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sexta-feira, 26 de maio de 2017

O futebol contribui para o desenvolvimento das crianças?


O professor Hugo Sarmento responde




Entrevista a Hugo Sarmento: “Se as metodologias forem as adequadas, podem tornar-se resilientes, trabalhadores focados, com objectivos e cumpridores. As mesmas normas para jogadores diferentes têm resultados diferentes.”

Hugo Sarmento foi treinador e atualmente é investigador e professor na Faculdade de Ciências do Desporto (FCDEF) da Universidade de Coimbra (UC), onde a entrevista teve lugar. Foi possível perceber a enorme movimentação de alunos e desportistas.

É licenciado em Ciências do Desporto e Educação Física pela Universidade de Coimbra. Mestre em Treino de Alto Rendimento pela Universidade do Porto e doutor em Ciências do Desporto pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Possui um pós-doutoramento em Ciências do Desporto pela Faculdade de Motricidade Humana.

Exerceu o cargo de professor durante anos, no ensino secundário e no ensino superior. Dentro do ensino superior, trabalhou no Instituto Politécnico de Viseu e no Instituto Superior da Maia.

No mundo do futebol foi treinador do campeonato nacional de seniores de vários clubes da região de Coimbra e ocupou durante quatro anos o cargo de treinador na Academia do Sporting em escalões sub-10 e sub-13.


A entrevista foi realizada no âmbito de uma reportagem para unidade curricular Jornalismo Digital, do segundo ano do curso de Comunicação Social (reportagem aqui: https://goo.gl/VOIkUd).

Ao longo da entrevista procurei desmistificar de que forma o futebol contribui para o desenvolvimento das crianças, perceber qual o comportamento que os pais adotam e quais as suas consequências.



O futebol pode influenciar o desenvolvimento da personalidade das crianças?
Pode, como qualquer outra atividade do dia a dia. Até que ponto isso se pode mensurar é mais difícil de identificar e de tornar objetivo. Pode influenciar de várias formas, positiva ou negativamente. Se as metodologias forem as adequadas, podem tornar-se resilientes, trabalhadores focados, com objetivos e cumpridores. As mesmas normas para jogadores diferentes têm resultados diferentes. Há aspetos da personalidade deles que são intrínsecos e que não são moldáveis assim tão facilmente. E se o suporte parental não for adequado é um problema.

Que ensinamentos/ práticas devem ser inseridas para os fazer evoluir enquanto seres humanos? 
Há todo um conjunto de saberes e que tem a ver com princípios, normas, regras, que devem seguir e que é um dos principais suportes que o futebol pode dar a estas crianças. No entanto, existe um mundo de possibilidades que se encerram neste jogo desportivo coletivo. Mas depende muito da capacidade do treinador, do grupo de jogadores e dos pais.


Quais as diferenças entre treinar um adulto e treinar uma criança?
Em termos de metodologia de treino é completamente diferente. Existem fases sensíveis para desenvolver algumas das capacidades, nomeadamente a força, a resistência, a agilidade, a velocidade. Todas essas capacidades têm períodos sensíveis de desenvolvimento e necessitam de ser incrementadas nos mesmos. Portanto, há uma necessidade completamente diferente em relação aos adultos. Mesmo na forma como se lida com eles, como se fala com eles, como se planifica o treino para o tornar mais motivador. Isto acaba por ser muito diferente, se não leva a que eles abandonem a atividade desportiva. Nos seniores temos os seniores de rendimento, os seniores amadores e é muito diferente a abordagem no treino em função dessas especificidades. 

Quais os cuidados a ter quando se lida com crianças no desporto?
Há intensidades de treino que são completamente diferentes. Há uma forma de comunicar diferente. Com jovens tem de se comunicar de uma forma muito mais próxima, tem de se ser mais tolerante, cativante, porque o objetivo não é só incrementar o rendimento, embora nas academias o objetivo seja cada vez mais o rendimento. É a cima de tudo preparar o ser humano para a prática da atividade. E antes de qualquer tipo de rendimento, há que desenvolver o gosto pela prática da atividade física, que é isso que os torna adultos saudáveis, vão eles mais tarde pelo caminho do futebol ou não.

De que forma reagem as crianças às motivações (expetativas) criadas pelos treinadores e pelo desporto em si?
Há que ter cuidado com o nível dos nossos atletas. Se temos expetativas muito altas e eles não conseguem cumprir, isso pode levar a que eles abandonem a prática e proporcionar sentimentos de inferioridade perante os colegas, afetando-os negativamente. Mas isso é um aspeto que o treinador tem de dominar e saber gerir muito bem para perceber até que ponto os jogadores podem chegar.

