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terça-feira, 17 de novembro de 2015

"Entre sentimentos de raiva e vingança, a vida que estava a levar destruía-me cada vez mais..."‏



Davide de Andrade, integrante da Força Jovem Europa (FJE), é hoje um jovem transformado, mas nem sempre foi assim. Desde bastante cedo lidou com diversos problemas que o levaram por caminhos que quase comprometeram a sua vida.
 
Davide, desde bastante cedo começaste a enfrentar diversos problemas. Sabes especificar mais ou menos a idade que tinhas quando tudo começou e quais os problemas que enfrentaste?
Foi a partir dos meu seis anos de idade que comecei a enfrentar vários problemas dentro de casa. Cresci num ambiente impróprio para uma criança, pois eram constantes as discussões entre o meu irmão e o meu pai e as agressões entre os meus irmãos (agressões estas derivadas do álcool). Por volta dos meus treze anos, já era uma criança rebelde, revoltada, nervosa e agressiva, e tudo devido às situações que vi e vivi desde bem novo. Para afastar-me do ambiente que tinha dentro de casa, comecei a conhecer "amigos" na rua. Morava num bairro social degradado na zona de Lisboa, onde havia muita confusão, desacatos, agressões, assaltos, mortes, etc., ou seja, as amizades que fui começando a ter não foram as melhores e, com estas, comecei a consumir drogas, tabaco e álcool. Comecei também a traficar e a participar em assaltos a lojas, carros e a pessoas.

Como foi viver como traficante?
Não tinha dinheiro, não trabalhava, os meus pais não me davam dinheiro e devido à droga e a ser tão novo, com esses novos "amigos", conheci traficantes e decidi entrar no tráfico. Comecei por ser o "rapaz dos recados", que leva a droga até o comprador e traz de volta o dinheiro, mas essa vida que levava não era fácil. Haviam vários traficantes nessa zona e a prioridade são os clientes. Sem clientes não havia nem dinheiro, nem droga e sem droga não havia nem clientes nem dinheiro e devido a isto, começaram a virar-se contra mim e contra o traficante "cabeça" com quem eu estava, por roubar a "clientela" deles. Nesse momento, começaram as ameaças e as discussões. Eu andava armado com facas de cozinha e revolveres de nove milímetros para minha segurança. Passado algum tempo de estar com esse traficante, criei a minha própria "banca", tornei-me eu próprio traficante e comecei a ter "rapazes de recados" agora a trabalhar para mim. Nesse período de tempo que se passou, tinha entre os dezassete e os dezoito anos, e agora como o "cabeça". A minha vida tinha neste momento o dobro ou o triplo do perigo que tinha anteriormente. No mundo do tráfico não existe amizade, existe sim parceria, não amizade. Dos amigos que tinha no início, foram poucos os que ficaram comigo. Entre sentimentos de raiva e vingança, a vida que estava a levar destruía-me cada vez mais.
 

Houve algum episódio que te marcou enquanto traficante?
O episódio que mais me marcou enquanto traficante foi quando me juntei com alguns parceiros do tráfico e decidimos assaltar uma "ProSegur" (carrinhas que transportam dinheiro para bancos e não só). Fizemos uma plano para assaltar, ficámos alguns dias a  vigiar a trajectória da carrinha, os lugares em que passava, o tempo que demorava, quantos homens estavam lá dentro, se a polícia seguia a carrinha ou não, enfim, tentamos descobrir tudo ao pormenor. Com alguns dias de vigilância, vimos que a PJ (Polícia Judiciária) seguia a carrinha à paisana até um determinado local e, depois, deixava de a seguir. Aparentemente, tudo estava em ordem. Tínhamos uma caçadeira na mala do carro, uma nove milímetros do meu lado direito dentro dos apoios do braço no banco de trás do carro, outra debaixo do volante do condutor e uma tesoura de cortar ferro na mala. O plano era de um de nós roubar uma mota (que também já estava a ser vigiada por nós há alguns dias) e com a tesoura de ferro arrancar as trancas da mota. Enquanto isso, os outros três iriam atrás da carrinha. Fomos buscar um parceiro noutro bairro, totalizando assim os 4 elementos necessários para o plano, e ao sairmos do bairro, o que ia a conduzir olha pelo retrovisor e vê um carro da PSP a vir com as luzes acesas. A PSP a ver um carro com quatro pessoas dentro e àquelas horas da noite, trancaram a rua, colocando-se literalmente atravessados no meio da rua atrás do nosso carro. A polícia veio, mandou-nos sair do carro e encostar junto à parede. Revistaram-nos, tiraram a droga que tínhamos, procuraram por todo o carro, mas não encontraram nada. Enquanto isso, outros policiais falavam com o parceiro que fomos buscar por último e mandaram-nos embora a pé, o carro ficou no mesmo sítio para que no dia seguinte o pudessem rever novamente. Concordamos em seguir viagem, ficamos a pé durante algum tempo e passado alguns minutos eles passaram pelo carro novamente para ver se este ainda lá estava. Logo que eles foram embora, entramos no carro e saímos dali para fora. A matrícula que estava no nosso carro era roubada, então não encontraram mais o carro. Até hoje não sei como nos livramos dessa. Esse foi o dia em que comecei a ver se valia a pena continuar a viver daquela forma...
 

