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segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Um Arraial de Poupança

 
Noites de luar, luzes coloridas, holofotes e a brisa quente do verão, que faz rodopiar o vestido das bailarinas, criam o ambiente festivo a que qualquer apreciador de música de arraial sabe dar valor.
 
Trinta e seis teclas brancas e vinte e cinco pretas, seis cordas fixas a uma estrutura de madeira, um conjunto de pratos e tambores e uma voz de cortar a respiração são os elementos necessários para constituir uma banda. Ao falar-se de uma banda fala-se da animação dos bailaricos tradicionais - geralmente de verão - conhecidos nas aldeias por arraiais. No entanto, hoje em dia, nem só as grandes bandas animam estas festas de cariz popular.
Com o tempo, substituíram-se as bandas prestigiadas por teclistas e vocalistas independentes devido à degradação da conjuntura económica do país. «Hoje em dia, contratar um teclista ou um vocalista independentes fica muito mais económico para a Comissão de Festas do que estar a contratar uma banda que nos leva muito mais por apenas uma hora de espetáculo» – confessa António Oliveira, presidente da Associação Cultural e Recreativa de uma aldeia festiva.
A crescente procura de preços cada vez mais acessíveis faz com que seja dada prioridade à quantia a pagar e não à qualidade do artista em si. Muita da animação dos bailes e festas das pequenas aldeias é proporcionada por aprendizes de um ou outro instrumento que encontram nos bailes uma oportunidade de ganhar experiência e fazer dinheiro facilmente. O músico aprendiz Filipe Mineiro confessa, «Entrei no mundo da música muito novo e o que para mim representava uma brincadeira transformou-se num trabalho árduo e contínuo que me proporciona uma vida monetária estável, mas, mais importante ainda, um bem-estar social agradável. Gosto muito do que faço, pois a música preenche o meu todo.»
Antigamente, uma pessoa só aprendia a tocar um instrumento quando achava que poderia ter um dom ou quando achava que tinha ouvido para a música. Hoje não. Qualquer pessoa que queira aprender a tocar um instrumento, tem acesso fácil a tudo o que lhe é necessário, tanto para aprender, como para adquirir o seu próprio material. Embora para certos instrumentos seja necessário um grande investimento financeiro.
«Vemos que hoje em dia há cada vez mais oferta. Há muitas pessoas que compram um teclado e ritmos feitos, músicas sequenciadas. Basta carregar num botão e já estão a fazer um baile.» – refere Mikael Lopes, teclista/vocalista e professor de música.
«Hoje em dia, e cada vez mais, as pessoas vêem a música como um negócio e não um hobby, até porque isso se reflete depois no profissionalismo da pessoa em
questão. Hoje também, grande parte dos ditos ‘músicos’ recorrem às novas tecnologias para fazer um bom trabalho, em vez de se esforçarem a estudar e aprender.» - explica Filipe Mineiro, músico aprendiz.
Se não estivermos na presença de um bom músico, mas sim de um aprendiz ou de um músico inexperiente, a transmissão de vibrações fica enviesada, uma vez que só um verdadeiro profissional o consegue fazer, pois só ele conhece o verdadeiro gosto pela música. «Para chegar até aqui, tive de estudar bastante e tive de me aplicar bastante. Passei horas e horas, às vezes, a fazer os meus próprios ritmos, as minhas próprias interpretações, arranjos e fui desenvolvendo certas técnicas e capacidades. É normal que, quando vejo certas pessoas a aparecer do nada e a fazer ‘maravilhas’ e quando lhes é pedido para fazer qualquer coisa, um acorde mais complicado, por exemplo, que não o saibam fazer, me sinta um pouco frustrado. Mas é o que nós temos de conseguir - lutar e seguir em frente.» – explica e aconselha o professor de música.
Ao poupar na música, as noites de verão perderam o luar. As bailarinas já não rodopiam ao som dos mesmos acordes. Os pares de dançarinos já não dançam até romper a sola do sapato. A qualidade e o tradicionalismo de outrora perderam-se. Agora, os problemas económicos falam mais alto e há-que definir prioridades.
 
por: Mélanie Oliveira
*Artigo escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

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