De que forma o futebol, pelo reconhecimento e dimensão que tem, pode ajudar a combater o sedentarismo, a falta de autonomia dada pelos pais às crianças, entre outros problemas?
O futebol é uma modalidade que pela expressão que tem a nível mundial cativa as crianças para a sua prática. Ao estarem envolvidos neste contexto de equipa em que os pais não entram, pelo menos no balneário não entram. Em contexto de jogo e de treino entram cada vez mais, infelizmente. Mas o facto de eles estarem envolvidos no seio desta dinâmica permite que eles se tornem mais autónomos, que tomem decisões próprias, que se insiram na dinâmica de grupo e naturalmente a autonomia deles é favorecida. E em todas as viagens que vão jogar fora, para o estrangeiro, eles não têm o domínio dos pais e isso acaba por ser muito bom para eles se tornarem cada vez mais autónomos.


A presença dos pais em jogos e treinos é importante para as crianças?
É. Se for uma presença regular e moderada acaba por ser benéfica. Por isso é conveniente que os pais acompanhem os filhos na prática desportiva. A presença dos pais é importante. Só será má quando eles adotam comportamentos inapropriados e começam a pressionar os filhos, a questionar as decisões dos treinadores e a qualidade dos colegas. Isso faz com que os atletas tenham grandes problemas. 

Por exemplo, quando eu tava no Sporting tínhamos um atleta, na altura com 11 anos, foi dos melhores jogadores que eu vi em toda a minha vida! Era um jogador fantástico! Só que tinha um problema, treinava bem durante a semana (os pais não eram de lá e não podiam assistir) e a semana corria sempre bem. Ao domingo o pai ia ver o jogo, enquanto  jogo corria bem não havia problema. Ao primeiro passo que ele falhasse, a primeira falta que fizesse e era desnecessária, ele começava a olhar para o pai, que tinha sido também jogador de futebol e começava a chorar e eu tinha de o tirar do campo. E ele não deu jogador de futebol, está agora num clube de menor dimensão, amador, mas tinha todo um potencial para ser um grande craque.

De que forma o comportamento dos pais influencia (positiva ou negativamente) as crianças?
Qualquer comportamento negativo (pais a chamar nomes aos árbitros, a criticar os colegas, os adversários, a prestação do próprio filho e a dar continuamente indicações aos jogadores) cria-lhes transtorno e baralha-lhes a ideia de quem são os seus adultos de referência nos vários contextos.

Os comportamentos dos pais em jogos de futebol dos filhos têm sido alvo das atenções públicas pela negatividade que apresentam. Porque é que estes pais adotam este tipo de comportamentos?
Muitas vezes eles tentam projetar nos filhos aquilo que eles não foram e gostavam que os filhos fossem. Jogadores de excelência ou que atingissem determinado nível competitivo; que eles próprios não atingiram. Ou seja, projetam a sua sombra nos filhos e ao verem que os filhos não estão a conseguir esse objetivo, de certa forma, descarregam as suas frustrações nesse contexto. Outras vezes são mal educados e não conseguem ter a perceção disso.

O que precisam os pais dos atletas mais novos saber para que sejam adotados comportamentos mais corretos?
Eu acho que os pais sabem as consequências que os seus comportamentos podem ter nos miúdos. Não lhes dão é a devida importância. Quando um pai adota comportamentos negativos percebe que aquilo não está a ser positivo. Acho que é mais um caso de inconsciência.

Que papel devem desempenhar os pais?
O papel dos pais é um papel de suporte, de presença. Claro que estar num jogo, não digo que os pais tenham de ir a todos os treinos ou jogos, mas é óbvio que os filhos gostam que os pais vão, que assistam, que apoiem a sua equipa e que os apoiem. Um pai não tem de estar sempre a dizer a um filho que ele jogou bem, quando ele jogou mal. O filho também percebe isso. Agora, se o pai lhe fizer uma perspetiva correta de qual foi o seu desempenho, focando-se sempre que, mais do que a performance desportiva, o importante é ele praticar desporto, respeitar os colegas, os adversários, o árbitro e o treinador. Qualquer criança nesta situação, sente-se motivada para continuar porque sente confiança dos pais. Um pai que diga sempre ao filho que ele jogou muito bem, que foi o melhor, o filho percebe claramente que aquilo é mentira e não valoriza essas declarações.

Quais as consequências para os filhos de pais que adotam comportamentos incorretos na bancada?
Depende. Mas de uma forma genérica, se as crianças sentem o comportamento incorreto dos pais, elas podem ficar apreensivas perante a sua equipa. Podem sentir-se desmotivadas ou até mesmo abandonar a prática. Uma criança que não se sente confortável com o comportamento do seu pai na bancada não gosta de estar naquele contexto e pode não querer jogar.

