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domingo, 18 de novembro de 2012

“Agradeço!”




Várias são as crianças entregues a instituições para adopção, quer por razões económicas, quer por questões familiares complicadas. Segundo a Caracterização Anual da Situação de Acolhimento (CASA) da Segurança Social, no ano de 2011, 379 crianças foram acolhidas, mas a lista de espera não pára de crescer.
Porém, a questão da adopção não começou a existir só agora. Bruna Graça tem 21 anos e desde cedo que se deparou no sistema vigoroso e demorado das adopções. O Posts de Pescada quis conhecer melhor esta realidade e entrevistou-a.

Posts de Pescada: Com que idade foste adoptada?
Bruna Graça: A adopção plena só a consegui com 10 anos, mas fui adoptada em Maio de 1993, com dois anos e dois meses.

PP: Então foi um processo complicado?
BG: Sim. A minha mãe biológica nem sempre era cooperante. Nem sempre aparecia nas audiências em tribunal.

PP: Estavas em algum orfanato?
BG: Não. Estive três meses em casa de uns senhores que adoptaram a minha irmã, mas depois a minha mãe foi buscar-me.

PP: Os teus pais adoptivos conheciam a tua mãe biológica?
BG: Sim, porque a viam lá na rua. A minha avó biológica trabalhava para a minha avó adoptiva, e os meus pais conheciam assim mais ou menos a minha história.

PP: E o teu pai? Estava de acordo com essa situação?
BG: Nunca soube quem é. Em tempos pensou-se que fosse o mesmo que a minha irmã, mas a minha mãe negou. Já desconfiaram que fosse um militar que tinha estado no quartel em Tomar, porque ela ainda chegou a estar com ele. Mas pelos vistos não se tem a certeza, e ela também nunca quis contar a ninguém…ou porque era segredo, ou porque não sabia, aí fica a questão.

PP: E o resto da tua família biológica?
BG: Viviam no bairro e ainda vivem. É gente ligada à prostituição e à bebida. Nunca tive contacto com eles, só sabia quem eram.

PP: Depois de teres ido para casa dos teus pais adoptivos, estiveste mais alguma vez em contacto com a tua mãe biológica?
BG: Sim. Ela aparecia de vez em quando para me levar a passear, e os meus pais ficavam cheios de medo que eu não voltasse. Mas a última vez que ela me foi visitar foi no Natal de 1993 e só me deixou um boneco como recordação. Pelos vistos, nesse dia, ela fez um ultimato aos meus pais: ou eles davam-lhe dinheiro, ou ela levava-me. E desde aí que ela nunca mais apareceu.

PP: Tens irmãos biológicos?
BG: Que eu saiba só um. Meia-irmã. Chama-se Cátia e tem 24 anos. Foi adoptada com um ano. A minha avó vivia com o meu avô, que andava numa cadeira de rodas, e alguém os denunciou por andarem sempre embriagados e não conseguirem tomar conta dela. Mas aí a história é mais complicada e já envolve os senhores que a acolheram.

PP: E quanto à família com quem vives, porque decidiram acolher-te?
BG: Fui passar um dia a casa deles, mas quando me foram entregar à minha avó, ela não me quis, apenas disse que eu pertencia a eles. Nem sequer abriu a porta, falou pelo postigo. Os meus pais saíram de lá e foram contar o que se passava à assistente social. Foram à segurança social e depois surgiu a questão da adopção. Nunca mais ninguém soube do rasto da minha mãe.

PP: Foste adoptada com dois anos, mas os teus pais adoptivos contaram-te sobre a tua adaptação?
BG: Sim, sei tudo. Supostamente receberam-me a pensar que só ia ficar uns dias ou um fim-de-semana. A minha avó biológica deixou-me em casa deles apenas com uma mochilinha com roupa. Eu estava cheia de piolhos e toda suja, tinha feridas e a fralda de pano estava parcialmente agarrada à pele porque não me mudavam a fralda há muito tempo. Muitas vezes encontrava cascas de batatas e começava a comer, porque era o tipo de alimentação a que estava habituada na outra família. Quando cheguei a casa deles, tinha medo do meu pai, tremia quando ele chegava perto de mim. Pelos vistos tinha medo de homens e nunca ninguém soube o porquê. Mas adaptei-me muito rapidamente.

PP: Foste a única que eles acolheram?
BG: Não, adoptaram o Tiago quando eu tinha nove anos.

PP: E como reagiste quando eles te contaram?
BG: Adorei! Queria ter um irmão, e ele era mesmo recém-nascido. Fui vê-lo ao hospital com dias de vidas, e quando saí de lá comecei a chorar como se não houvesse amanhã, com medo de não o voltar a ver. Foi para nossa casa na semana a seguir, com 15 dias.

PP: Por fim, condenas a tua mãe por te ter deixado com os teus pais adoptivos?
BG: Nunca! Agradeço! Se não o tivesse feito, não saberia o que seria de mim agora.


Por: Vânia Santos
*Este artigo não está escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

Etiquetas: Adopção, Mãe biológica, Pais adoptivos, família

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