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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Na Liga Europa a “dar sentido à ilusão”



Bilhete no bolso, cachecol ao pescoço, casaco bem apertado. Felizmente não chove, mas o frio faz-se sentir na cidade de Coimbra. Mais uma tarde de quinta-feira de jogos da Liga Europa, mais um dia para poder ir ver a Académica ao estádio.

Mancha Negra fez alusão à Batalha de Atoleiros
para motivar a sua equipa
A 15 minutos do início da partida, a fila para entrar é praticamente inexistente. Das duas, uma: ou as pessoas decidiram vir mais cedo tendo em conta a importância do jogo ou simplesmente não vieram. “15 euros por um bilhete é um ultraje!”. Eis o que fui ouvindo durante os últimos dias quando me passava pela cabeça perguntar quem mais iria ao estádio. Até nem acho que seja um preço abusivo - apesar da ausência de habituais titulares, o adversário é o actual detentor do troféu e um dos clubes mais bem cotados em Espanha - mas estamos em época de poupanças e isso pesa na consciência das pessoas. Entendo os motivos.

A minha primeira estimativa aponta para cerca de 4000 adeptos. “Ficamos deste lado a apoiar o ataque ou vamos para junto da Mancha [Negra]?”, pergunto ao meu pai, habitual companhia nos «jogos em casa», enquanto o tempo corre em passo de caracol. Na outra ponta da bancada nascente a Mancha Negra vai preparando as tarjas que serão exibidas aquando da entrada das equipas. A ansiedade é muita e a vontade de ver o segundo jogo europeu da Briosa em Coimbra vai-se acentuando. Afinal, já lá vão mais de 40 anos desde a última vez que a Académica triunfou em provas continentais.

Wilson Eduardo sucumbe campeão em título

O relógio marca 18 horas em ponto. As equipas começam a deixar o túnel. Jogadores são aplaudidos, cachecóis são erguidos, bandeiras esvoaçam ao sabor do vento, cânticos são entoados pelos que se levantam do assento para prestar tributo aos que apoiam. Após as habituais troca de galhardetes e fotografias para recordação, a bola é colocada no centro do terreno para que se possa dar início à partida. O coração começa a acelerar no peito de quem torce pela «Mágica» à medida que o árbitro principia o desafio.

Os primeiros minutos mostram duas equipas a adaptarem-se às suas filosofias de jogo e duas claques incansáveis no seu apoio. Desde músicas do clube ao hino nacional, harmonizado pelas vozes de lusitanos que levam a mão ao peito ou estendem o seu cachecol, a Mancha Negra bem que tenta contagiar o resto dos adeptos. Porém, o resultado raramente é o esperado. Se há momento que une adeptos de um clube, membros de claque ou não, é um golo da sua equipa. Wilson Eduardo, antecipando-se à defesa dos visitantes, fez com que pessoas, desconhecidas até então, se cumprimentassem e se abraçassem num espírito de união que, por vezes, a magia do futebol consegue proporcionar. O estádio ganhava uma nova vida à medida que o intervalo se aproximava.

Bis de Wilson Eduardo garantiu vitória memorável
De repente já passa das 19 horas. É altura de me deslocar para o outro lado do meio-campo, para junto da Mancha Negra. A segunda parte inicia-se. Os nervos nas bancadas acompanham as decisões dos jogadores e o Atlético parece estar a despertar do abalo sofrido. Mas a defesa hoje está intransponível e nas bancadas isso é sentido. Com o passar do tempo, cada vez mais adeptos incentivam a Briosa e dentro de campo os jogadores não são alheios a isso. No instante em que o placard se prepara para mostrar 70 minutos, a Académica beneficia de uma grande penalidade cometida sobre Salim Cissé. 

Festeja-se euforicamente. Sente-se que esta pode ser a estocada final numa partida que muitos não acreditavam ser possível levar de vencida. Os olhos, as câmaras, os corações de quase 5000 pessoas presentes no estádio centram-se em Wilson Eduardo. A bola anicha-se no fundo das redes e explode-se de alegria nas bancadas. Olho o meu pai nos olhos e abraço-o. Entendemos que este é um dos momentos mais especiais que presenciaremos enquanto sócios do clube da nossa cidade. Grita-se «Briosa» um pouco por todo o estádio e já são muitos os que não conseguem permanecer sentados na sua cadeira. Testemunha-se um momento histórico e praticamente indescritível na vida de um clube que estava prestes a terminar a série de 16 vitórias consecutivas do Atlético de Madrid para provas europeias.
 
«Estudantes» festejam triunfo histórico

Mancha Negra foi incansável no apoio à Briosa
A partida aproxima-se do fim. Grita-se pela Académica. Grita-se por Coimbra. Grita-se por Portugal. O hino é novamente cantado a uma só voz. Bandeiras portuguesas misturam-se com cachecóis brancos e pretos. O ambiente no estádio é mágico. Sente-se entusiasmo, felicidade, orgulho. O fim da partida não interrompe os festejos. O jogo parece ainda ir a meio, tal é o apoio demonstrado. Entoa-se «AAC, AAC!» enquanto desportistas de ambos os conjuntos se cumprimentam no relvado. Dá-se a entender que a taça tinha sido conquistada. Quase isso.

Desde sócios a meros apoiantes da Briosa, a felicidade patente nos rostos de quem vibra com o clube de Coimbra é contagiante. O clube não só acabara de ganhar uma partida mas também um novo prestígio. Inscrevera em menos de duas horas o seu nome na história do futebol português e internacional.

A festa continua fora do estádio. Buzinas de carros substituem tambores e algumas ruas enchem-se para celebrar aquela que é uma das mais marcantes vitórias que a Académica conseguiu desde que foi fundada. Centenas de pessoas juntam-se. Bem mais do que as que estiveram presentes no estádio. Bem mais do que as que festejam uma vitória da Briosa para o campeonato. Entretanto, aproveitando a letra do cântico da Mancha Negra, eu vou expressando a minha satisfação: «quando eu te vi jogar, logo fiquei apaixonado»; hoje, ao ver-te ganhar, «meu coração ficou marcado» e mais uma vez «senti que eras tu, nossa Briosa».

por: Diogo Carvalho

*Artigo não está escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico 

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