O que deve ser feito para reduzir estes comportamentos em termos regionais e nacionais?
Eu acho que tem sido feito cada vez mais e há clubes a terem esse tipo de preocupações. Realizando palestras para os pais. A própria comunicação social tem dado um ênfase que ajuda a consciencializar sobre esta realidade. O caminho a  percorrer deve ser o de formar os pais para o papel que eles têm. E isto cabe não só aos clubes como é uma questão de cultura geral. Algumas das estratégias que se adotam quando se percebe que alguns pais são muito interventivos no treino e o prejudicam são organizar jogos , aulas e contratar alguém para andar à volta do campo, durante os treinos e jogos, para falar com os pais e assim evitar que estes destabilizem.

O que tem a dizer acerca da escolha por parte dos pais dos desportos para os seus filhos?
A escolha do desporto muitas vezes também reflete o estatuto social dos pais. Cada vez mais há uma tendência para não colocar os filhos em desportos coletivos e coloca-los em desportos elitistas (ténis, judo…). Mas devem ser os miúdos a escolher a prática desportiva que querem e na qual se sentem bem e felizes. O facto de os pais colocarem os filhos numa modalidade para que possam experimentar não é mau, desde que, no momento em que as crianças percebem o que gostam, lhes seja dada a liberdade de escolha. Porque ninguém fica numa modalidade obrigado e isso levará ao abandono.




Trabalho realizado por:
Rute Cunha

terça-feira, 17 de novembro de 2015

"Entre sentimentos de raiva e vingança, a vida que estava a levar destruía-me cada vez mais..."‏



Davide de Andrade, integrante da Força Jovem Europa (FJE), é hoje um jovem transformado, mas nem sempre foi assim. Desde bastante cedo lidou com diversos problemas que o levaram por caminhos que quase comprometeram a sua vida.
 
Davide, desde bastante cedo começaste a enfrentar diversos problemas. Sabes especificar mais ou menos a idade que tinhas quando tudo começou e quais os problemas que enfrentaste?
Foi a partir dos meu seis anos de idade que comecei a enfrentar vários problemas dentro de casa. Cresci num ambiente impróprio para uma criança, pois eram constantes as discussões entre o meu irmão e o meu pai e as agressões entre os meus irmãos (agressões estas derivadas do álcool). Por volta dos meus treze anos, já era uma criança rebelde, revoltada, nervosa e agressiva, e tudo devido às situações que vi e vivi desde bem novo. Para afastar-me do ambiente que tinha dentro de casa, comecei a conhecer "amigos" na rua. Morava num bairro social degradado na zona de Lisboa, onde havia muita confusão, desacatos, agressões, assaltos, mortes, etc., ou seja, as amizades que fui começando a ter não foram as melhores e, com estas, comecei a consumir drogas, tabaco e álcool. Comecei também a traficar e a participar em assaltos a lojas, carros e a pessoas.

Como foi viver como traficante?
Não tinha dinheiro, não trabalhava, os meus pais não me davam dinheiro e devido à droga e a ser tão novo, com esses novos "amigos", conheci traficantes e decidi entrar no tráfico. Comecei por ser o "rapaz dos recados", que leva a droga até o comprador e traz de volta o dinheiro, mas essa vida que levava não era fácil. Haviam vários traficantes nessa zona e a prioridade são os clientes. Sem clientes não havia nem dinheiro, nem droga e sem droga não havia nem clientes nem dinheiro e devido a isto, começaram a virar-se contra mim e contra o traficante "cabeça" com quem eu estava, por roubar a "clientela" deles. Nesse momento, começaram as ameaças e as discussões. Eu andava armado com facas de cozinha e revolveres de nove milímetros para minha segurança. Passado algum tempo de estar com esse traficante, criei a minha própria "banca", tornei-me eu próprio traficante e comecei a ter "rapazes de recados" agora a trabalhar para mim. Nesse período de tempo que se passou, tinha entre os dezassete e os dezoito anos, e agora como o "cabeça". A minha vida tinha neste momento o dobro ou o triplo do perigo que tinha anteriormente. No mundo do tráfico não existe amizade, existe sim parceria, não amizade. Dos amigos que tinha no início, foram poucos os que ficaram comigo. Entre sentimentos de raiva e vingança, a vida que estava a levar destruía-me cada vez mais.
 

