imprescindível (e cada vez mais…) saber e reflectir sobre o que já
passou, está a passar e poderá vir a passar… mesmo que para isso se tenha de
gastar algum tempo do presente. Os jornais são responsáveis pela educação e
instrução de muitos. Foram meios de revoluções e ferramentas da liberdade
imprescindíveis à partilha de ideologias, de informação e de realidades a quem
nada sabe. É verdade que muitos que as lêem as assimilam rapidamente e as
engolem sem mastigar. É um facto que existem muitas pessoas que não reflectem
sobre o que lêem e “mandar cá para fora” aquilo que viram sem pensar… como se
fossem ideias suas. É verdade que a informação que vem nos jornais muitas vezes
não é assim tão útil à pessoa x ou y… todos sabem que quando folheiam um jornal
e o corre com os olhos, em busca de saber mais do que os rodeia, se desligam em
parte do que acontece à sua volta naquele instantes. Mas qual é o mal disto?
Qual é o problema de retirar uns segundos ao presente para entender o passado e
prevenir o futuro?
Relativamente
ao cinema a situação é semelhante. É verdade que quando vamos ver um filme e
nos sentamos naquelas cadeiras confortáveis e ambiente escuro, nos deixamos
levar (se o filme for bom…). Quem já viu um bom filme sabe, com certeza, que o
objectivo de cada um dos enredos e das produções que vimos é captar o
espectador e leva-lo até onde se quiser. O cinema é arte e, levar a viajar
alguém sem o tirar do conforto da sua cadeira, é algo fenomenal! Uma fugida ao
nosso “rang-rang” e à nossa rotina não é mau de todo… muito pelo contrário! Se
não se tornar um hábito e não substituir o que realmente existe e faz parte da
nossa vida é até saudável dar asas à imaginação. Desde que tenhamos consciência
e consigamos discernir o que é real do que não é, não vejo onde é que está o
mal de sonhar e acreditar que podemos ser o que bem nos apetecer por alguns
instantes.
Com isto não
ignoro o facto de existirem problemas quando esta fuga à realidade é
despropositada e se torna um hábito. Fazer rotina da fuga não é saudável para
ninguém e terá como resultado uma fuga à realidade inevitável.
Assim, na
minha opinião, há que ver no cinema uma arte e na imprensa um poder. Na
primeira a oportunidade de sonhar e na segunda a tentativa de entender o mundo
e saber mais sobre aquilo que nos rodeia.
Mónica Ribau R_2
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