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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

“É preciso outro 25 de Abril!”

Abílio Cunha, actualmente aposentado, é natural de Guimarães – terra que o viu nascer e onde trabalhou toda a sua vida. É um antigo funcionário têxtil, foi tecelão e mais tarde afinador de máquinas industriais, que conta já com 80 anos de vida. Perfeitamente lúcido e um amante da escrita, ainda capaz de fazer tudo, vê o futuro com um olhar nada confiante.
Vivenciou várias situações político-sociais diferentes mas afirma, sem dúvida alguma, que nunca viveu “uma fase tão negra e tenebrosa como esta que atravessamos”. Os cortes nos apoios, o aumento de impostos, as baixas pensões e as dificuldades de acesso a um sistema de saúde permanente e de qualidade são algumas das suas preocupações. Nunca esquecendo, claro, o receio pelos seus familiares e pelo seu futuro, tal como nos foi contado ao longo desta entrevista.
 
Abílio Cunha
Posts de Pescada: O seu passado enquanto trabalhador foi compensatório? Sentia-se bem no seu posto de trabalho, tinha condições favoráveis?
Abílio Cunha: Sinceramente, não! Muitas das vezes eu fazia o dito “regime de faltas” – chegava à empresa e vinha-me embora pois não havia trabalho suficiente para todos os trabalhadores. Cheguei a trabalhar muito e o meu salário não estava de acordo com o meu desempenho. Frustrava-me.
 
PP: Já vivenciou situações político-sociais muito diferentes. Passou por um regime ditatorial e por regimes democráticos. O que mais o marcou? E porquê?
AC: O regime salazarista. Foi nessa altura em que eu e os meus colegas sentimos muitas dificuldades no trabalho. Eu não podia falar livremente, sentia-me sempre observado. Cheguei, inclusive, a ser “perseguido” pelos informadores da PIDE por, numa dada altura, ter escrito um pequeno desabafo sobre a dureza daquele senhor (Abel Salazar) num jornal local. Era sufocante viver daquela maneira. Sofreu-se muito.
 
PP: Considera que esse regime se pode equiparar, ainda que em parte, com os regime e situação que actualmente enfrentamos?
AC: Sinto que está em grande parte semelhante. As propostas que o governo apresenta são duras, muito difíceis. Acho até que estamos pior! Pelo menos Salazar conseguiu equilibrar as finanças e levar isto um pouco para a frente. Este governo nem isso! Não me lembro de ver tanta gente no desemprego e a passar fome. Está tudo uma miséria.
 
PP:Quais são os seus maiores receios?
AC: Tenho muito medo. Vejo isto mau em termos financeiros. Tenho medo que me possam cortar na pensão e, com a idade a avançar, a toma de medicação é diária e os preços aumentam, ao contrário das ajudas do Estado. Tenho medo que a minha família possa passar por dificuldades daqui a um curto espaço de tempo. Há fábricas a fechar todos os dias.
 
PP: Como perspectiva o futuro para os seus familiares?
AC: Sinceramente, péssimo. Quer os meus filhos, quer os meus netos. Mas para com os meus netos a preocupação ainda é maior. Em termos de emprego não se vislumbra nada. Nada. Os meus filhos estão a gastar muito dinheiro com os meus netos na faculdade e, no fim, não terão emprego quase de certeza. É triste.
 
PP:Sente-se protegido por este governo?
AC: Não. Este governo só faz cortes e não olha para os cidadãos como seres humanos. As pessoas têm necessidades! Mas não são só aqueles que lá estão a governar… isto já vem de trás. Nenhum governo se preocupou com o progresso nem com a salvaguarda do futuro.
 
PP: Qual a sua opinião sobre as manifestações a que o país tem assistido? Acha que está a ser tomado o caminho certo para uma solução definitiva?
AC: Não creio, mas, em última instância, esta é a arma dos trabalhadores. Têm que mostrar a sua indignação. Mas não me parece que isto leve a lado algum. E muito menos a algo definitivo. O país está a passar por sérios problemas! E muita gente ainda não se apercebeu.
 
PP: Se tivesse o poder de fazer algo para melhorar o país, o que fazia?
AC: Tanta coisa! Se estivesse no poder, à frente deste país, tentava criar postos de trabalho; por que sem trabalho não há dinheiro, não há riqueza. Mas isto é uma questão muito complexa. Para mudar algo teria que retirar 60 anos à minha idade e ter a energia de outros tempos para enfrentar este bando de fascistas disfarçados de cordeiros, como costumo dizer. E a União Europeia não foi uma coisa assim tão boa, na minha opinião. Ajudaram-nos, mas também nos limitaram. É preciso outro 25 de Abril, isso sim! Este povo precisa de se unir para vencer, senão será uma luta sem fim.
 
por: Sofia Rocha
*Este artigo não está escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

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