Houve algum episódio que te marcou enquanto traficante?
O episódio que mais me marcou enquanto traficante foi quando me juntei com alguns parceiros do tráfico e decidimos assaltar uma "ProSegur" (carrinhas que transportam dinheiro para bancos e não só). Fizemos uma plano para assaltar, ficámos alguns dias a  vigiar a trajectória da carrinha, os lugares em que passava, o tempo que demorava, quantos homens estavam lá dentro, se a polícia seguia a carrinha ou não, enfim, tentamos descobrir tudo ao pormenor. Com alguns dias de vigilância, vimos que a PJ (Polícia Judiciária) seguia a carrinha à paisana até um determinado local e, depois, deixava de a seguir. Aparentemente, tudo estava em ordem. Tínhamos uma caçadeira na mala do carro, uma nove milímetros do meu lado direito dentro dos apoios do braço no banco de trás do carro, outra debaixo do volante do condutor e uma tesoura de cortar ferro na mala. O plano era de um de nós roubar uma mota (que também já estava a ser vigiada por nós há alguns dias) e com a tesoura de ferro arrancar as trancas da mota. Enquanto isso, os outros três iriam atrás da carrinha. Fomos buscar um parceiro noutro bairro, totalizando assim os 4 elementos necessários para o plano, e ao sairmos do bairro, o que ia a conduzir olha pelo retrovisor e vê um carro da PSP a vir com as luzes acesas. A PSP a ver um carro com quatro pessoas dentro e àquelas horas da noite, trancaram a rua, colocando-se literalmente atravessados no meio da rua atrás do nosso carro. A polícia veio, mandou-nos sair do carro e encostar junto à parede. Revistaram-nos, tiraram a droga que tínhamos, procuraram por todo o carro, mas não encontraram nada. Enquanto isso, outros policiais falavam com o parceiro que fomos buscar por último e mandaram-nos embora a pé, o carro ficou no mesmo sítio para que no dia seguinte o pudessem rever novamente. Concordamos em seguir viagem, ficamos a pé durante algum tempo e passado alguns minutos eles passaram pelo carro novamente para ver se este ainda lá estava. Logo que eles foram embora, entramos no carro e saímos dali para fora. A matrícula que estava no nosso carro era roubada, então não encontraram mais o carro. Até hoje não sei como nos livramos dessa. Esse foi o dia em que comecei a ver se valia a pena continuar a viver daquela forma...
 

Referiste uma certa dependência por drogas. A que te levou esse vício?
Sim, consumi e fui viciado em inúmeros tipos de drogas, desde o cheirar cola, haxixe, marijuana, cocaína e heroína. Estes vícios levaram-me até a roubar na minha própria casa e a participar em assaltos a lojas, comércios, carros e a pessoas na rua.
 

Com tudo isso, como lidavas com os teus familiares e eles contigo?
As discussões continuavam, mas agora era eu quem estava no controle dentro de casa. Um dia, o meu irmão começou uma briga comigo e puxou uma faca para me esfaquear e, mesmo sendo meu irmão, peguei num taco de basebol e bati-lhe com ele (não usei nem arma nem faca, pois sabia que aquilo não passava de uma bebedeira dele). Na mesma hora, o meu pai partiu para cima de mim e tive que lutar com os dois. Tudo estava cada vez pior dentro de casa. A minha mãe já nem podia com aquele ambiente, um verdadeiro "inferno", assim dizendo. Eu e o meu irmão começamos a ser rivais um do outro, já não havia união, não nos falávamos.
 

Qual o pior momento?
O pior momento foi quando fui preso. O mundo do tráfico é um mundo completamente diferente do que vivemos, parece mesmo outro mundo. Algumas amizades deste mundo denunciaram-me e fui detido. Fui apanhado com um revolver. Fui levado para a esquadra e da esquadra para a prisão, onde fiquei por dois dias a aguardar ser presente a juiz, pois era época de férias e nem sempre estavam juízes nessa altura lá. Até que me foi presente então ao juiz e decretaram-me quatro anos e meio de prisão. Este sim, foi o meu pior momento.

O que pensaste quando te viste sozinho, preso?
Pensei em tudo o que tinha feito até ali. Se valia a pena continuar nesse rumo...
Passar 4 anos fechado numa cela sem os tais "amigos", família, sem a liberdade que tinha.
Só pensei mesmo numa coisa: se saísse daquela situação, abandonaria toda aquela vida levava.


Bom, isso é passado. Conheceste o trabalho da Força Jovem Europa. Quem é o Davide hoje?
O Davide hoje é um jovem liberto dos vícios de droga, tabaco, álcool, mulheres.
Um jovem com um rumo de vida completamente contrário ao que levava. Hoje não preciso dessas amizades, sei escolher as boas amizades, que são aquelas que acrescentam algo de bom para mim e não o contrário.
Hoje, não sou mais esse jovem rebelde, revoltado e nervoso, ao ponto de agredir as pessoas à minha volta.
Não preciso de mulheres, tenho a minha esposa. Sou casado com 22 anos de idade.
Quem me conhece do passado diz "tu não és a mesma pessoa que andava comigo antes", "és tu o rapaz que me vendia droga e foi preso? Impossível". Hoje, estas frases fazem-me ter a certeza de que mudar o rumo da minha vida valeu a pena.
 