Referiste uma certa dependência por drogas. A que te levou esse vício?
Sim, consumi e fui viciado em inúmeros tipos de drogas, desde o cheirar cola, haxixe, marijuana, cocaína e heroína. Estes vícios levaram-me até a roubar na minha própria casa e a participar em assaltos a lojas, comércios, carros e a pessoas na rua.
 

Com tudo isso, como lidavas com os teus familiares e eles contigo?
As discussões continuavam, mas agora era eu quem estava no controle dentro de casa. Um dia, o meu irmão começou uma briga comigo e puxou uma faca para me esfaquear e, mesmo sendo meu irmão, peguei num taco de basebol e bati-lhe com ele (não usei nem arma nem faca, pois sabia que aquilo não passava de uma bebedeira dele). Na mesma hora, o meu pai partiu para cima de mim e tive que lutar com os dois. Tudo estava cada vez pior dentro de casa. A minha mãe já nem podia com aquele ambiente, um verdadeiro "inferno", assim dizendo. Eu e o meu irmão começamos a ser rivais um do outro, já não havia união, não nos falávamos.
 

Qual o pior momento?
O pior momento foi quando fui preso. O mundo do tráfico é um mundo completamente diferente do que vivemos, parece mesmo outro mundo. Algumas amizades deste mundo denunciaram-me e fui detido. Fui apanhado com um revolver. Fui levado para a esquadra e da esquadra para a prisão, onde fiquei por dois dias a aguardar ser presente a juiz, pois era época de férias e nem sempre estavam juízes nessa altura lá. Até que me foi presente então ao juiz e decretaram-me quatro anos e meio de prisão. Este sim, foi o meu pior momento.

O que pensaste quando te viste sozinho, preso?
Pensei em tudo o que tinha feito até ali. Se valia a pena continuar nesse rumo...
Passar 4 anos fechado numa cela sem os tais "amigos", família, sem a liberdade que tinha.
Só pensei mesmo numa coisa: se saísse daquela situação, abandonaria toda aquela vida levava.


Bom, isso é passado. Conheceste o trabalho da Força Jovem Europa. Quem é o Davide hoje?
O Davide hoje é um jovem liberto dos vícios de droga, tabaco, álcool, mulheres.
Um jovem com um rumo de vida completamente contrário ao que levava. Hoje não preciso dessas amizades, sei escolher as boas amizades, que são aquelas que acrescentam algo de bom para mim e não o contrário.
Hoje, não sou mais esse jovem rebelde, revoltado e nervoso, ao ponto de agredir as pessoas à minha volta.
Não preciso de mulheres, tenho a minha esposa. Sou casado com 22 anos de idade.
Quem me conhece do passado diz "tu não és a mesma pessoa que andava comigo antes", "és tu o rapaz que me vendia droga e foi preso? Impossível". Hoje, estas frases fazem-me ter a certeza de que mudar o rumo da minha vida valeu a pena.
 

Fazes parte de que FJE?
Hoje faço parte da FJE de Pombal, lugar onde também serviu para a minha mudança. Na FJE, levaram-me a acreditar que vale a pena deixar as coisas más do passado para trás e poder levar um rumo de vida diferente, que existia solução para mim.
Sou grato ao trabalho da FJE por me estenderem a mão e não me colocarem de lado como a sociedade de hoje faz a outros jovens com histórias idênticas à minha.

Qual o teu conselho aos jovens que estão a passar pelo o que um dia tu passaste?
Eu aconselho a esses jovens a pensarem se vale a pena seguirem esse estilo de vida. Se por uma questão de fama, para serem conhecidos, ou para terem respeito, se vale a pena tudo isso, pois não os levará a lugar algum, só mesmo ao lugar de onde eu saí. Se não tens ninguém verdadeiramente amigo que te diga que podes mudar, eu digo: há como mudares! Como eu procurei, procura também tu algum representante da FJE mais perto de ti e desabafa, conta a tua história, deita para fora o que te corrói por dentro, seja um sentimento, seja o que for, que tal como eu fui ajudado, tu também vais ser!
Sem preconceitos, sejas quem fores, de que raça fores, aqui na FJE não há distinções, há sim uma oportunidade de mudares o teu rumo de vida. Força e coragem são umas das atitudes que terás de ter para seguir em frente!
 


Trabalho realizado por:
Daniela Silva
Grupo 4

1 comentário:

  1. Um artigo, simples, claro e directo ao ponto.
    Explicativo e elucidativo.
    Dá gosto de ler jornalistas assim,

    Carolina Borges

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