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quinta-feira, 13 de novembro de 2014

“Quando conversamos somos mais humanos”

Duarte Paiva, dirigente da ACA
Num mundo onde o diálogo tende a ser desvalorizado e a preocupação pelo próximo passa, fundamentalmente, pelo apoio de cariz material, conseguimos encontrar quem ainda dê valor a uma “boa conversa”.
Com o objectivo de prestar apoio a pessoas que se encontram em situação de exclusão ou solidão, a Associação Conversa Amiga (ACA) é uma associação de solidariedade social que actua, essencialmente pelo poder de uma conversa.
Duarte Paiva, dirigente associativo, formador de voluntariado e coordenador de projectos, dá-nos a oportunidade de conhecer um pouco sobre a ACA e perceber como uma “simples” conversa pode ter um impacto tão importante na vida de alguém.


 O que levou à fundação da Associação Conversa Amiga? De onde surgiu essa necessidade?

Duarte Paiva(D.P): Na altura simplesmente o facto de haver pessoas sozinhas, em solidão, e verificar que isso lhes causava sofrimento. Cheguei a esta conclusão porque, a meio da universidade, tive uma experiência de distribuição de alimentos e vestuário a pessoas em situação de sem abrigo. Curiosamente estas pessoas, dando-lhes alguma conversa, mostravam-se muito disponíveis a conversar, mostravam-se sobretudo felizes por ter alguém que as ouvia.
 Assim achei, e dado os poucos recursos que tinha na altura, que poderia fazer isso mesmo, conversar com pessoas, ouvindo-as e promovendo momentos de mais humanidade e, de alguma forma, felicidade. E consegui! Comecei com pessoas em situação de sem-abrigo. A ACA é então fundada para criar a estrutura necessária para organizar voluntariado e projetos. Como já fazia voluntariado desde os meus 14 anos, este teve um papel importante nesta construção.


Têm vários projetos e várias missões a cumprir mas será que me pode dizer qual é a missão principal da ACA?

D.P.: A ACA destina-se a pessoas que, pela sua situação, possam estar de alguma forma isoladas e que a conversa seja uma forma de combater essa solidão. Esta é a missão original da ACA. Mas também pela conversa, aprender, conhecer e perceber as necessidades das pessoas, para que se possa então criar novas respostas, mais adequadas e com inovação. Se podemos combater a solidão ao mesmo tempo que aprendemos, porque não utilizar isso para aumentar o nosso impacto? Todos os nossos projetos nascem da conversa, neste movimento de ideias que se estabelece entre as pessoas porque conversamos e ouvimos.
 
Mensagem da ACA

Porquê a conversa? Porque é que a conversa/diálogo é o veículo escolhido para chegar às pessoas que ajudam? E de que forma “conversam” com as pessoas?

D.P.: A conversa é uma forma de ligação entre as pessoas. Quando conversamos somos mais iguais, somos mais humanos e, mesmo que estejamos com pessoas que por alguma razão estejam menos bem, nada disso realmente interessa porque humanamente somos todos e todas iguais. Portanto, se queremos ajudar alguém, então temos que o fazer colocando-nos ao mesmo nível, promovendo uma relação de ajuda positiva. Este instrumento é fantástico para aprendemos e percebemos o que é necessário, o que as pessoas mais valorizam e é, de alguma forma, um meio democrático de intervir.
São as pessoas que nos dizem o que precisam e porque precisam nos sítios onde estão. Somos nós que lá vamos. Além disso, quebram-se barreiras e assim é facilitado todo um processo de ajuda pois constrói-se uma relação baseada na confiança, sinceridade e empatia. Conversamos de forma simples, respeitando cada pessoa e ouvindo ativamente.


Pretendem ser uma “ referência na qualidade e inovação social e uma referência no voluntariado”. Sente que de alguma forma o voluntariado está interligado com o sucesso da Associação?

D.P.:O voluntariado está na génese da ACA e, pessoalmente, na minha.
Sim, o voluntariado tem um papel fundamental na ACA porque é, dentro da nossa missão, algo que faz muito sentido, pois estatuariamente a ACA também promove a democracia e cidadania ativa, e o voluntariado é uma forma de cumprir este ponto. Também temos profissionais, mas estes estão alocados e desenvolvem funções que pelo voluntariado seria menos viável. Porém prestamos muita atenção à qualidade de voluntariado que temos, ao tipo de pessoa que selecionamos e procuramos ter a melhor gestão de voluntariado possível. Voluntariado, para a ACA, apenas faz sentido com qualidade.


Têm bastantes projetos, nomeadamente o “Cacifos solidários”. Como chegaram a essa ideia?

D.P.: Pela conversa. Várias pessoas sem-abrigo disseram-nos que os seus pertences são roubados, extraviados, levados pelos serviços ou danificados pela chuva. Além disso, alguns dizem guardar alguns dos pertences em cacifos de supermercado com todas as limitações disso.
 Assim, foi proposto este projeto a um grupo de pessoas sem-abrigo que o aceitou de forma muito positiva. Resumidamente foi isso, embora uma parte forte do projeto seja também o acompanhamento das pessoas, a autonomia, autoestima e um novo sentido de dignidade que este projeto promove.


Qualquer pessoa pode recorrer à ACA para pedir ajuda ou para se voluntariar?

D.P : Na realidade nós tentamos ir de encontro às pessoas mais do que esperar que venham até nós. Os projetos já estão estabelecidos e vão crescendo mediante as necessidades encontradas. Temos também várias parcerias que funcionam como articulações de necessidades de pessoas. No voluntariado, qualquer pessoa se pode inscrever, depois terá um processo de seleção e integração. Nem todas as pessoas se tornam voluntárias ACA.


 Para terminar, sente que se conversarmos mais com quem nos rodeia, independentemente das características ou circunstâncias de cada um, podemos fazer mais pessoas felizes?


D.P.: Sem dúvida, embora não baste conversar, é necessário qualidade na conversa e, sobretudo, saber ouvir.  Recentemente uma idosa de 80, que esteve à conversa connosco, deu-nos um grande abraço e disse que aquele momento era tudo que precisava.


Um agradecimento especial a Duarte Paiva.

Fotos retiradas do site oficial da associação.


Por Daniela Bulário

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