Fazes parte de que FJE?
Hoje faço parte da FJE de Pombal, lugar onde também serviu para a minha mudança. Na FJE, levaram-me a acreditar que vale a pena deixar as coisas más do passado para trás e poder levar um rumo de vida diferente, que existia solução para mim.
Sou grato ao trabalho da FJE por me estenderem a mão e não me colocarem de lado como a sociedade de hoje faz a outros jovens com histórias idênticas à minha.

Qual o teu conselho aos jovens que estão a passar pelo o que um dia tu passaste?
Eu aconselho a esses jovens a pensarem se vale a pena seguirem esse estilo de vida. Se por uma questão de fama, para serem conhecidos, ou para terem respeito, se vale a pena tudo isso, pois não os levará a lugar algum, só mesmo ao lugar de onde eu saí. Se não tens ninguém verdadeiramente amigo que te diga que podes mudar, eu digo: há como mudares! Como eu procurei, procura também tu algum representante da FJE mais perto de ti e desabafa, conta a tua história, deita para fora o que te corrói por dentro, seja um sentimento, seja o que for, que tal como eu fui ajudado, tu também vais ser!
Sem preconceitos, sejas quem fores, de que raça fores, aqui na FJE não há distinções, há sim uma oportunidade de mudares o teu rumo de vida. Força e coragem são umas das atitudes que terás de ter para seguir em frente!
 


Trabalho realizado por:
Daniela Silva
Grupo 4

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Doar sorrisos

Bernardo Beja, 20 anos e oriundo da Figueira da Foz, é aluno de Gestão na Nova SBE, Lisboa.
Ainda que concentrado nos seus estudos, e no seu último ano de licenciatura, Bernardo continua a pensar nos outros e em como os fazer sorrir, é desta forma que doa o seu cabelo sempre que pode.

Bernardo Beja, na Figueira da Foz
Bernardo, como é que surgiu a ideia de doares o cabelo?
Nunca dei grande importância ao meu cabelo, muitas pessoas me dizem que fico melhor de uma maneira ou de outra mas isso para mim nunca teve grande significado. Foi desta maneira que acabei por pensar que não seria de todo má ideia deixar crescer o cabelo e doá-lo.

A quem é que doas o teu cabelo?
Às crianças que estão no IPO e que estão a passar por tratamentos de quimioterapia e que, infelizmente, acabam por perder o seu cabelo. Tenho a certeza que lhe dão muito mais valor do que eu.

Sentes-te uma pessoa mais “realizada” depois desta experiência?
Claro que sim! Não só me sinto mais realizado como também uma pessoa mais feliz. Sou apologista de que maior parte das vezes é a ajudar os outros que nos sentimos mais felizes, por vezes são os pequenos gestos que mais importam.

Quais foram os procedimentos que tiveste que ter?
Quando me lembrei que fazer isto podia ser uma experiência enriquecedora, fui logo pesquisar o que é que era preciso ser feito para poder doar o cabelo ao IPO. A informação que encontrei na internet era bastante clara por isso o procedimento foi muito fácil. Primeiro basta que este não esteja pintado ou danificado (pontas espigadas), depois é fazer uma trança ou um rabo de cavalo com pelo menos 25 cm e enviar por correio ou mesmo no IPO segundo um horário que eles têm estipulado.

Qual foi a reacção da tua família e amigos quando souberam?
Penso que tenham ficado orgulhosos, sempre me deram apoio para iniciativas deste tipo. Os meus amigos estavam mais preocupados em me dizer como ficava melhor de cabelo rapado (risos). Mas para ser sincero e justo também não foi a muita gente que contei o que tinha feito.

A longo prazo há algum tipo de ajuda que dês aqueles que mais necessitam?
Sim, sim. A estudar em Lisboa é sempre um pouco mais difícil e acabei por ter de me afastar um pouco do voluntariado, mas sempre que volto à Figueira dou apoio numa instituição que ajuda o sem-abrigo a CASA.

Sentes que iniciativas como esta vão estar sempre presentes na tua vida?

Sem dúvida nenhuma. São coisas que eu faço por gosto e que acabam por ser retribuídas deixando-me feliz com o sorriso dos outros.

Joana Coutinho

Licenciar-me, sim ou não?

