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sábado, 3 de novembro de 2012

Paredes limpas, povo mudo!





Festival 4Vertentes (Leiria) Fotografia: Sofia Ferreira
O graffiti não é  nenhuma forma gratuita de vandalismo sobre o património público ou propriedade privada. Muito pelo contrário. Quem pega numa lata não pretende dar largas a um desejo de destruição, mas sim mostrar a sua criatividade.



Graffiti é o nome dado a todo o tipo “de inscrições feitas em paredes, desde o Império Romano.” O termo englobava qualquer signo desenhado na pedra. Do grego “grafein” e do latim “grafiare” tinha, antigamente, a conotação semântica de inscrição icónica e textual. Generalizou-se pelo globo a partir de Maio de 1968, quando no contexto de revolução política e cultural, os muros de Paris foram tomados por inscrições de carácter poético e político. A sua popularidade começou por ganhar forma nas ruas de Nova Iorque, na década de 1970. Era vista como a expressão plástica de uma cultura vasta, o Hip Hop, associado às comunidades hispânicas e afro-americanas que eram alvo de discriminação. Esses jovens asfixiados pela exclusão racial e social encontraram nas paredes dos seus bairros a tela perfeita para dar voz a sentimentos de revolta. Conta-se que o primeiro writer (escritor de graffiti) era um miúdo que começou a pintar as paredes de Nova Iorque com um tag (nome/pseudónimo do artista) que era um número, o que causou nas pessoas uma grande suspeita e intriga era apenas e somente o número da porta onde vivia.

Em território Luso, é difícil estabelecer um perfil social ou económico sobre quem produz o graffiti, é no entanto associado a grupos marginais. Mas há mais pessoas a pintar que não são propriamente pobres, até porque as latas são caras, é preciso poder económico para pintar algo elaborado, com várias cores. Os writers são pessoas atentas que pertencem a grupos bastante coesos que alimentam um apurado sentido de respeito pelo trabalho de cada um. Por isso mesmo, crossar (Cross - pintar/riscar um graffiti ou assinatura por cima de um trabalho de um outro writer;) um graffiti de alguém é visto como uma provocação.

Entre os optimistas amantes da arte de rua e os mais críticos, é um assunto que ganha cada vez mais relevância e até contravenção, actualmente é já considerado uma expressão incluída no campo das artes visuais, mais especificamente, da arte urbana, onde os espaços públicos são aproveitados por estes artistas para passar mensagens. São inscrições anónimas que atestam a presença de um autor.

É especialmente pela calada da noite que o writer de lata na mão dá largas à sua imaginação, criatividade ou, simplesmente, a um estado puro de adrenalina. Cada objecto que o writer/graffer pinta ganha um novo transparecer perante o amanhecer, abordado pelos olhos de cada cidadão entre a arte e o vandalismo. As opiniões dividem-se. “Não gosto de ver as fachadas dos prédios escritas, prefiro murais em locais apropriados que transmitam uma mensagem” relata António Ferreira, bancário e residente na cidade de Pombal, onde as superfícies urbanas ganham cada vez mais cor.

O graffiti é um misto de sensações para quem o pinta, uma ambição em larga escala, um sentido de protagonismo, egocêntrico, pois há a necessidade de o expor. “Para mim, o graffiti é uma forma de expressão artística e afirmação de cada writer através do seu estilo. Não gosto da indiferença como é tratado e da comparação feita com vandalismo, mas percebo essa visão da sociedade perante certos trabalhos”, explica Luís Pinto (“Toups” é o seu tag), antigo estudante de design gráfico que se ocupa da arte urbana nos seus tempos livres, já fez graffitis em locais apropriados a convite de entidades responsáveis pelos diversos espaços onde pintou. Por outro lado, “Ro!”, tag de outro writer, considera que graffiti “é escrever o nome em qualquer lado de forma a espalhá-lo”. O paradoxo é claro: existe o objectivo de conseguir visibilidade mas sem que o autor seja visto. Logo, o writer espalha a sua marca e o seu nome através de um tag, escondendo assim a sua verdadeira identidade.


Bombing vs Hall of Fame
“Toups” é um writer que gosta preferencialmente de dar a cara nos seus trabalhos, não tem por hábito pintar clandestinamente. Os seus trabalhos são produzidos às claras, com tempo, paciência e preocupações estéticas – aquilo que na gíria do graffiti se denomina de hall of fame. “Por ser mais elaborado, o Hall of Fame transmite outro tipo de reacção nas pessoas que o olham.” acrescenta. No extremo oposto encontra-se o bombing, quem tem um carácter mais clandestino – “como uma emboscada rápida e mortífera”. São trabalhos incisivos, por vezes um mero tag (assinatura), feitos normalmente de noite. “Ro!” gosta, acima de tudo, de espalhar o seu nome. “Prefiro bombing, gosto de pintar em sítios ilegais, e de me sentir procurado.” A socióloga Catarina Dias explica na sua tese de licenciatura “Do Outro Lado do Muro: produção de laço social numa comunidade graffiter”: “O bombing corresponde aos hackers da informática – pretende mostrar as fragilidades do sistema.”


Trabalho produzido por "Toups" (Pombal)

Há limites no graffiti?
 “Não podemos estabelecer limites no graffiti, caso o fizéssemos não existiriam metade das pinturas e não haveria evolução”, relata Toups. É necessário quebrar as convenções clássicas que compartimentam as artes plásticas (pintura, escultura,…) e excluem, tradicionalmente, o graffiti. No entanto, e obstante a ideia de limitar o graffiti, os próprios writers fazem distinção entre aqueles que levam o graffiti a sério e os outros – denominados de toys (“brinquedos”) – que pintam para estragar. As imagens oferecidas pelos graffitis são os indicadores da percepção que o writer possui da sociedade e do mundo.



Graffiti estático. Autor: Odeith
Graffers vs Legalismos

Também neste campo as opiniões divergem. Toups considera que o graffiti deveria de ser legalizado “pois é uma forma de arte como outra qualquer, mas é especial!”, por outro lado Ro! afirma que prefere a sua ilegalidade “se não perderia a piada de pintar na rua”. Na verdade, apesar de se tratar de uma actividade enquadrada no crime de dano qualificado nunca em Portugal um writer cumpriu tempo de prisão. Para tal seria necessário que os proprietários das superfícies pintadas apresentassem queixa o que apenas se verifica em casos muito isolados, pois já é uma actividade com algum grau de aceitação pessoal. O papel dos agentes de autoridade consiste em tentar prevenir ou até mesmo apanhar o writer em flagrante delito. Existe, portanto, uma base de dados com os tags/assinaturas dos graffers e os grupos a que pertencem (“crews”). É no entanto importante salientar, que apesar de este ser, na maior parte dos casos, um movimento eminentemente artístico associado à delinquência juvenil, é raramente ligado à violência dos gangs.  


por: Sofia Ferreira

O artigo não está escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico  

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