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sábado, 10 de novembro de 2012

Desaparecido em Combate

A Guerra do Ultramar vitimou muitos portugueses que nunca mais tiveram a oportunidade voltar para Portugal e estar com as suas famílias. No entanto existem vários ex-combatentes que conseguiram voltar e contar as suas histórias. Num numero bastante mais reduzido ainda há portugueses que para além de ex-combatentes são também ex-prisioneiros de guerra. Duarte Dias Fortunato de 62 anos, residente na Figueira da Foz é uma dessas pessoas que conseguiu sobreviver a 43 meses de prisão na Guiné, e foi denominado o desaparecido em combate.
 
Posts de Pescada: Como foi a sua reacção quando descobriu que tinha de ir para a guerra lutar por uma causa em que poucos acreditavam?
Duarte: Como eu todos fomos obrigados a ir defender as nossas colónias para África, a reação nunca pode ser boa visto que deixei a minha família para trás sem saber se algum dia os ia voltar a ver.
 
PP: E quando lá chegou?
D: Quando lá chegamos deparamo-nos com uma situação que não estávamos a espera, os nossos números eram bastante inferiores e pior, não conhecíamos o terreno.
 
PP: Foram essas as razões para a nossa derrota?
D: Sim são algumas, mas foi desde início uma guerra sem sentido, já todos os países da europa tinham libertado as suas colónias, menos Portugal. E morreram assim pessoas a lutar por uma causa perdida.
 
PP: Como foi capturado?
D: Foi numa emboscada que nos fizeram na mata sem estarmos a espera, a maior parte conseguiu fugir, outros morreram, eu fui capturado. Naquele momento percebi que tinha perdido a minha liberdade e que me tinha tornado num simples prisioneiro a mercê do nosso inimigo.
 
PP: Sentiu que a sua morte estava perto naquele momento?
D: Sem dúvida pensei que os meus dias iam acabar por ali, mas de repente o comandante do grupo, ordenou que não me fizessem mal visto que eu não tinha vindo para a guerra voluntariamente mas sim obrigado, e que como eles eu era um ser humano.
 
PP: Nesse momento o que pensou?
D: Muitas coisas me vieram a cabeça, ganhei um bocado de esperança em poder vir a ser libertado, e também perdi algum medo, mas eu vi nos olhos do resto do grupo a vontade que tinham em fazer me mal e de se vingarem, e isso bastou para me intimidar mais.


PP: Então quando o comandante não estava por perto o que acontecia?
D: Era constantemente agredido, vinham uns pontapés depois uns empurrões e passava o tempo todo assim.
 
PP: Porquê "Desaparecido em combate"?
D: Ninguém sabia o que me tinha acontecido, se tinha sido preso se tinha fugido ou se tinha sido morto.
 
PP: O que lhe custou mais nos 43 meses de prisão?
D: Foi uma tortura a nível físico e mental, era espancado para lhes dizer onde era a nossa base, só comia arroz cozido sem sal, a solidão era muita, mas sem dúvida o que me custou mais foi a distancia da minha família.
 
PP: Que noticias tinham eles?
D: A eles já tinha sido comunicado o meu desaparecimento, e com o passar dos anos acabaram por fazer o meu funeral sem qualquer esperança do meu regresso, ou de sequer estar vivo.
 
PP: E você tinha essa esperança?
D: Bem, eu sonhava em um dia poder voltar para casa, para a minha mulher e para uma filha que tinha nascido pouco antes de partir para a Guiné, mas a esperança era pouca, a situação era bastante difícil.
 
PP: Como foi quando soube que ia ser libertado?
D: Certo dia apareceram uns guardas com uns rádios e diziam para nós "Tuga tuga, Marcelo caiu", referiam-se ao 25 de Abril em Portugal.
 
PP: Qual foi a sua reacção?
D: A alegria era imensa, só pensava na minha família, que os ia voltar a ver, que consegui superar 43 meses de prisão em condições miseráveis.
 
PP: O que aconteceu depois?
D: Fomos trocados por outros prisioneiros, tratados com cuidados médicos e levados para Portugal de avião.
 
PP: Como foi quando chegou?
D: Quando cheguei, fui directamente a casa da minha irmã que tinha em lisboa, ao baterem a porta dizendo que o seu irmão estava lá, ela gritou da janela que isso era impossível visto que tinha desaparecido na Guiné.
 
PP: E quando ela reparou que era verdade?
D: Desmaiou, quem abriu a porta foi a minha sobrinha. Reparei que estavam de luto pela minha morte. Mas depois acabei por passar uns dias no hospital de Lisboa visto que me encontrava bastante fraco, tanto física como psicologicamente
 
PP: O que pretende fazer com esta história?
D: Muito mais havia para contar, pois cada dia que lá passei foi de fome, sofrimento, morte e vida por um fio nos longos 3 anos e 202 dias que passei preso por uma causa injusta. No entanto já tenho uma espécie de livro que conta mais detalhadamente a minha história.


Foto tirada no dia 14SET no Hospital Militar de Bissau aos sete prisioneiros de Bafatá. O Fortunato é o terceiro a contar da direita.
 
 
por: Eduardo Fortunato
*Este artigo não abrigo do novo Acordo Ortográfico

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