Beatriz Inácio frequentou o curso de Línguas e Humanidades no Externato Cooperativo da Benedita, durantes três anos, e foi finalista no ano lectivo 2012/2013, adquirindo um diploma que contou com a média final de 16 valores. Apesar do seu percurso académico se considerar bastante satisfatório, esta jovem decidiu não seguir o mesmo caminho que os seus colegas e amigos. Deixou a questão Ensino Superior para trás e dedicou-se, desde cedo, ao mundo do trabalho.

Beatriz Inácio


Quais foram os factores que a levaram a tomar a decisão de não continuar a estudar?
Não foi uma tomada de decisão, por assim dizer. Fui "obrigada" a tomá-la devido a questões financeiras. Como muitos jovens portugueses, vi-me obrigada a optar pela via profissional a fim de poder prosseguir estudos mais tarde.

A escolha de não querer ingressar no ensino superior foi algo que sempre esteve nos seus ideais, ou foi uma decisão tomada de um momento para o outro?
Foi uma decisão ponderada com antecedência. Quando estava a terminar o 12º ano já sabia que seria impossível prosseguir os estudos a menos que conseguisse conciliar um full time com a vida académica. Conheço bem as minhas capacidades e sabia que não iria conseguir aguentar esse ritmo, por isso, desde cedo me mentalizei que iria ter que trabalhar por algum tempo (indefinido) até atingir a estabilidade necessária para prosseguir os estudos.

Escolheu então não prolongar os seus estudos, qual é a sua ocupação hoje em dia?
Hoje em dia trabalho em full time num Call Center em Lisboa de segunda a sexta-feira, e ao fim de semana num café na minha localidade natal.

Perdeu o interesse pelos livros e pelo cultivar do seu lado intelectual? Hoje em dia considera-se uma pessoa menos dada ao saber por ter tomado a opção de não querer estudar mais?
Nunca. A minha paixão é e sempre será o dom da palavra. Acredito que não preciso de ingressar na universidade para continuar a aprender, considero-me uma autodidacta e não me sinto inferior, nem nunca fui inferiorizada, por não ter prosseguido os estudos. A minha vontade de aprender nunca cessará e vou "lutar" para, um dia mais tarde, voltar a estudar.

Acha que a falta de um curso superior, no seu currículo, pode afectar a sua vida futura em termos profissionais?
Obviamente que um curso superior é sempre uma mais valia. Mas eu vejo sempre o copo meio cheio e, para mim, uma licenciatura só é mais valiosa em certas áreas. Como comecei a trabalhar desde cedo em serviço ao balcão/mesas em restaurantes, a experiência profissional tem sido a minha mais bem valia.

Considera que, nos dias de hoje, é mais importante uma Licenciatura ou a experiência do universo de trabalho?
Como referi acima, depende das áreas. No meu caso, tenho feito valer a minha experiência profissional e tenho-me adaptado bem ao mercado de trabalho.

De que modo acha que tem prevalência ou inferioridade para com um estudante licenciado, perante uma entrevista de emprego?
Um estudante universitário tem sempre preferência, mas existem outros fatores que pesam na hora de escolher um empregado/funcionário. Durante a minha experiência profissional apenas me senti discriminada uma vez - mas estava a candidatar-me a um cargo mais específico numa empresa de Marketing e Publicidade, área em que apenas tenho conhecimentos e não diploma.

Tendo em conta os números de emigrantes jovens-licenciados, que partem rumo a um futuro mais promissor, considera que a sua escolha foi a mais acertada?
Ir para o estrangeiro, quer para estudar como para trabalhar, não está fora das minhas perspetivas, apenas ainda não tive oportunidade de tomar uma decisão final.

Quando tomou a sua decisão qual foi a reacção dos seus familiares, na altura, encarregados de educação?
Tanto a minha família como os meus amigos sabiam da minha situação. Obviamente que me apoiaram e me ajudaram a explorar trajetos alternativos à faculdade.

Mesmo não tendo passado pela experiência, como caracteriza a vida de um estudante universitário?
É a minha vida de sonho. Tudo o que quero é poder passar o resto da minha vida a estudar pois não há nada melhor que adquirir conhecimento. Desde as praxes até à queima das fitas, passando pelos convívios, batismo, aulas, ideologias, etc, é tudo uma experiência incrível. Vendo os meus amigos sinto um orgulho imenso por poder estar ao seu lado num dos momentos mais bonitos e marcantes da sua vida e anseio todos os dias pelo dia em que vou conseguir estar no seu lugar.

Para si, hoje em dia, a escolha de não ter ingressado em nenhum curso do ensino superior é algo que se arrepende?
Não me arrependo pois foi a escolha mais sensata.

