Bilhete no bolso, cachecol ao pescoço, casaco bem apertado.
Felizmente não chove, mas o frio faz-se sentir na cidade de Coimbra. Mais uma
tarde de quinta-feira de jogos da Liga Europa, mais um dia para poder ir ver a
Académica ao estádio.
Mancha Negra fez alusão à Batalha de Atoleiros
para motivar a sua equipa |
A 15 minutos do início da partida, a fila para entrar é
praticamente inexistente. Das duas, uma: ou as pessoas
decidiram vir mais cedo tendo em conta a importância do jogo ou simplesmente
não vieram. “15 euros por um bilhete é um ultraje!”. Eis o que fui ouvindo
durante os últimos dias quando me passava pela cabeça perguntar quem mais iria
ao estádio. Até nem acho que seja um preço abusivo - apesar da ausência de
habituais titulares, o adversário é o actual detentor do troféu e um dos clubes
mais bem cotados em Espanha - mas estamos em época de poupanças e isso pesa na
consciência das pessoas. Entendo os motivos.
A minha primeira estimativa aponta para cerca de 4000
adeptos. “Ficamos deste lado a apoiar o ataque ou vamos para junto da Mancha
[Negra]?”, pergunto ao meu pai, habitual companhia nos «jogos em casa»,
enquanto o tempo corre em passo de caracol. Na outra ponta da bancada nascente
a Mancha Negra vai preparando as tarjas que serão exibidas aquando da entrada
das equipas. A ansiedade é muita e a vontade de ver o segundo jogo europeu da
Briosa em Coimbra vai-se acentuando. Afinal, já lá vão mais de 40 anos desde a
última vez que a Académica triunfou em provas continentais.
Wilson Eduardo sucumbe campeão em
título
O relógio marca 18 horas em ponto. As equipas começam a
deixar o túnel. Jogadores são aplaudidos, cachecóis são erguidos, bandeiras
esvoaçam ao sabor do vento, cânticos são entoados pelos que se levantam do
assento para prestar tributo aos que apoiam. Após as habituais troca de
galhardetes e fotografias para recordação, a bola é colocada no centro do
terreno para que se possa dar início à partida. O coração começa a acelerar no
peito de quem torce pela «Mágica» à medida que o árbitro principia o desafio.
Os primeiros minutos mostram duas equipas a adaptarem-se às
suas filosofias de jogo e duas claques incansáveis no seu apoio. Desde músicas
do clube ao hino nacional, harmonizado pelas vozes de lusitanos que levam a mão
ao peito ou estendem o seu cachecol, a Mancha Negra bem que tenta contagiar o
resto dos adeptos. Porém, o resultado raramente é o esperado. Se há momento que
une adeptos de um clube, membros de claque ou não, é um golo da sua equipa.
Wilson Eduardo, antecipando-se à defesa dos visitantes, fez com que pessoas,
desconhecidas até então, se cumprimentassem e se abraçassem num espírito de
união que, por vezes, a magia do futebol consegue proporcionar. O estádio
ganhava uma nova vida à medida que o intervalo se aproximava.
Bis de Wilson Eduardo garantiu vitória memorável |
De repente já passa das 19 horas. É altura de me deslocar
para o outro lado do meio-campo, para junto da Mancha Negra. A segunda parte
inicia-se. Os nervos nas bancadas acompanham as decisões dos jogadores e o
Atlético parece estar a despertar do abalo sofrido. Mas a defesa hoje está
intransponível e nas bancadas isso é sentido. Com o passar do tempo, cada vez
mais adeptos incentivam a Briosa e dentro de campo os jogadores não são alheios
a isso. No instante em que o placard se prepara para mostrar 70 minutos, a
Académica beneficia de uma grande penalidade cometida sobre Salim Cissé.
Festeja-se euforicamente. Sente-se que esta pode ser a estocada final numa
partida que muitos não acreditavam ser possível levar de vencida. Os olhos, as
câmaras, os corações de quase 5000 pessoas presentes no estádio centram-se em
Wilson Eduardo. A bola anicha-se no fundo das redes e explode-se de alegria nas
bancadas. Olho o meu pai nos olhos e abraço-o. Entendemos que este é um dos
momentos mais especiais que presenciaremos enquanto sócios do clube da nossa
cidade. Grita-se «Briosa» um pouco por todo o estádio e já são muitos os que
não conseguem permanecer sentados na sua cadeira. Testemunha-se um momento
histórico e praticamente indescritível na vida de um clube que estava prestes a
terminar a série de 16 vitórias consecutivas do Atlético de Madrid para provas
europeias.
«Estudantes» festejam triunfo
histórico
Mancha Negra foi incansável no apoio à Briosa |
A partida aproxima-se do fim. Grita-se pela Académica.
Grita-se por Coimbra. Grita-se por Portugal. O hino é novamente cantado a uma
só voz. Bandeiras portuguesas misturam-se com cachecóis brancos e pretos. O
ambiente no estádio é mágico. Sente-se entusiasmo, felicidade, orgulho. O fim
da partida não interrompe os festejos. O jogo parece ainda ir a meio, tal é o
apoio demonstrado. Entoa-se «AAC, AAC!» enquanto desportistas de ambos os
conjuntos se cumprimentam no relvado. Dá-se a entender que a taça tinha sido
conquistada. Quase isso.
Desde sócios a meros apoiantes da Briosa, a felicidade
patente nos rostos de quem vibra com o clube de Coimbra é contagiante. O clube
não só acabara de ganhar uma partida mas também um novo prestígio. Inscrevera
em menos de duas horas o seu nome na história do futebol português e
internacional.
A festa continua fora do estádio. Buzinas de carros
substituem tambores e algumas ruas enchem-se para celebrar aquela que é uma das
mais marcantes vitórias que a Académica conseguiu desde que foi fundada.
Centenas de pessoas juntam-se. Bem mais do que as que estiveram presentes no
estádio. Bem mais do que as que festejam uma vitória da Briosa para o
campeonato. Entretanto, aproveitando a letra do cântico da Mancha Negra, eu vou
expressando a minha satisfação: «quando
eu te vi jogar, logo fiquei apaixonado»; hoje, ao ver-te ganhar, «meu coração ficou marcado» e mais uma
vez «senti que eras tu, nossa Briosa».
por: Diogo Carvalho
*Artigo não está escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
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