Festival 4Vertentes
(Leiria) Fotografia: Sofia Ferreira
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O graffiti não é nenhuma forma gratuita de vandalismo sobre o património público ou propriedade privada. Muito pelo contrário. Quem pega numa lata não pretende dar largas a um desejo de destruição, mas sim mostrar a sua criatividade.
Graffiti é o nome dado a
todo o tipo “de inscrições feitas em paredes, desde o Império Romano.” O termo
englobava qualquer signo desenhado na pedra. Do grego “grafein” e do latim
“grafiare” tinha, antigamente, a conotação semântica de inscrição icónica e
textual. Generalizou-se pelo globo a partir de Maio de 1968, quando no contexto
de revolução política e cultural, os muros de Paris foram tomados por
inscrições de carácter poético e político. A sua popularidade começou por ganhar
forma nas ruas de Nova Iorque, na década de 1970. Era vista como a expressão
plástica de uma cultura vasta, o Hip Hop, associado às comunidades hispânicas e
afro-americanas que eram alvo de discriminação. Esses jovens asfixiados pela
exclusão racial e social encontraram nas paredes dos seus bairros a tela perfeita
para dar voz a sentimentos de revolta. Conta-se que o primeiro writer (escritor de graffiti) era um miúdo que
começou a pintar as paredes de Nova Iorque com um tag (nome/pseudónimo do artista) que era um número, o que causou nas pessoas uma grande
suspeita e intriga era apenas e somente o número da porta onde vivia.
Em
território Luso, é difícil estabelecer um perfil social ou económico sobre quem
produz o graffiti, é no entanto
associado a grupos marginais. Mas há mais pessoas a pintar que não são
propriamente pobres, até porque as latas são caras, é preciso poder económico
para pintar algo elaborado, com várias cores. Os writers são pessoas atentas que pertencem a grupos bastante coesos
que alimentam um apurado sentido de respeito pelo trabalho de cada um. Por isso
mesmo, crossar (Cross -
pintar/riscar um graffiti ou
assinatura por cima de um trabalho de um outro writer;) um graffiti de alguém é visto como uma
provocação.
Entre os optimistas amantes da arte
de rua e os mais críticos, é um assunto que ganha cada vez mais relevância e
até contravenção, actualmente é já considerado uma expressão incluída no campo
das artes visuais, mais especificamente, da arte urbana, onde os espaços
públicos são aproveitados por estes artistas para passar mensagens. São inscrições
anónimas que atestam a presença de um autor.
É especialmente pela calada da noite
que o writer de lata na mão dá largas
à sua imaginação, criatividade ou, simplesmente, a um estado puro de
adrenalina. Cada objecto que o writer/graffer pinta ganha um novo
transparecer perante o amanhecer, abordado pelos olhos de cada cidadão entre
a arte e o vandalismo. As opiniões dividem-se. “Não gosto de ver as fachadas dos prédios escritas, prefiro murais em
locais apropriados que transmitam uma mensagem” relata António Ferreira,
bancário e residente na cidade de Pombal, onde as superfícies urbanas ganham
cada vez mais cor.
O graffiti
é um misto de sensações para quem o pinta, uma ambição em larga escala, um
sentido de protagonismo, egocêntrico, pois há a necessidade de o expor. “Para mim, o graffiti é uma forma de
expressão artística e afirmação de cada writer através do seu estilo. Não gosto
da indiferença como é tratado e da comparação feita com vandalismo, mas percebo
essa visão da sociedade perante certos trabalhos”, explica Luís Pinto
(“Toups” é o seu tag), antigo
estudante de design gráfico que se ocupa da arte urbana nos seus tempos livres,
já fez graffitis em locais
apropriados a convite de entidades responsáveis pelos diversos espaços onde
pintou. Por outro lado, “Ro!”, tag de
outro writer, considera que graffiti “é escrever o nome em qualquer lado
de forma a espalhá-lo”. O paradoxo é claro: existe o objectivo de conseguir
visibilidade mas sem que o autor seja visto. Logo, o writer espalha a sua marca e o seu nome através de um tag, escondendo assim a sua verdadeira
identidade.
Bombing vs Hall of Fame
“Toups” é um writer que gosta preferencialmente de dar a cara nos seus
trabalhos, não tem por hábito pintar clandestinamente. Os seus trabalhos são
produzidos às claras, com tempo, paciência e preocupações estéticas – aquilo
que na gíria do graffiti se denomina
de hall of fame. “Por ser mais elaborado, o Hall of Fame transmite outro tipo de reacção
nas pessoas que o olham.” acrescenta. No extremo oposto encontra-se o bombing, quem tem um carácter mais
clandestino – “como uma emboscada rápida e mortífera”. São trabalhos incisivos,
por vezes um mero tag (assinatura),
feitos normalmente de noite. “Ro!” gosta, acima de tudo, de espalhar o seu
nome. “Prefiro bombing, gosto de pintar
em sítios ilegais, e de me sentir procurado.” A socióloga Catarina Dias
explica na sua tese de licenciatura “Do Outro Lado do Muro: produção de laço
social numa comunidade graffiter”: “O
bombing corresponde aos hackers da informática – pretende mostrar as
fragilidades do sistema.”
Trabalho produzido
por "Toups" (Pombal)
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Há limites no graffiti?
“Não
podemos estabelecer limites no graffiti, caso o fizéssemos não existiriam
metade das pinturas e não haveria evolução”, relata Toups. É necessário
quebrar as convenções clássicas que compartimentam as artes plásticas (pintura,
escultura,…) e excluem, tradicionalmente, o graffiti.
No entanto, e obstante a ideia de limitar o graffiti,
os próprios writers fazem
distinção entre aqueles que levam o graffiti a sério e os outros – denominados
de toys (“brinquedos”) – que pintam
para estragar. As imagens oferecidas pelos graffitis
são os indicadores da percepção que o writer possui da sociedade e do mundo.
Graffiti estático.
Autor: Odeith
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Graffers vs Legalismos
Também neste
campo as opiniões divergem. Toups considera que o graffiti deveria de ser legalizado “pois é uma forma de arte como outra qualquer, mas é especial!”,
por outro lado Ro! afirma que prefere a sua ilegalidade “se não perderia a piada de pintar na rua”. Na verdade, apesar de
se tratar de uma actividade enquadrada no crime de dano qualificado nunca em
Portugal um writer cumpriu tempo de
prisão. Para tal seria necessário que os proprietários das superfícies pintadas
apresentassem queixa o que apenas se verifica em casos muito isolados, pois já
é uma actividade com algum grau de aceitação pessoal. O papel dos agentes de autoridade
consiste em tentar prevenir ou até mesmo apanhar o writer em flagrante delito. Existe, portanto, uma base de dados com
os tags/assinaturas dos graffers e os grupos a que pertencem
(“crews”). É no entanto importante salientar, que apesar de este ser, na maior
parte dos casos, um movimento eminentemente artístico associado à delinquência
juvenil, é raramente ligado à violência dos gangs.
O artigo não está escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
por: Sofia Ferreira
O artigo não está escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
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