Neste momento, preferia tirar um curso superior numa Universidade ou Politécnico, ou acha mais sensato recorrer aos programas de cursos profissionais?

Neste momento, a curto prazo, mais facilmente irei ingressar num curso profissional pois seria menos demorado, mas a curto prazo, e é o meu objetivo, irei, seguramente, ingressar numa Universidade ou Politécnico.

Pauline Rebelo

Uma estudante-manequim

Ana Baptista
Num mundo em que a moda não passa despercebida e onde a curiosidade pelas novas tendências reina, Portugal está cada vez mais relacionado com este projeto que fascina inúmeras pessoas.
Ana Baptista, uma jovem manequim de 18 anos, atual estudante de arquitetura na Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa mas proveniente de Coimbra, partilha connosco um pouco acerca da sua experiência profissional nesta área.

Quando começou a pensar em agenciar-se?

Nunca pensei em me agenciar. No 9º ano fui a uma visita de estudo à Futurália, onde se encontravam também em exposição, algumas agências de modelos que quiseram ficar com o meu contacto. A certa altura uma senhora veio ter comigo a divulgar a sua agência e perguntou-me se eu não queria tirar umas fotos. Não sabia o que fazer mas o meu professor de ciências que nos acompanhava, insistiu para eu aceitar e acabei por o fazer. Tiraram-me algumas fotos e as medidas e disseram que me iriam contactar. Umas semanas depois, quando até já nem me recordava do episódio, recebi uma chamada da Diretora da agência. Acabei por ir a Lisboa com os meus pais e depois de uma reunião fiquei agenciada pela ML.

Quem a motivou a fazê-lo? Porquê?

A minha família, os meus amigos e professores sempre insistiram comigo para experimentar pois diziam que tinha o perfil perfeito para ser modelo.

Por que agências já passou e em qual se encontra agenciada no momento?

Já passei pela ML agency (entre 2011 e 2013) e neste momento estou na Elite Lisbon (desde Setembro de 2013)

Já deve ter ido a muitos castings, sofreu alguma desilusão?

Sim, já fiquei desiludida algumas vezes, mas é normal, estou num mundo onde há muita concorrência e onde as coisas nem sempre são justas. Só fico um pouco triste na altura mas rapidamente passa, não vale a pena estar a sofrer.

Que experiência a marcou até então como manequim?

A minha ida à China para representar Portugal na final internacional do concurso Elite Model Look  2013, foi sem dúvida a maior experiência que tive. Foi uma experiência de 15 dias com muitas sessões fotográficas, muita aprendizagem com mentoras experientes e de onde trago algumas amizades.

Agora que estuda arquitetura, consegue conciliar com o mundo da moda?

Sim claro, há tempo para tudo, apesar de estar num curso bastante trabalhoso. Temos de ter as nossas prioridades bem definidas e organizar bem o tempo. Tudo se consegue.

Concorda que Coimbra não seja uma terra de oportunidades, para quem quer seguir esta profissão?

Concordo e penso que é uma afirmação extensível a outras profissões.

Considera justo o mundo da moda ou já se sentiu injustiçada?

Não é um mundo justo. Deparamo-nos com muitas situações onde "a cunha" prevalece. 

Para terminar, quem é a sua manequim de eleição?


Tenho várias, como por exemplo, Charlotte Di Calypso, Cara Delevingne e Liu Wen.

Natacha Roxo

Portugal, um ponto de partida

Dina Moura tem 29 anos e é licenciada em Psicologia do Desporto (curso que já não existe) e concluiu um Mestrado em Psicologia da Educação na UTAD. Dina é mais uma jovem portuguesa qualificada pertencente à nova geração de emigrantes que parte todos os dias para o estrangeiro em busca de uma vida que não lhes negue oportunidades. Dois anos depois de ter concluído os seus estudos, achou que já lhe tinham sido negadas demasiadas oportunidades. E foi então que tomou a grande decisão da sua vida: emigrar.

Dina Moura

Para que país emigraste?
Emigrei para a Suíça no dia 21 de fevereiro de 2013.

Que razões te levaram a emigrar? Emigraste sozinha?
Emigrei porque me sentia completamente em crise. Além do meu país estar em crise, eu própria me sentia em crise. Não via qualquer perspetiva de futuro em Portugal. E já não me sentia lá bem. A minha vontade era mesmo sair. Emigrei sozinha e vim para casa dos padrinhos do meu irmão que não são família mas que me são muito chegados.

O que sentiste no momento da partida?
Quando parti sinceramente só me apetecia mesmo isso, partir. E senti que era essa a decisão a tomar. Estava completamente determinada.

Como foi a adaptação à tua vida na Suíça?
Adorei a Suíça desde o primeiro minuto. A adaptação não poderia ter sido melhor. Senti-me em casa desde o primeiro momento. Mas isso talvez se deva ao facto de ter nascido aqui nesta mesma cidade onde resido atualmente, Lucerna, e de ter vivido aqui durante sete anos. Tenho muitas recordações. Foi um regresso às origens.

Gostas dos costumes e tradições suíços?
Gosto muito dos costumes e tradições suíças. Embora neste aspeto goste mais dos de Portugal.


Dina Moura passeando em Lucerna no primeiro nevão deste outono de 2014.


Quando chegaste, em que área começaste a trabalhar?
Assim que aqui cheguei o meu objetivo era apenas um: arranjar qualquer trabalho, sentir-me digna, e ganhar dinheiro para poder fazer o que quisesse. Comecei a servir num restaurante aos fins-de-semana, aos ábados à noite e domingos à tarde. Passadas duas semanas comecei nas limpezas. Antes disto fui sozinha procurar trabalho em hotéis sem conhecer nada da cidade. Consegui fazer uma prova num deles mas depois decidi escolher as limpezas. O trabalho de hotel aqui na Suíça mais me pareceu uma escravidão. É que isto aqui não é de todo um mar de rosas.

E em que é que trabalhas atualmente?
Neste momento continuo na mesma firma de limpezas. Estive um ano também no restaurante. O que significa que trabalhava sete dias por semana. Nas limpezas trabalho cerca de 40 horas semanais, por vezes mais. O horário normal é das seis da manha às 15h com uma hora de pausa para o almoço. Tenho também umas horas de limpeza numa senhora particular e por vezes faço mais horas quando alguém tem férias. Na firma pagam a cerca de 15 francos limpos à hora. Na privada pagam-me 25 francos limpos. O trabalho na firma rende-me uma média de 2700 francos limpos.

Para além disso, tens mais atividades? O que costumas fazer nos teus tempos livres aí?
Nos tempos livres ando muito de bicicleta, estou inscrita num ginásio, passeio muito nas montanhas, jogo ping pong, e brevemente vou jogar ténis. Uma vez por semana tenho aulas privadas de alemão. 

De que é que sentes mais falta?
Sinceramente apenas sinto falta da minha família. E do sol e da comida.

Sentes-te desiludida com "o teu Portugal"?
Portugal é uma desilusão. Vivi muitos bons momentos mas como se quer viver e ser feliz num país completamente corrupto e destruído? Não dá. Gosto de justiça. Na Suíça a justiça funciona. Tudo funciona.

Vês algum futuro em Portugal para os jovens desta geração?
O único futuro que vejo em Portugal para os jovens é unicamente ou para quem tem cunhas ou para quem tem dinheiro ou negócios de família.

O que achas que devia mudar? O que sentes que está mal?
Esta é a pergunta mais difícil. O sistema político é uma total catástrofe. Do que mais se ouve falar é que este ou aquele foi acusado disto ou aquilo. Por isso desliguei-me das notícias portuguesas. Cansei-me de ouvir falar dos deputados, dos ministros, do Presidente da República. Perdi a paciência. Os problemas de Portugal estão enraizados. Cortar estas raízes de erros sucessivos vai demorar uns bons anos. Parece que tudo está a andar para trás e a afundar-se. Sistema de saúde, educativo, económico, bancário e por aí em diante.

Faz uma breve comparação entre Portugal e a Suíça, nos bons e nos maus aspetos.
Portugal tem alegria, tem cor, tem mar, tem sol, tem boa gastronomia, tem inovação e investigação de alta qualidade. Mas tem falta de energia, tem as pessoas erradas à frente do país, e tem muitas pessoas de nariz empinado. O desemprego era inevitável num país onde se criaram meninos especiais mas que o mercado não conseguiria absorver. E então esses meninos especiais ficam no desemprego a pensar que são especiais só porque tem um diploma universitário na mão. Não. Ninguém é especial porque estudou. A suíça tem a natureza, tem justiça, tem ordem, tem organização. Depois destas qualidades a felicidade vem por acréscimo. Por outro lado a rigidez suíça parece demasiada. O clima não é dos melhores. E a gastronomia quase inexistente.

Quando pretendes regressar? Achas que a tua vida vai estar na Suíça nos próximos anos?
Só pretendo regressar quando me reformar. Estou bem aqui. Depois de poder fazer uma vida tranquila aqui porquê querer voltar a Portugal onde só tinha preocupações? Não. Emigrar para mim foi perfeito e depois de um ano e meio sinto-me completamente integrada e feliz.

Francisco Lopes